MultiCult # 8 Uma boa administraçao publica tambem eh feita de açoes
simples, mas eficazes. Nas ultimas semanas, a area verde na saida do
terminal de ferry-boat de Toronto estava sempre congestionada. Um monte
de jovens, zumbis encurvados sobre os seus celulares, espalhados pelo
gramado, mesas e bancos, cacando Pokemons e fingindo socializar. Atrapalhando o trajeto de volta para casa daqueles que iam
procurar tranquilidade e diversao nas ilhas de Toronto.
Nao
deixava de ser interessante ver a diferenca entre os que passeiam de
barco e os fas do videogame. Os primeiros saem falantes, sorridentes,
bronzeados, voltando de horas de prazer nas ilhas, pela proximidade da
natureza e contato com o sol, caminhadas, passeios de bicicleta, banhos
no lago, pique-niques, interacao com os amigos e o que mais interessante
ocorra. Enquanto os cacadores virtuais permanecem concentrados, rostos
palidos hipnotizados, colados na pequena tela, refletindo a luz do
celular.
Em vez de mandar a
Policia espantar a galinhada nerd e organizar a bagunça, o Prefeito
tomou decisao inteligente e acertada. Contactou o chefao da empresa
criadora do Pokemon e pediu a reduçao dos pontos de parada (Pokestops)
do videogame na regiao. Esses pontos incentivam a congregaçao dos
jogadores e a caça aos monstros virtuais.
A quantidade de
Pokestops na saida do terminal fazia com que os jogadores permanecessem
durante horas por la, formando uma multidao que estava atrapalhando a
saida dos passageiros do ferry-boat.
Estive no terminal ha pouco e
vi a diferença. Ainda existem alguns players, mas bem menos. Os
turistas da ilha agora podem passar com tranquilidade, sem esbarrar em
ninguem.
https://www.thestar.com/news/gta/2016/08/25/mayor-john-tory-acts-to-cut-pokemon-go-crowd-at-ferry-terminal.html
Festa dos Sentidos
Crônicas e comentários de Danilo Menezes. Jornalista brasileiro da Bahia, atualmente morando em Toronto, Ontario, Canada.
27.8.16
13.1.16
MultCult#7 Irlandeses
MultCult#7 Os irlandeses e seus descendentes formam parte significativa da população do Canadá. Eles compõem uma grande porção do que faz a religião católica a mais numerosa no país. Eles gostam de ser engraçados. De rir, de aproveitar os momentos com a família. Gostam de beber, de celebrar a alegria. Às vezes também gostam de fazer drama. Essa é a minha percepção.
Perguntei a um irlandês-canadense, nascido na Irlanda, qual era a imagem que ele tinha do seu povo. Não foi diferente da minha. Ele me disse que os irlandeses são contadores de histórias, são comunicativos, amigáveis e não são pretensiosos. Outro descendente de irlandeses me diz que, ao contar histórias, eles são "careless with the truth", agem sem cuidado com a verdade. Ou seja, gostam de adicionar cor e drama aos casos contados, para torná-los mais atraentes e mais engraçados.
O fluxo de imigrantes irlandeses para o Canadá e Estados Unidos é contínuo, ocorrendo picos em épocas de crise, como no caso da Grande Fome, no meio do século XIX, quando uma praga destruiu as plantações de batata na Irlanda, causando um problema gigantesco de falta de comida. A saída para muitos irlandeses foi tomar o navio para a América. A batata, no entanto, continua sendo o seu vegetal preferido. É piada corrente entre eles o favoritismo dela na mesa.
Outra característica dos descendentes de irlandeses no Canadá é a valorização das suas origens. Eles se orgulham e se consideram legítimos irlandeses, mesmo que as suas famílias estejam na América do Norte há quatro ou cinco gerações.
Toronto é uma cidade em que 50% da população nasceu em outro país. Adicionando aqueles cujos pais nasceram fora, a conta chega aos 75%. E isso é bem visto. Boa parte dos habitantes da cidade gosta de mencionar as suas raízes em outros países. Mas o irlandeses do Canadá parecem se considerar autênticos "Leprechaun", o duende verde da Irlanda. Mesmo que os originais tenham sido o tataravô e a tataravó, que atravessaram o Atlântico há mais de cento e cinquenta anos.
Perguntei a um irlandês-canadense, nascido na Irlanda, qual era a imagem que ele tinha do seu povo. Não foi diferente da minha. Ele me disse que os irlandeses são contadores de histórias, são comunicativos, amigáveis e não são pretensiosos. Outro descendente de irlandeses me diz que, ao contar histórias, eles são "careless with the truth", agem sem cuidado com a verdade. Ou seja, gostam de adicionar cor e drama aos casos contados, para torná-los mais atraentes e mais engraçados.
O fluxo de imigrantes irlandeses para o Canadá e Estados Unidos é contínuo, ocorrendo picos em épocas de crise, como no caso da Grande Fome, no meio do século XIX, quando uma praga destruiu as plantações de batata na Irlanda, causando um problema gigantesco de falta de comida. A saída para muitos irlandeses foi tomar o navio para a América. A batata, no entanto, continua sendo o seu vegetal preferido. É piada corrente entre eles o favoritismo dela na mesa.
Outra característica dos descendentes de irlandeses no Canadá é a valorização das suas origens. Eles se orgulham e se consideram legítimos irlandeses, mesmo que as suas famílias estejam na América do Norte há quatro ou cinco gerações.
Toronto é uma cidade em que 50% da população nasceu em outro país. Adicionando aqueles cujos pais nasceram fora, a conta chega aos 75%. E isso é bem visto. Boa parte dos habitantes da cidade gosta de mencionar as suas raízes em outros países. Mas o irlandeses do Canadá parecem se considerar autênticos "Leprechaun", o duende verde da Irlanda. Mesmo que os originais tenham sido o tataravô e a tataravó, que atravessaram o Atlântico há mais de cento e cinquenta anos.
30.12.15
MultCult#6 Das diferencas natalinas
MultCult#6. Das diferenças natalinas. A festa de Natal canadense é bem parecida com a celebração brasileira. Família e amigos reunidos, troca de presentes, Papai Noel, árvore enfeitada e peru assado na mesa. O peru é originário da América do Norte e foi levado para a Europa. Faz parte do cardápio festivo do Canadá, principalmente no jantar do Natal e da Ação de Graças (Thanksgiving). Há muito tempo também está presente nas mesas do Brasil, apenas com a diferença dos acompanhamentos.
No Canadá, o peru é sempre servido com ''gravy'', que é o delicioso molho feito com o caldo que sobra na assadeira. Há o ''cranberry sauce'', molho agri-doce, que parece uma geléia feita de cranberry, pequena fruta vermelha de clima frio. Mais purê de batatas e vegetais cozidos. Tem também o delicioso ''stuffing'', que é o enchimento que se coloca dentro da cavidade do peru.
Esse recheio é feito de pequenos pedaços de pão torrado, mais temperos e ervas, frutas secas, nozes, miúdos do peru picados, a depender da receita. O stuffing pode ser colocado dentro do peru e assado junto. Mas muitas vezes prefere-se cozinhá-lo à parte, para diminuir o tempo de forno.
Cada família brasileira faz ligeiramente diferente, mas de modo geral, vejo que há farofa, salpicão (salada de frango, batatas, maçã, maionese, presunto, etc) ou outra salada. Também sempre há algum tipo de arroz festivo, cheio de ingredientes.
A farofa seria algo tipicamente brasileiro na ceia de Natal. Falando em farofa, é interessante notar a reação de estrangeiros, principalmente norte-americanos, ao experimentá-la. A farinha de mandioca tem textura e sabor diferente de tudo que eles conhecem, não existe nada semelhante. O que para nós brasileiros expatriados parece mais com a saudade de casa, para eles parece algo muito diferente - ou muito estranho.
No Canadá, o peru é sempre servido com ''gravy'', que é o delicioso molho feito com o caldo que sobra na assadeira. Há o ''cranberry sauce'', molho agri-doce, que parece uma geléia feita de cranberry, pequena fruta vermelha de clima frio. Mais purê de batatas e vegetais cozidos. Tem também o delicioso ''stuffing'', que é o enchimento que se coloca dentro da cavidade do peru.
Esse recheio é feito de pequenos pedaços de pão torrado, mais temperos e ervas, frutas secas, nozes, miúdos do peru picados, a depender da receita. O stuffing pode ser colocado dentro do peru e assado junto. Mas muitas vezes prefere-se cozinhá-lo à parte, para diminuir o tempo de forno.
Cada família brasileira faz ligeiramente diferente, mas de modo geral, vejo que há farofa, salpicão (salada de frango, batatas, maçã, maionese, presunto, etc) ou outra salada. Também sempre há algum tipo de arroz festivo, cheio de ingredientes.
A farofa seria algo tipicamente brasileiro na ceia de Natal. Falando em farofa, é interessante notar a reação de estrangeiros, principalmente norte-americanos, ao experimentá-la. A farinha de mandioca tem textura e sabor diferente de tudo que eles conhecem, não existe nada semelhante. O que para nós brasileiros expatriados parece mais com a saudade de casa, para eles parece algo muito diferente - ou muito estranho.
19.12.15
MultCult#5
A família de Ramzia chegou no Canadá quando ela era adolescente. O pai, um engenheiro químico do Paquistão, decidiu levar a esposa e os cinco filhos para morar na América do Norte. Buscando perspectivas de bons estudos, bom trabalho, ambiente seguro. Tudo que motiva imigrantes a arrumar as malas e mudar de país.
Ramzia é muçulmana. O véu que recobre os seus cabelos pretos é feito de um tecido leve, quase transparente. Semelhante ao que as indianas usam. O Paquistão compartilha raízes culturais com a India. A sua pele é clara, ela vem de uma região do Norte do país. Ela poderia ser confundida com uma iraniana.
Depois de alguns anos no novo país, o pai, sem conseguir bom trabalho e sem se adaptar aos invernos canadense, decide voltar ao Paquistão. Só a esposa o acompanhou. Os filhos, dois rapazes e três moças, agora adultos, preferiram ficar.
Ramzia está na casa dos 30. Ela reflete uma parte significante da cultura ocidental adquirida desde a escola. Ela tem preferência por vestir calças e jaquetas modernas, em lugar de vestidos. Mas o véu está sempre presente. Ela continuou os estudos, foi ao College e conseguiu um diploma de Técnica Farmacêutica.
Pouco tempo depois de se formar, Ramzia se casou com um rapaz paquistanês, nascido nos Emirados Árabes. O casal se conheceu em uma das visitas dela ao seu país de origem. Por dois anos eles se comunicaram pela internet, até que decidiram se casar. Ela, já cidadã canadense, solicitou ao governo a ''importação'' do marido.
O casal não se instalou imediatamente no Canada. O marido conseguiu um emprego nos Emirados Árabes e eles ficaram por lá uns cinco anos, onde o filho mais velho nasceu. O trabalho ficou escasso e o casal se fixou de vez em Toronto. O segundo filho chega.
Sem apreciar o seu trabalho no laboratório, ela se inscreve para um emprego no governo municipal. Fez estágio, provas, até que conseguiu. Trabalhando o dia inteiro, ela se desdobra para cuidar da casa, dos filhos e do marido, que, ainda escorado nas tradições do seu país, não quer mover um dedo para ajudar nas tarefas de casa. Ramzia ameaça sair de casa e levar embora os filhos.
O marido estudava na universidade e só conseguia trabalhos temporários. Enquanto estudava, ele fazia treinamentos extras, até que conseguiu um emprego no corpo de bombeiros, o que significa salário acima da média do país. Juntando os dois rendimentos, a família terá um bom padrão de vida. Talvez ele nem volte para concluir a universidade. Ramzia terá trabalho dobrado para convencer o marido a dividir o trabalho de casa.
*Os nomes são fictícios
Ramzia é muçulmana. O véu que recobre os seus cabelos pretos é feito de um tecido leve, quase transparente. Semelhante ao que as indianas usam. O Paquistão compartilha raízes culturais com a India. A sua pele é clara, ela vem de uma região do Norte do país. Ela poderia ser confundida com uma iraniana.
Depois de alguns anos no novo país, o pai, sem conseguir bom trabalho e sem se adaptar aos invernos canadense, decide voltar ao Paquistão. Só a esposa o acompanhou. Os filhos, dois rapazes e três moças, agora adultos, preferiram ficar.
Ramzia está na casa dos 30. Ela reflete uma parte significante da cultura ocidental adquirida desde a escola. Ela tem preferência por vestir calças e jaquetas modernas, em lugar de vestidos. Mas o véu está sempre presente. Ela continuou os estudos, foi ao College e conseguiu um diploma de Técnica Farmacêutica.
Pouco tempo depois de se formar, Ramzia se casou com um rapaz paquistanês, nascido nos Emirados Árabes. O casal se conheceu em uma das visitas dela ao seu país de origem. Por dois anos eles se comunicaram pela internet, até que decidiram se casar. Ela, já cidadã canadense, solicitou ao governo a ''importação'' do marido.
O casal não se instalou imediatamente no Canada. O marido conseguiu um emprego nos Emirados Árabes e eles ficaram por lá uns cinco anos, onde o filho mais velho nasceu. O trabalho ficou escasso e o casal se fixou de vez em Toronto. O segundo filho chega.
Sem apreciar o seu trabalho no laboratório, ela se inscreve para um emprego no governo municipal. Fez estágio, provas, até que conseguiu. Trabalhando o dia inteiro, ela se desdobra para cuidar da casa, dos filhos e do marido, que, ainda escorado nas tradições do seu país, não quer mover um dedo para ajudar nas tarefas de casa. Ramzia ameaça sair de casa e levar embora os filhos.
O marido estudava na universidade e só conseguia trabalhos temporários. Enquanto estudava, ele fazia treinamentos extras, até que conseguiu um emprego no corpo de bombeiros, o que significa salário acima da média do país. Juntando os dois rendimentos, a família terá um bom padrão de vida. Talvez ele nem volte para concluir a universidade. Ramzia terá trabalho dobrado para convencer o marido a dividir o trabalho de casa.
*Os nomes são fictícios
12.12.15
MultCult#4
MultCult#4 As casas móveis da rua Sherbourne. A expansão imobiliária em Toronto tem sido responsável por prédios gigantescos, alguns com mais de 50 andares. Os poucos espaços disponíveis no centro da cidade para construção são muito valiosos e as construtoras fazem de tudo para aproveitá-los. Vale de tudo para achar um novo local. Compensa até gastar dinheiro e mudar enormes casas históricas de lugar, de quebra preservando o patrimônio histórico, e ainda usar todo o processo como atrativo adicional.
A rua Sherbourne tem de tudo. Desde a parte rica das casas de Rosedale, passando pela populosa comunidade de Saint James Town - que tem representante de praticamente todas as nações do globo-, passando pelos os abrigos dos pobres e problemáticos do Moss Park, chegando até a beira do lago.
Um hotel que funcionava, até bem pouco tempo, em uma mansão vitoriana perto da estação de metrô, foi removido e um novo arranha-céu será erigido. É o segundo imóvel histórico que passa por procedimento igual no mesmo quarteirão. O hotel foi hospedagem do escritor Ernest Hemingway em sua estadia de alguns anos em Toronto, enquanto escrevia para o jornal Toronto Star.
O processo de transporte da casa foi bem interessante. Fui acompanhando as etapas, pois o local fica no caminho de casa até a estação de metrô e também da ciclovia. Primeiro, as fundações foram escavadas e gigantescas vigas de metal foram colocadas na base da casa. Depois, grandes toras de madeira foram colocadas por baixo para fazer a sustenção. Uma espécie de base de concreto foi criada mais à frente e finalmente a casa foi arrastada, com a ajuda de caminhões possantes, até a nova base, que será a sua "morada" definitiva.
Gostaria de ter visto a casa ser transportada. Depois de fotografar algumas etapas, eis que passo um dia e já a vejo no novo local. Assim, rapidamente, da noite para o dia, sem aviso prévio nem carta de despedida. Ela agora será o salão de festas, sala de recreação ou qualquer outro ambiente comunitário no prédio de 50 andares que irá surgir atrás dela. Nada muito especial ou diferente do que já existe na cidade, mas, pelo menos, a casa vitoriana do século XIX será preservada e o local em que Hemingway morou em Toronto nos anos 1920 não será esquecido.
A rua Sherbourne tem de tudo. Desde a parte rica das casas de Rosedale, passando pela populosa comunidade de Saint James Town - que tem representante de praticamente todas as nações do globo-, passando pelos os abrigos dos pobres e problemáticos do Moss Park, chegando até a beira do lago.
Um hotel que funcionava, até bem pouco tempo, em uma mansão vitoriana perto da estação de metrô, foi removido e um novo arranha-céu será erigido. É o segundo imóvel histórico que passa por procedimento igual no mesmo quarteirão. O hotel foi hospedagem do escritor Ernest Hemingway em sua estadia de alguns anos em Toronto, enquanto escrevia para o jornal Toronto Star.
O processo de transporte da casa foi bem interessante. Fui acompanhando as etapas, pois o local fica no caminho de casa até a estação de metrô e também da ciclovia. Primeiro, as fundações foram escavadas e gigantescas vigas de metal foram colocadas na base da casa. Depois, grandes toras de madeira foram colocadas por baixo para fazer a sustenção. Uma espécie de base de concreto foi criada mais à frente e finalmente a casa foi arrastada, com a ajuda de caminhões possantes, até a nova base, que será a sua "morada" definitiva.
Gostaria de ter visto a casa ser transportada. Depois de fotografar algumas etapas, eis que passo um dia e já a vejo no novo local. Assim, rapidamente, da noite para o dia, sem aviso prévio nem carta de despedida. Ela agora será o salão de festas, sala de recreação ou qualquer outro ambiente comunitário no prédio de 50 andares que irá surgir atrás dela. Nada muito especial ou diferente do que já existe na cidade, mas, pelo menos, a casa vitoriana do século XIX será preservada e o local em que Hemingway morou em Toronto nos anos 1920 não será esquecido.
A casa agora bem perto da calçada |
5.12.15
MultCult#3
MultCult#3 O despertador toca alto, não deixa dúvida que a hora chegou, não importa se ainda tudo está escuro, mesmo se a contagem já passa do 7. Os olhos ardem e pesam, há um quase-desespero rondando. Um café bem escuro ajuda a clarear o dia. Hora de luvas, cachecol, touca. Capacete, bicicleta pronta.
A primeira pedalada é dolorosa. A perna está endurecida sob o termometro a 3 graus. Tudo que protege é apenas uma jaqueta pouco espessa, só reforçada contra o vento. Nada de proteção extra nas pernas, além da calça nossa de todo dia. Depois de cinco minutos o corpo começa a acostumar, o frio vai embora e o calor começa a chegar, sem longo intervalo. Momento de abrir uma fresta no casaco.
O viaduto se aproxima. Do verde exuberante do vale não resta mais nada, tudo foi destruído pela temperatura inclemente e pelos ventos do outono. Só um céu cinza persiste, com um resto de esperança de alguns feixes de luz solar. O vento sopra forte, os prédios historicos se aproximam, transportando a atmosfera para um lugar imaginário, impossível de ser localizado. Poderia ser em qualquer lugar onde culturas se unem.
Sao tijolos e construções baixas que hospedam restaurantes, cafés, bares, mercados, padarias, lojas, bancos. Tudo que faz uma cidade ser viva, alegre e atraente. O cenário vai se transformando, os arcos gregos e as igrejas dão forma a uma comunidade ativa, que sobrevive e floresce no frio, longe da história e do mar, mas que, nesse instante, ainda parece sonolenta pela hora cinzenta.
A viagem curta vai chegando ao fim, o frio cede lugar para o suor que vai surgindo por debaixo do agasalho. É tempo de procurar abrigo e começar o dia.
A primeira pedalada é dolorosa. A perna está endurecida sob o termometro a 3 graus. Tudo que protege é apenas uma jaqueta pouco espessa, só reforçada contra o vento. Nada de proteção extra nas pernas, além da calça nossa de todo dia. Depois de cinco minutos o corpo começa a acostumar, o frio vai embora e o calor começa a chegar, sem longo intervalo. Momento de abrir uma fresta no casaco.
O viaduto se aproxima. Do verde exuberante do vale não resta mais nada, tudo foi destruído pela temperatura inclemente e pelos ventos do outono. Só um céu cinza persiste, com um resto de esperança de alguns feixes de luz solar. O vento sopra forte, os prédios historicos se aproximam, transportando a atmosfera para um lugar imaginário, impossível de ser localizado. Poderia ser em qualquer lugar onde culturas se unem.
Sao tijolos e construções baixas que hospedam restaurantes, cafés, bares, mercados, padarias, lojas, bancos. Tudo que faz uma cidade ser viva, alegre e atraente. O cenário vai se transformando, os arcos gregos e as igrejas dão forma a uma comunidade ativa, que sobrevive e floresce no frio, longe da história e do mar, mas que, nesse instante, ainda parece sonolenta pela hora cinzenta.
A viagem curta vai chegando ao fim, o frio cede lugar para o suor que vai surgindo por debaixo do agasalho. É tempo de procurar abrigo e começar o dia.
28.11.15
MultCult#2
MultCult#2 A herança portuguesa pelo mundo não é notada somente por azulejos, pastéis de natas e outras belezas e delícias. Sobrenomes portugueses estão espalhados por todos os continentes, não só entre os recém-chegados aos países, os novos imigrantes. Datam de séculos de colonização em locais inimagináveis. Lembrei disso nos últimos dias, ao finalmente ser transferido para um escritório mais perto de casa.
Antes de chegar no novo local de trabalho, verifico que, na lista dos novos colegas, há um J. da Rocha. Suponho que será português, de primeira ou segunda geração no Canadá. A particula "da" é portuguesa, não tem escape. Em espanhol seria "de la", assim como no francês. Ao ser apresentado ao novo colega, vejo que ele tem feições orientais. Pergunto a origem do sobrenome. Ele me revela que a família veio de Macau, na China, antiga possessão portuguesa pelos lados de lá do mundo.
Em outra ocasião, eu chegava no clube-academia e vi que alguém tinha esquecido um documento na parte de cima do armário do vestiário. O sobrenome era Pereira. Não havia foto. Fui na recepção entregar a carteira e, por coincidência, o senhor Pereira chegou quase em seguida procurando pelo documento. Era um rapaz indiano, de pele bem escura. Não perguntei, mas supus que se realmente era indiano, deveria ter vindo de Goa, região também colonizada por portugueses.
Um caso curioso é o de um conhecido meu, nascido do Canadá, que tem o sobrenome Gomes. A familia dele veio da Guiana, na América do Sul. Ora, se a Guiana foi colonizada por ingleses, a família dele deve ter o nome de algum português - ou brasileiro - que resolveu mudar de país. Há algum tempo ele achou um site (http://forebears.io) que faz um mapeamento dos nomes de família. E ficou impressionado com o número de Gomes que existem pelo mundo. Só no Brasil são 1,7 milhões. Detalhe: segundo o site existem mais Gomes em Bangladesh do que em Portugal.
Antes de chegar no novo local de trabalho, verifico que, na lista dos novos colegas, há um J. da Rocha. Suponho que será português, de primeira ou segunda geração no Canadá. A particula "da" é portuguesa, não tem escape. Em espanhol seria "de la", assim como no francês. Ao ser apresentado ao novo colega, vejo que ele tem feições orientais. Pergunto a origem do sobrenome. Ele me revela que a família veio de Macau, na China, antiga possessão portuguesa pelos lados de lá do mundo.
Em outra ocasião, eu chegava no clube-academia e vi que alguém tinha esquecido um documento na parte de cima do armário do vestiário. O sobrenome era Pereira. Não havia foto. Fui na recepção entregar a carteira e, por coincidência, o senhor Pereira chegou quase em seguida procurando pelo documento. Era um rapaz indiano, de pele bem escura. Não perguntei, mas supus que se realmente era indiano, deveria ter vindo de Goa, região também colonizada por portugueses.
Um caso curioso é o de um conhecido meu, nascido do Canadá, que tem o sobrenome Gomes. A familia dele veio da Guiana, na América do Sul. Ora, se a Guiana foi colonizada por ingleses, a família dele deve ter o nome de algum português - ou brasileiro - que resolveu mudar de país. Há algum tempo ele achou um site (http://forebears.io) que faz um mapeamento dos nomes de família. E ficou impressionado com o número de Gomes que existem pelo mundo. Só no Brasil são 1,7 milhões. Detalhe: segundo o site existem mais Gomes em Bangladesh do que em Portugal.
21.11.15
MultiCult#1
MultCult#1 Chego na ótica para fazer exame de atualização dos óculos de leitura. Sim, eles são inevitáveis em algum ponto da vida. Os optometristas, que possuem traços orientais, são possivelmente os donos do local. O atendimento é feito em um inglês carregado de sotaque áspero, mas gentil ao mesmo tempo. No Canadá os exames de visão para compra de óculos não são feitos por médicos oftalmologistas, e sim por técnicos especializados, que vão ao College para conseguir a qualificação para prestar o serviço.
O consultório fica na própria loja, em uma parte reservada. Sou atendido por uma optometrista magra e bem bonita, de cabelo bem longo. Ela parece ser iraniana, mas, pensando melhor, mais provável que seja indiana de pele mais clara. O seu sotaque é bem norte-americano, deve ter nascido aqui.
Ao sair do consultório, me deparo com a loja cheia. Uma mulher filipina com suas três crianças. Um senhor negro idoso e desajeitado, provavelmente jamaicano. Um outro casal de meia-idade, pele escura, de aparência tranquila, diria que do Leste da Africa, da Somália ou Etiópia. Um outro rapaz chinês.
Os optometristas chineses correm para atender todo mundo, organizar os exames, preencher os papéis e conseguir as autorizações do sistema de saúde. Fazendo esforço para compreeender os clientes e falar de maneira inteligível. Estão lá gerenciando o negócio, criando emprego, ajudando gente a enxergar melhor, pagando impostos e dando exemplo para o mundo de como a imigração desenvolve um país.
O consultório fica na própria loja, em uma parte reservada. Sou atendido por uma optometrista magra e bem bonita, de cabelo bem longo. Ela parece ser iraniana, mas, pensando melhor, mais provável que seja indiana de pele mais clara. O seu sotaque é bem norte-americano, deve ter nascido aqui.
Ao sair do consultório, me deparo com a loja cheia. Uma mulher filipina com suas três crianças. Um senhor negro idoso e desajeitado, provavelmente jamaicano. Um outro casal de meia-idade, pele escura, de aparência tranquila, diria que do Leste da Africa, da Somália ou Etiópia. Um outro rapaz chinês.
Os optometristas chineses correm para atender todo mundo, organizar os exames, preencher os papéis e conseguir as autorizações do sistema de saúde. Fazendo esforço para compreeender os clientes e falar de maneira inteligível. Estão lá gerenciando o negócio, criando emprego, ajudando gente a enxergar melhor, pagando impostos e dando exemplo para o mundo de como a imigração desenvolve um país.
19.12.14
Um olhar
Eu olho pela grande janela de vidro e vejo o resto da neve que ainda nao derreteu. Vejo os cartazes em ingles. Vejo a pessoa a minha frente que fala essa lingua estranha. Olho para o meu corpo e vejo um grosso, mas leve, casaco. Sintetico, recheado de penas de ganso. Como uma segunda pele, uma penugem resistente ao frio. Penso em todos os esforcos que fiz, em todos os passos que segui. Em cada cent que economizei e que gastei para realizar os meus sonhos. Venho construindo a minha historia em pequenos passos, mas que so parecem grandes para outros olhos. Ainda nao esta terminada, eu me orgulho dela.
3.3.14
Big Apple
Finalmente, depois de mais de 5 anos de Canada, a primeira viagem aos Estados Unidos. Nova York.
Um problema na minha conta bancária brasileira me fez tomar o ímpeto de viajar. Também ajudou o período de folga antes do novo trabalho.
Viagem de ônibus, sempre interessante e sempre cansativa. A paisagem fria e cinzenta do inverno norte-americano nao diminuiu a vontade e a beleza da viagem.
A travessia da fronteira logo antes da cidade de Buffalo. Todo mundo desce do ônibus, recolhe a sua bagagem, entra na fila e vai falar com o oficial de imigraçao.
Levei documentos e extratos suficientes para comprovar fundos. Para mostrar que nao quero, nem tenho motivos para morar naquela belezura de país.
Desta vez entendi o que ocorreu na minha viagem Inglaterra-França. Naquela vez, eu nao tinha entendido bem as instruçoes e nao levei a mochila comigo. Levei uma chamada do motorista e um conselho de uma passageira para me certificar que a bagagem esquecida tinha sido novamente embarcada no ônibus. Felizmente fora.
Pela janela do busu pude ver que Buffalo e outra cidade no caminho possuem alguns belos prédios históricos. Apesar de menores, essas cidades parecem mais interessantes do que New Jersey, que é maior e vizinha de Nova York.
A chegada na ilha de Manhattan foi emocionante. O amontoado de arranha-céus é emoldurado pelas águas do rio Hudson, criando um belo cartao-postal. O ônibus entao pega um túnel por debaixo do rio e vai para o terminal no centro da cidade, perto da Broadway.
Fui caminhando até o Banco do Brasil, que ficava perto. Acostumado com a relativa calma de Toronto, inicialmente achei a cidade muito apressada, com pouco espaço livre para caminhar nas calçadas.
Muitos turistas aproveitavam dias de incomum temperatura amena do inverno. Depois do banco, peguei o metrô e fui para a casa da minha amiga T. que me esperava.
Depois de algumas cervejas e muito bate-papo, saímos à noite. Primeiro para jantar. Comi o melhor burrito até hoje, feito de frango com mole poblano, o delicioso molho mexicano à base de chocolate. Depois pegamos o metrô e fomos dar uma volta no Greenwich Village.
Fiquei impressionado com a quantidade de gente e a animaçao nas ruas. Em pleno inverno. A arquitetura dos prédios baixos, revestidos de tijolos e a alegria das pessoas me fizeram lembrar a alta estaçao de Montréal. Aliás Nova York pode ter vários defeitos, a pressa e a sujeira em vários locais, mas tem a vibraçao de uma grande cidade.
Tive a sorte de ir em final de semana de clima agradável. Pude andar bastante pela cidade. Se nao havia o verde, os prédios podiam ser vistos em todos os detalhes.
Um problema na minha conta bancária brasileira me fez tomar o ímpeto de viajar. Também ajudou o período de folga antes do novo trabalho.
Viagem de ônibus, sempre interessante e sempre cansativa. A paisagem fria e cinzenta do inverno norte-americano nao diminuiu a vontade e a beleza da viagem.
A travessia da fronteira logo antes da cidade de Buffalo. Todo mundo desce do ônibus, recolhe a sua bagagem, entra na fila e vai falar com o oficial de imigraçao.
Levei documentos e extratos suficientes para comprovar fundos. Para mostrar que nao quero, nem tenho motivos para morar naquela belezura de país.
Desta vez entendi o que ocorreu na minha viagem Inglaterra-França. Naquela vez, eu nao tinha entendido bem as instruçoes e nao levei a mochila comigo. Levei uma chamada do motorista e um conselho de uma passageira para me certificar que a bagagem esquecida tinha sido novamente embarcada no ônibus. Felizmente fora.
Pela janela do busu pude ver que Buffalo e outra cidade no caminho possuem alguns belos prédios históricos. Apesar de menores, essas cidades parecem mais interessantes do que New Jersey, que é maior e vizinha de Nova York.
A chegada na ilha de Manhattan foi emocionante. O amontoado de arranha-céus é emoldurado pelas águas do rio Hudson, criando um belo cartao-postal. O ônibus entao pega um túnel por debaixo do rio e vai para o terminal no centro da cidade, perto da Broadway.
Fui caminhando até o Banco do Brasil, que ficava perto. Acostumado com a relativa calma de Toronto, inicialmente achei a cidade muito apressada, com pouco espaço livre para caminhar nas calçadas.
Muitos turistas aproveitavam dias de incomum temperatura amena do inverno. Depois do banco, peguei o metrô e fui para a casa da minha amiga T. que me esperava.
Depois de algumas cervejas e muito bate-papo, saímos à noite. Primeiro para jantar. Comi o melhor burrito até hoje, feito de frango com mole poblano, o delicioso molho mexicano à base de chocolate. Depois pegamos o metrô e fomos dar uma volta no Greenwich Village.
Fiquei impressionado com a quantidade de gente e a animaçao nas ruas. Em pleno inverno. A arquitetura dos prédios baixos, revestidos de tijolos e a alegria das pessoas me fizeram lembrar a alta estaçao de Montréal. Aliás Nova York pode ter vários defeitos, a pressa e a sujeira em vários locais, mas tem a vibraçao de uma grande cidade.
Tive a sorte de ir em final de semana de clima agradável. Pude andar bastante pela cidade. Se nao havia o verde, os prédios podiam ser vistos em todos os detalhes.
14.1.14
Café brasileiro
Do meu Facebook:
"Depois de alguns dias tenebrosos de chuva congelante, muita neve, temperaturas abaixo de -20 graus, o inverno deu uma trégua. Fazer um trajeto de 40 minutos de passeio de bicicleta pela cidade para chegar no Meetup de Português, com a neve quase toda derretida, temperatura suave de uns 4 (!) graus, tomar um bom café, comer um alfajor e encontrar um grupo amigável e caloroso, é prazer que não tem preço."
Eu comecei a frequentar o Meetup de Português há mais de um ano, mas passei um grande intervalo sem dar as caras. Agora estou retornando e procurando manter a frequência.
O encontro do último domingo foi no El Almacén, um café argentino na Queen West. O trajeto de bicicleta demorou quase uns quarenta minutos. Eu sempre acho que vai ser mais curto e no meio do caminho quase me arrependo, mas passa rápido. O prazer de sentir o vento no rosto e ver as pessoas passeando nas ruas, como se fosse um dia de outono, é muito legal.
A temperatura estava em torno dos 4 graus. A neve, quase toda derretida, restava somente um pouco de gelo escorregadio em alguns pontos das calçadas.
Cheguei no café, estacionei a bicicleta e ajeitei o cabelo depois de tirar a touca. Notei que estava suado quando tirei o casaco.
O café estava cheio. Umas quatro pessoas do grupo estavam na mesa próxima da grande janela que chega quase até o chão. É quase uma parede de vidro, no modelo de quase todos os estabelecimentos comerciais da cidade.
Mais gente do grupo foi chegando. Outros clientes saíram e conseguimos juntar mais uma ou duas pequenas mesas de café, formando um grande círculo, de umas 11 ou doze pessoas. Eu era o único brasileiro.
Quase todos eram latinos. Gente do México, Argentina, Peru, Venezuela, Honduras, Equador, República Dominicana. Havia apenas uma canadense que havia passado um tempo no Brasil.
Eu fiquei impressionado como o Brasil tem conquistado o apreço de outros países. As pessoas estão interessadas no português porque gostam do Brasil. Eu tinha lido há poucos dias que o Brasil é a única nação sul-americana e dos Brics entre os doze países mais desejados para moradia no mundo.
Mais tarde chegaram mais dois brasileiros e conversei bastante com um deles, que passara uma temporada de alguns meses na África, em Ghana. Ele foi dar aulas em uma escola canadense. Ao contrário do que eu esperava, ele não gostou nem do país nem da experiência. Reclamou do calor, do transporte do local. Nem com a comida ele se entusiasmou.
Já passava das seis da tarde e ainda tinha gente conversando na mesa. Arrumei todo o arsenal para enfrentar o frio e parti, para enfrentar mais uns quarenta minutos de pedal. A temperatura estava boa, não senti o mínimo frio.
"Depois de alguns dias tenebrosos de chuva congelante, muita neve, temperaturas abaixo de -20 graus, o inverno deu uma trégua. Fazer um trajeto de 40 minutos de passeio de bicicleta pela cidade para chegar no Meetup de Português, com a neve quase toda derretida, temperatura suave de uns 4 (!) graus, tomar um bom café, comer um alfajor e encontrar um grupo amigável e caloroso, é prazer que não tem preço."
Eu comecei a frequentar o Meetup de Português há mais de um ano, mas passei um grande intervalo sem dar as caras. Agora estou retornando e procurando manter a frequência.
O encontro do último domingo foi no El Almacén, um café argentino na Queen West. O trajeto de bicicleta demorou quase uns quarenta minutos. Eu sempre acho que vai ser mais curto e no meio do caminho quase me arrependo, mas passa rápido. O prazer de sentir o vento no rosto e ver as pessoas passeando nas ruas, como se fosse um dia de outono, é muito legal.
A temperatura estava em torno dos 4 graus. A neve, quase toda derretida, restava somente um pouco de gelo escorregadio em alguns pontos das calçadas.
Cheguei no café, estacionei a bicicleta e ajeitei o cabelo depois de tirar a touca. Notei que estava suado quando tirei o casaco.
O café estava cheio. Umas quatro pessoas do grupo estavam na mesa próxima da grande janela que chega quase até o chão. É quase uma parede de vidro, no modelo de quase todos os estabelecimentos comerciais da cidade.
Mais gente do grupo foi chegando. Outros clientes saíram e conseguimos juntar mais uma ou duas pequenas mesas de café, formando um grande círculo, de umas 11 ou doze pessoas. Eu era o único brasileiro.
Quase todos eram latinos. Gente do México, Argentina, Peru, Venezuela, Honduras, Equador, República Dominicana. Havia apenas uma canadense que havia passado um tempo no Brasil.
Eu fiquei impressionado como o Brasil tem conquistado o apreço de outros países. As pessoas estão interessadas no português porque gostam do Brasil. Eu tinha lido há poucos dias que o Brasil é a única nação sul-americana e dos Brics entre os doze países mais desejados para moradia no mundo.
Mais tarde chegaram mais dois brasileiros e conversei bastante com um deles, que passara uma temporada de alguns meses na África, em Ghana. Ele foi dar aulas em uma escola canadense. Ao contrário do que eu esperava, ele não gostou nem do país nem da experiência. Reclamou do calor, do transporte do local. Nem com a comida ele se entusiasmou.
Já passava das seis da tarde e ainda tinha gente conversando na mesa. Arrumei todo o arsenal para enfrentar o frio e parti, para enfrentar mais uns quarenta minutos de pedal. A temperatura estava boa, não senti o mínimo frio.
24.10.13
Agradecendo
Agradeço aos meus antepassados, aos índios, os alvos portugueses, negros, um tal alemao, um francês indecifrável. Agradeço a Deus, a Ogum-azul, cor de céus e mares claros e escuros. Agradeço a Oxalá com a brancura da paz e harmonia. Agradeço à minha família. Agradeço aos meus avós de todos os matizes. Seria difícil tentar lembrar de todo mundo, pois a lista seria longa. Aos amigos que estendem a mao e que tornam a vida mais fácil e alegre. Seria injusto se prosseguisse listando e logo esqueceria alguém. Paro por aqui.
Entre frios e calores, alegrias e as infalíveis dores, mais um ciclo se completa. Neste país de frios e calores extremos. Onde a organizaçao às vezes supera a alegria, no qual a luz faz tanta falta. Nestes rostos compridos e angelicais, bela mistura de índios e brancos, que vem ganhando tons mais escuros com mais gente que vem de longe.
Entre frios e calores, alegrias e as infalíveis dores, mais um ciclo se completa. Neste país de frios e calores extremos. Onde a organizaçao às vezes supera a alegria, no qual a luz faz tanta falta. Nestes rostos compridos e angelicais, bela mistura de índios e brancos, que vem ganhando tons mais escuros com mais gente que vem de longe.
Uma carta no tempo da internet
Querido amigo,
A internet nos trouxe o acesso instantâneo às pessoas que queremos bem. Aos amigos de tempo longo, aqueles que conhecemos desde bem jovens, mas que o tempo e as circunstâncias da vida fizeram afastar. Só por isso já gosto de cara da internet. Acho que hoje nos comunicamos mais do que quando morávamos no mesmo país, mas em cidades e estados diferentes, Bahia e São Paulo, distantes em milhares que quilômetros.
Então por que uma carta em papel? Eu lembro como era bom receber uma delas em casa. Lembro de como as guardava em pastas ou caixas, mantendo-as sem prazo de validade, relutando em jogar fora. Devo ainda ter cartas bem antigas escondidas. Ou talvez tenha me desfeito delas em uma das minhas frequentes mudanças de casa. Antigos amores, aventuras, amigos, viagens. Ficava tudo registrado ali.
A tecnologia ainda vai ter que resolver esse problema. Da falta que faz a emoção de receber uma carta. Ou talvez não resolva nunca. Talvez a alegria de receber pelo correio um envelope com papel manuscrito seja comparável hoje em dia a ler um longo e-mail cheio de novidades ou de ficar ansioso para acessar o Facebook e ver quem comentou ou gostou do nosso comentário. Talvez seja assim mesmo, teremos que aceitar. Uma alegria que talvez não seja tão intensa, mas que talvez seja diluída em pequenas porções diárias de comunicação.
Então, com o auxílio da santa tecnologia, nós já sabemos muito do que se passa um com o outro. Você sabe o que se passa por aqui neste país distante. Talvez eu seja exibido demais e goste de compartilhar em fotos e textos os fatos da minha vida. Ou, pelo menos, o que é publicável! Acho que, de certo modo, me sinto mantendo e fortalecendo vínculos com pessoas que gosto, amigos ou família. Isso é o que mais me motiva.
Sendo assim, você sabê mais ou menos como eu levo a vida. Trabalhando, estudando, cuidando da casa, , escrevendo, lendo, preparando minhas refeiçoes, praticando atividade física, rodando de bicicleta, parando na beira do lago, admirando águas e bosques, aproveitando a noite e o dia da cidade.
Moro no centro de Toronto, em um bairro que tem gente do mundo inteiro. O apartamento é bem confortável e amplo e o prédio é bem administrado. Na minha rua está sendo construída uma ciclovia nos padrões mais avançados do mundo: pista elevada, separada dos veículos. Ela ainda não está pronta, mas já estou aproveitando as partes disponíveis. E pretendo continuar usando-a bastante com minhas duas bicicletas. Uma é tipo montain bike, com pneus largos e amortecedores. É boa para os buracos. A outra tem pneus finos, corpo de alumínio e é bem mais leve. É boa para estradas e pistas de ciclismo. As distâncias são vencidas com menos esforço com ela.
Fico feliz de ver, pelas suas fotos e vídeos, os seus filhos crescendo, a sua dedicação e paixão por eles. Fico feliz por você ter uma pessoa tão legal como companheira. Fico feliz por você ser um profissional tão atuante e capaz. Fico feliz por estarmos todos com saúde. Fico feliz por estarmos sempre nos comunicando e trocando ideias, como se estivéssemos batendo papo e tomando uma cerveja virtual.
Também fico feliz por termos um grupo de amigos que se querem tão bem, há tanto tempo, e que mantém contato frequente. Acho muito interessante ver que cada um foi para um canto, uma cidade, um país, mas o vínculo não se perdeu.
Saímos todos da nossa cidade, a bela Ilhéus de praias e histórias, para ganhar o mundo, sentindo que ele nos pertencia. Estudamos, fizemos novos amigos na Universidade, trabalhamos. Mais adiante, já na casa dos quarenta, é um privilégio considerarmos ainda como amigos os nossos companheiros de adolescência. E fazermos esforço para estarmos juntos e, quando não é possivel, trocar muitas ideias por vias eletrônicas. É fantástico!
Tudo isso faz diminuir a minha sensação de isolamento em um país de língua estranha. Mas, de certo modo, eu também sou estranho e gosto de falar com estranhos em línguas estranhas. Gosto de aprender e apreciar palavras novas. Gosto de ir ao dicionário para ver o que ele tem a me ensinar.
Sinto muita falta de muita coisa do Brasil. Sinto falta principalmente da gente. Do povo alegre e amistoso, de conversa fácil. Mas também gosto de morar nesta terra organizada e recompensadora, em que as pessoas são menos falantes, são menos enfáticas, são menos cúmplices. Acho que compenso a necessidade de conversar participando de grupos de trocas linguísticas e de trabalho voluntário. E talvez escrevendo, levando o meu diálogo interior para fora e compartilhando com quem quer que o aceite. Jogando palavras soltas na brisa, esperando que talvez algum dia elas se reúnam.
Amigo, gostaria muito de te encontrar neste final de ano, de tomarmos uma boa cerveja ou vinho. Ando sentindo uma falta enorme da cerveja brasileira, geladíssima e suave. Quem sabe também poderia ser acompanhada de uma daquelas massas maravilhosas aí de São Paulo, a terra que te acolheu e para a qual você e sua querida esposa tanto já contribuíram para o desenvolvimento. Ou poderia ser ao redor de um divino acarajé, o bolinho dourado de deuses e baianos, ou de saborosa moqueca na nossa sublime Bahia.
Se isto não for possível, pelo menos por agora, é o jeito esperar. A alegria da sua família pela casa nova compensa qualquer sacrifício de viagem. Parabéns pela aquisição.
Vou encerrando esta carta, desejando que ela chegue bem até você e que o encontre melhor ainda na companhia dos seus queridos.
Do amigo Danilo.
A internet nos trouxe o acesso instantâneo às pessoas que queremos bem. Aos amigos de tempo longo, aqueles que conhecemos desde bem jovens, mas que o tempo e as circunstâncias da vida fizeram afastar. Só por isso já gosto de cara da internet. Acho que hoje nos comunicamos mais do que quando morávamos no mesmo país, mas em cidades e estados diferentes, Bahia e São Paulo, distantes em milhares que quilômetros.
Então por que uma carta em papel? Eu lembro como era bom receber uma delas em casa. Lembro de como as guardava em pastas ou caixas, mantendo-as sem prazo de validade, relutando em jogar fora. Devo ainda ter cartas bem antigas escondidas. Ou talvez tenha me desfeito delas em uma das minhas frequentes mudanças de casa. Antigos amores, aventuras, amigos, viagens. Ficava tudo registrado ali.
A tecnologia ainda vai ter que resolver esse problema. Da falta que faz a emoção de receber uma carta. Ou talvez não resolva nunca. Talvez a alegria de receber pelo correio um envelope com papel manuscrito seja comparável hoje em dia a ler um longo e-mail cheio de novidades ou de ficar ansioso para acessar o Facebook e ver quem comentou ou gostou do nosso comentário. Talvez seja assim mesmo, teremos que aceitar. Uma alegria que talvez não seja tão intensa, mas que talvez seja diluída em pequenas porções diárias de comunicação.
Então, com o auxílio da santa tecnologia, nós já sabemos muito do que se passa um com o outro. Você sabe o que se passa por aqui neste país distante. Talvez eu seja exibido demais e goste de compartilhar em fotos e textos os fatos da minha vida. Ou, pelo menos, o que é publicável! Acho que, de certo modo, me sinto mantendo e fortalecendo vínculos com pessoas que gosto, amigos ou família. Isso é o que mais me motiva.
Sendo assim, você sabê mais ou menos como eu levo a vida. Trabalhando, estudando, cuidando da casa, , escrevendo, lendo, preparando minhas refeiçoes, praticando atividade física, rodando de bicicleta, parando na beira do lago, admirando águas e bosques, aproveitando a noite e o dia da cidade.
Moro no centro de Toronto, em um bairro que tem gente do mundo inteiro. O apartamento é bem confortável e amplo e o prédio é bem administrado. Na minha rua está sendo construída uma ciclovia nos padrões mais avançados do mundo: pista elevada, separada dos veículos. Ela ainda não está pronta, mas já estou aproveitando as partes disponíveis. E pretendo continuar usando-a bastante com minhas duas bicicletas. Uma é tipo montain bike, com pneus largos e amortecedores. É boa para os buracos. A outra tem pneus finos, corpo de alumínio e é bem mais leve. É boa para estradas e pistas de ciclismo. As distâncias são vencidas com menos esforço com ela.
Fico feliz de ver, pelas suas fotos e vídeos, os seus filhos crescendo, a sua dedicação e paixão por eles. Fico feliz por você ter uma pessoa tão legal como companheira. Fico feliz por você ser um profissional tão atuante e capaz. Fico feliz por estarmos todos com saúde. Fico feliz por estarmos sempre nos comunicando e trocando ideias, como se estivéssemos batendo papo e tomando uma cerveja virtual.
Também fico feliz por termos um grupo de amigos que se querem tão bem, há tanto tempo, e que mantém contato frequente. Acho muito interessante ver que cada um foi para um canto, uma cidade, um país, mas o vínculo não se perdeu.
Saímos todos da nossa cidade, a bela Ilhéus de praias e histórias, para ganhar o mundo, sentindo que ele nos pertencia. Estudamos, fizemos novos amigos na Universidade, trabalhamos. Mais adiante, já na casa dos quarenta, é um privilégio considerarmos ainda como amigos os nossos companheiros de adolescência. E fazermos esforço para estarmos juntos e, quando não é possivel, trocar muitas ideias por vias eletrônicas. É fantástico!
Tudo isso faz diminuir a minha sensação de isolamento em um país de língua estranha. Mas, de certo modo, eu também sou estranho e gosto de falar com estranhos em línguas estranhas. Gosto de aprender e apreciar palavras novas. Gosto de ir ao dicionário para ver o que ele tem a me ensinar.
Sinto muita falta de muita coisa do Brasil. Sinto falta principalmente da gente. Do povo alegre e amistoso, de conversa fácil. Mas também gosto de morar nesta terra organizada e recompensadora, em que as pessoas são menos falantes, são menos enfáticas, são menos cúmplices. Acho que compenso a necessidade de conversar participando de grupos de trocas linguísticas e de trabalho voluntário. E talvez escrevendo, levando o meu diálogo interior para fora e compartilhando com quem quer que o aceite. Jogando palavras soltas na brisa, esperando que talvez algum dia elas se reúnam.
Amigo, gostaria muito de te encontrar neste final de ano, de tomarmos uma boa cerveja ou vinho. Ando sentindo uma falta enorme da cerveja brasileira, geladíssima e suave. Quem sabe também poderia ser acompanhada de uma daquelas massas maravilhosas aí de São Paulo, a terra que te acolheu e para a qual você e sua querida esposa tanto já contribuíram para o desenvolvimento. Ou poderia ser ao redor de um divino acarajé, o bolinho dourado de deuses e baianos, ou de saborosa moqueca na nossa sublime Bahia.
Se isto não for possível, pelo menos por agora, é o jeito esperar. A alegria da sua família pela casa nova compensa qualquer sacrifício de viagem. Parabéns pela aquisição.
Vou encerrando esta carta, desejando que ela chegue bem até você e que o encontre melhor ainda na companhia dos seus queridos.
Do amigo Danilo.
2.8.13
Explorando os arredores
Port Hope, Ontario, é uma cidade histórica que fica a uns 100 km de Toronto e também na beira do lago Ontario. O centro da cidade é celebrado como o cenário urbano do século 19 mais bem preservado da província de Ontario.
Saí de Toronto pouco depois do meio-dia. A larga estrada 401 que atravessa a província às vezes nao é suficiente para o tráfego que entra e sai da sua cidade mais populosa. Mas era domingo à tarde, o trânsito estava fácil. A viagem demorou menos de uma hora. A velocidade na estrada é bem superior à do Brasil. Consegue-se manter aos 120 km/h facilmente.
Port Hope tem a rua principal cheia de cafés, padarias, restaurantes, galerias e lojas, principamente de antiguidades. Postes-floreiras com lâmpadas mantinham suspensos vasos com flores abundantes. Na padaria francesa experimentei quiche de espinafre e queijo de cabra que estava bem gostoso. O café também, inesperadamente, apesar de mantido em garrafa térmica, estava bem bom.
Entre as lojas de antiguidades, fiquei surpreso ao me deparar com uma de artigos chineses. Antiguidades chinesas no Canadá. Explicaram-me como isso acontece. Alguém viaja para a China, garimpa móveis e artigos de decoraçao, embarca as mercadorias em um container e as vende por aqui. Além das quinquilharias industrializadas, a China ainda exporta as suas antiguidades.
Uma outra loja vendia uma porçao de coisas com cara antiga e que nao combinavam entre si, de trajes chineses a porcelana inglesa. Eram roupas, chapéus, talheres, pratos, objetos de decoraçao, pinturas, presentes. Old lady stuff. Coisas de velha senhora. Eu tentava imaginar se seriam objetos usados ou novos. Nao cheguei a uma conclusao. Mais uma vez me explicaram que a cara de bazar confuso era porque a loja, instalada em uma grande casa histórica, era uma espécie de cooperativa. Cada ambiente pertencia a um proprietário diferente, que vendia artigos diferentes. Era uma organizaçao diferente, digamos assim. Dava para perceber. O conjunto nao fazia sentido, nao havia uma identidade.
Quis dar um pulo na beira do lago e me surpreendi com uma praia bem bonita. A grande extensao de água e as ondas faziam parecer bastante com o mar. Casas antigas, próximas ao lago, revelavam a herança da época antes de o Canadá se tornar uma Confederaçao, ou seja, um país, em 1867. Havia uma bela casa de madeira, recentemente pintada em verde-claro, com muitas varandas e janelas, que datava de 1800.
O retorno para casa me fez lembrar os melhores momentos de engarrafamentos "de volta da praia" em qualquer grande cidade brasileira. Provavelmente muita gente voltando do final de semana na casa de campo. O trajeto demorou o dobro do tempo da ida.
Centro de Port Hope |
Port Hope tem a rua principal cheia de cafés, padarias, restaurantes, galerias e lojas, principamente de antiguidades. Postes-floreiras com lâmpadas mantinham suspensos vasos com flores abundantes. Na padaria francesa experimentei quiche de espinafre e queijo de cabra que estava bem gostoso. O café também, inesperadamente, apesar de mantido em garrafa térmica, estava bem bom.
Entre as lojas de antiguidades, fiquei surpreso ao me deparar com uma de artigos chineses. Antiguidades chinesas no Canadá. Explicaram-me como isso acontece. Alguém viaja para a China, garimpa móveis e artigos de decoraçao, embarca as mercadorias em um container e as vende por aqui. Além das quinquilharias industrializadas, a China ainda exporta as suas antiguidades.
Uma outra loja vendia uma porçao de coisas com cara antiga e que nao combinavam entre si, de trajes chineses a porcelana inglesa. Eram roupas, chapéus, talheres, pratos, objetos de decoraçao, pinturas, presentes. Old lady stuff. Coisas de velha senhora. Eu tentava imaginar se seriam objetos usados ou novos. Nao cheguei a uma conclusao. Mais uma vez me explicaram que a cara de bazar confuso era porque a loja, instalada em uma grande casa histórica, era uma espécie de cooperativa. Cada ambiente pertencia a um proprietário diferente, que vendia artigos diferentes. Era uma organizaçao diferente, digamos assim. Dava para perceber. O conjunto nao fazia sentido, nao havia uma identidade.
Lake Ontario |
Quis dar um pulo na beira do lago e me surpreendi com uma praia bem bonita. A grande extensao de água e as ondas faziam parecer bastante com o mar. Casas antigas, próximas ao lago, revelavam a herança da época antes de o Canadá se tornar uma Confederaçao, ou seja, um país, em 1867. Havia uma bela casa de madeira, recentemente pintada em verde-claro, com muitas varandas e janelas, que datava de 1800.
O retorno para casa me fez lembrar os melhores momentos de engarrafamentos "de volta da praia" em qualquer grande cidade brasileira. Provavelmente muita gente voltando do final de semana na casa de campo. O trajeto demorou o dobro do tempo da ida.
27.7.13
Pedras soltas
A culpa é das pedras portuguesas. Pedestres do Rio, Salvador e várias outras cidades do Brasil sofrem com essas malditas pedras. Que as calçadas ficam belas, isso é inegável. Os tons formam desenhos que celebrizaram Copacabana, por exemplo.
Tudo bem, mantenham-nas em locais de pouca circulaçao. Em partes de praças, por exemplo. Onde as pessoas possam olhá-las sem precisar andar sobre elas. As pedras portuguesas são um verdadeiro atentado à segurança dos pedestres, dos idosos, dos deficientes físicos. Dos carrinhos de bebê. Até do salto alto!
O calçamento feito com essas pedras exige constante reparação. E dinheiro público. Existem espaços entre elas que vão aumentando, pois elas vão folgando, saindo do lugar em que foram encaixadas. Uma hora uma delas se solta, as demais se afrouxam e o buraco vai aumentando.
Em Salvador chega-se ao cúmulo de colocá-las nas calçadas de prédios luxuosos, por onde passam os carros em direção à garagem. Quase sempre essa parte fica imperfeita, o peso do carro ajuda a bagunçar tudo. Quem sofre é o pedestre.
Bonitas, mas pouco práticas |
Fora pedras portuguesas! Pedras portuguesas não me representam. Bom tópico para as próximas manifestações. Haha.
Royal baby
Que o
nascimento do bebê real britânico provocou a cobertura gigantesca da
mídia internacional todo mundo está sabendo. Porém, o que era pra ser
uma notícia rápida acaba se tornando uma repetição sem graça, mesmo com
as várias "gracinhas" dos súditos canadenses para celebrar o fato: luzes
azuis (sim, é um garoto) na Torre CN de Toronto, nas Cataratas de
Niágara e onde mais se puder iluminar.
Mas mórbido foi o comentário de uma Tv canadense sobre a possibilidade de coroamento do bebê. Ele nem tem nome mas os meios de comunicação ficam especulando quando ele poderia chegar ao poder. A estimativa foi para em torno de 2060, prevendo que a rainha caia dura em 2019, daqui a seis anos! Charles em mais uns 30 anos e William em uns 50, aproximadamente. O canal colocou no ar uma tabela com data de morte de cada um deles, observando que tinha sido apenas um "cálculo matemático". Se essa estimativa era para ser uma homenagem, melhor que a realeza não veja.
Mas mórbido foi o comentário de uma Tv canadense sobre a possibilidade de coroamento do bebê. Ele nem tem nome mas os meios de comunicação ficam especulando quando ele poderia chegar ao poder. A estimativa foi para em torno de 2060, prevendo que a rainha caia dura em 2019, daqui a seis anos! Charles em mais uns 30 anos e William em uns 50, aproximadamente. O canal colocou no ar uma tabela com data de morte de cada um deles, observando que tinha sido apenas um "cálculo matemático". Se essa estimativa era para ser uma homenagem, melhor que a realeza não veja.
17.1.13
Mudança de clima
Uma onda de frio invade o inverno de Toronto e as sensação térmica desce abaixo de -10C. Mesmo assim, resolvo arriscar e me aventurar a pedalar pela cidade. Sempre tem alguém fazendo isso. O transporte de bicicleta ainda é mais confortável que a lotação do metrô quando está muito frio. Coloquei várias camadas de agasalho e parti rua afora.
É impressionante que, mesmo com todo o frio, depois de alguns minutos de pedalada o suor vem chegando por baixo de tanta proteção: casaco com isolamento térmico, pulôver, camisa e camiseta, mais luvas, touca, proteção para o pescoço e abrigo atlético por baixo da calça.
Cheguei até a academia, fiz a minha sessão e na saída havia uma surpresa: um tapete branco cobrindo o centro da cidade. A neve caía leve em flocos.
E pensar que há uma semana eu estava sob um sol baiano de 32 graus.
É impressionante que, mesmo com todo o frio, depois de alguns minutos de pedalada o suor vem chegando por baixo de tanta proteção: casaco com isolamento térmico, pulôver, camisa e camiseta, mais luvas, touca, proteção para o pescoço e abrigo atlético por baixo da calça.
Cheguei até a academia, fiz a minha sessão e na saída havia uma surpresa: um tapete branco cobrindo o centro da cidade. A neve caía leve em flocos.
E pensar que há uma semana eu estava sob um sol baiano de 32 graus.
13.12.12
Sem sofá nem tamborete
Em torno de um
ano e meio antes da Copa do Mundo, o aeroporto de São Paulo não me mostrou ampliação
ou melhoria importante, desde a última vez em que estive lá, no ano passado. Na época, vi
tapumes e isolamentos de obras. Neste ano, eles não estavam mais lá, me levando
a crer, inocentemente, que os trabalhos foram concluídos.
Há poucos dias, o que vi de mais marcante foram pessoas sentadas em volta de algumas colunas do saguão, buscando avidamente por recarga elétrica para seus laptops, iPhones, iPads. Pessoas plugadas nas tomadas que talvez originalmente tenham sido criados para os serviços de limpeza. Pesssoas sentadas no chão, esparramadas em torno de colunas do aeroporto, sem direito a qualquer tipo de assento.
Há poucos dias, o que vi de mais marcante foram pessoas sentadas em volta de algumas colunas do saguão, buscando avidamente por recarga elétrica para seus laptops, iPhones, iPads. Pessoas plugadas nas tomadas que talvez originalmente tenham sido criados para os serviços de limpeza. Pesssoas sentadas no chão, esparramadas em torno de colunas do aeroporto, sem direito a qualquer tipo de assento.
O mundo se moderniza, as pessoas se atualizam,
mas as estruturas demoram a mudar. Ou dependem da licitação. Ou estão presas na burocracia. Ou estão
emperrados na disputa entre as empreiteiras. O Brasil é assim. Mas o brasileiro
é adaptável, diria-se quase um gênio para achar uma solução para todos os
entraves.
Hoje uma garota
aqui em Salvador me deu uma prova disso.
Eu estava em um café quando ela chegou. Ela tinha o cabelo quase totalmente
raspado e descolorido. O que restava de fios longos eram dois dread locks compridos,
louros e finos. Dois daqueles cachos de
cabelos grudados, que os rastafáris e seus fãs usam, pendentes do lado direito
do crânio. Junto com os piercings no nariz e nos lábios e a mochila cheia de
manchas de tintas, não tive dúvida, tasquei o rótulo : estudante ou
profissional de artes plásticas.
A garota-artista-punk
levara o seu notebook para o café com certeza para aproveitar do sinal gratuito
de internet. Eu estava sentado perto de onde ela chegou e se sentou. Estava do
mesmo lado, o que me dava vista privilegiada do que ela fazia, sem muito
esforço. Quando ela abriu o laptop, eu vi que o papel de parede era a foto de uma
pintura bem sugestiva, que possivelmente revelava ainda mais das suas inclinações
profissionais e sexuais. Mas que não
cabe aqui relatar do que se tratava a imagem.
Percebendo que a única
e disputada tomada elétrica estava ocupada, ela não se incomodou. Conversou com
a pessoa que estava usando e, com um sorriso, tirou da mochila a solução de
todos os problemas : um tê, um benjamim, ou como quer que se chame aquela
peça que transforma uma tomada elétrica em duas, três, quatro ou mais. A peça da garota transformava a saída elétrica
em três. Ela conectou o tê na parede,
colocou de volta o fio que estava antes conectado, enfiou o dela e alegremente
ligou o seu laptop, resolvendo o impasse.
O aeroporto de
São Paulo, a porta de entrada mais importante do país, bem que poderia achar uma solução parecida, já
que a reforma definitiva parece que vai deeeeemooooorar de chegar. Seria distribuir peças
como aquela da garota em torno das colunas do aeroporto. Uma solução rápida e
barata para o congestionamento na Copa do Mundo!
Imagine só o amontoado de
gente em torno das colunas, sem direito a sofá ou tamborete. Seria perfeito
para mostrar aos turistas estrangeiros como os brasileiros não têm receio de se
aproximar uns dos outros. Ou
talvez servisse como uma instalação artística, uma obra de arte meio
experimental, coisa de sair bem na foto, todos juntos e conectados, sabe?
12.12.12
De volta à cidade
O chegada de avião em Salvador, vindo pelo sul, em dia de céu claro, é fantástica. A aeronave vira ligeiramente e entra na cidade pelo mar, sobrevoando o Farol da Barra. Os prédios parecem feitos de papel, em modelos de maquete. Está tudo ali, nada foi retirado. O estádio da Fonte Nova está novamente de pé, quase pronto para a Copa. Do alto dá para ver que, em pleno miolo da cidade, no caminho até o aeroporto, ainda existem regiões de área verde e exuberante, resquícios da Mata Atlântica em plena cidade, seja nos parques ou em áreas ainda não construídas.
É quase um susto sair da fria Toronto, cinzenta e silenciosa de outono e chegar na ensolarada, brilhante, caótica e barulhenta Salvador. Onde estão os sinais e as faixas de pedestres? Existem compensações: acarajé e abará com vatapá e camarão, cerveja Skol bebida na rua, gente que começa a conversar sem motivo ou objetivo, requeijão cremoso, pão francês, mamão papaia, queijo coalho, queijo Minas, pão de queijo, café espresso e outras delícias que a gente dá por certas, mas que somem nas mudanças da vida.
É quase um susto sair da fria Toronto, cinzenta e silenciosa de outono e chegar na ensolarada, brilhante, caótica e barulhenta Salvador. Onde estão os sinais e as faixas de pedestres? Existem compensações: acarajé e abará com vatapá e camarão, cerveja Skol bebida na rua, gente que começa a conversar sem motivo ou objetivo, requeijão cremoso, pão francês, mamão papaia, queijo coalho, queijo Minas, pão de queijo, café espresso e outras delícias que a gente dá por certas, mas que somem nas mudanças da vida.
10.12.12
Viajando
Habituado
à calmaria do outono canadense, trago o e-reader para tentar
ler algumas linhas e passar o tempo. Esperando o vôo para São Paulo,
brasileiros desconhecidos, voltando ou indo a passeio para a terra
natal, batem papo contando a vida. A leitura foi para o beleléu. As
histórias reais são mais interessantes. — at Toronto Pearson International Airport.
9.12.12
Toronto rocks!
Toronto tem umas coisas fantásticas. Você vai para a festa de um amigo brasileiro e lá você conhece gente da Itália, da França e de outras províncias do Canadá. Aí se começa a falar em francês e discutir a literatura francesa moderna, gente como: Virginie Despentes, Michel Houellebecq, Marc Lévy, Guillaume Musso, Tatiana de Rosnay. Você fica sabendo que houve suspeita de apologia à pedofilia em um dos livros que foi lido, que o verlan (ex: femme=meuf, arabe=beur), que alguns autores utilizam, não é usado na linguagem familiar, mas nas ruas. Você fica contente em exprimir sua opinião, uma descoberta pessoal, do motivo pelo qual um autor como Paulo Coelho é tão querido na França: os franceses a-do-ram temas espiritualistas, que este tema está presente na maior parte dos best-sellers franceses. Que muitos habitantes da França nunca ouviram falar do francês Alain Kardec, que criou as bases do espiritismo, uma crença (filosofia, religião, não sei dizer) tão popular no Brasil, que atrai tantos adeptos. Que toda hora hora chegam europeus e latino-americanos na cidade, dispostos a aprender inglês, a mudar de país, a se aventurar em um novo continente. Isso em uma vista genial da cidade, a quase quarenta andares de altura, intermediada apenas por paredes de vidro, como se fizessem os convidados flutuarem sobre prédios, pistas de alta velocidade e a calmaria e o poder do grande lago. Toronto é realmente uma cidade muito interessante de se viver.
2.12.12
Falando português
O dia começou cinzento e com o termômetro apontando para cima de zero. A neve da véspera, no último dia de novembro, que chegara como uma prévia do inverno, já tinha sido derretida pelos cristais de sal espalhados nas ruas pelos caminhões da Prefeitura. Ainda restavam pequenas pedras de sal que estalavam sob os pneus da bicicleta.
Consegui vencer o receio de pedalar no tempo frio e tomo como limite a sensação térmica de -5 graus para enfrentar as ruas durante outono e inverno. Olhei no site de previsão do tempo e gostei do que vi. Temperaturas em torno de 5 graus e nenhuma precipitação. Neve caindo incomoda menos do que o terror do corpo úmido e resfriado pela chuva em baixas temperaturas.
Peguei a bicicleta e parti rumo à região portuguesa. Objetivo: Meetup de Português. Encontro para praticar português, conversar, socializar, tomar café e apreciar acepipes da cozinha lusitana e brasileira.
Cheguei antes do horário e me acomodei com calma em uma das mesas da aconchegante padaria portuguesa que mais parece uma casa de chá ou de café. Pedi água e um caffè lungo, que lá é chamado de café americano, tirado na hora, na máquina, forte e encorpado. Pedi um pouco de leite que, em vez das costumeiros mini copos lacrados de plástico, me foi servido em uma minúscula leiteira de aço inox, que me chamou atenção e me fez sentir a diferença e o charme de estar em um ambiente de cultura europeia.
É um tipo de serviço inimaginável nas grandes e práticas redes de café norte-americanas, nas quais o leite, o creme e o açúcar ficam disponíveis em um balcão e quem quiser que se sirva.
Peguei o café e mais água para me recuperar dos cinco quilômetros de percurso, vencidos com a proteção de touca de lã, luvas, casaco, calça e long john esportivo. Esqueci o capacete em casa.
Duas da tarde e ninguém à vista. Pouco depois vi que uma senhora loura chegou e se sentou em uma mesa próxima e ficou folheando uma revista, enquanto eu também olhava um jornal português editado em Toronto. Em formato tablóide, o jornal era colorido e cheio de fotos. Fiquei pensando no custo da produção e impressão.
Vida pessoal de dirigentes de futebol português, incentivos ao turismo na Ilha da Madeira, o lauto jantar comunitário em Toronto da festa da Matança do Porco, a aquisição de um caro apartamento em São Paulo, no Brasil, pelo jogador lusitano Cristiano Ronaldo. Os emigrantes saem do país, mas a cabeça lá permanece.
Dei uma olhada para a senhora na mesa ao lado. No site em que o encontro é combinado, nem todas as pessoas colocam foto, fica difícil reconhecer alguém. Ela me olhou de volta e eu perguntei se tinha vindo para o evento de português. Ela confirmou e se mudou para minha mesa, que era maior.
Começamos a conversar e ela me contou que nasceu em Portugal e se mudou criança para o Brasil, para o Rio de Janeiro, onde cresceu e estudou. O seu sotaque de português não tinha nada, era bem brasileiro e, de vez em quando, mostrava os erres e esses cariocas. Ela me disse que estava esperando mais uma amiga, que não tinha se inscrito no evento, mas estaria vindo mesmo assim.
Logo depois chegou uma garota morena-clara, de cabelo bem liso, tipo índio, parecia brasileira. Era canadense, filha de pais do Sri Lanka. Daí aparência indiana Ele já esteve no Brasil duas ou três vezes, em Salvador(!), onde foi estudar e praticar português.
As pessoas começaram a chegar. A amiga da loura chegou e ela tinha uma história bem semelhante. Nasceu em Portugal, viveu no Brasil durante a juventude e mora no Canadá há bastante tempo.
Um canadense careca se aproximou meio sem jeito e se apresentou. Ele é professor de inglês, morou no México por dois anos, fala espanhol melhor do que o francês aprendido no Canadá e se vira bem em português. Depois é a vez de um outro brasileiro chegar. Ele que foi um dos organizadores do encontro. Um senhor de Sao Paulo que mora em Toronto há pouco tempo. Ele vivia antes em Windsor, cidade mais ao sul da província, perto da fronteira com os Estados Unidos.
A essa altura, as duas mesas iniciais não eram mais suficientes, Mudamos a posição, para poder juntar mais mesas e cadeiras.
Assim a lista foi aumentando até completar umas treze ou catorze pessoas. Perdi a conta de quantos vieram, pois contei até doze, mas sei que chegaram mais uma ou duas pessoas bem mais tarde. O papo ficou rolando, eu mudei de lugar na grande mesa para conhecer mais gente.
Lá pelas quatro da tarde os primeiros a chegar começaram a ir embora. Pedi mais um café, um pastel de natas e um rissole de camarão. Não tinha mais coxinha de galinha, uma pena.
Fiquei mais um pouco conversando com uma canadense filha de portugueses. Ela falava muito bem a língua dos antepassados, algo que nem sempre acontece com os filhos de imigrantes lusitanos. Ela me disse que aprendeu e praticou muito com a avó portuguesa, que não falava inglês.
Umas cinco da tarde, depois de muita conversa, dia curto de outono já escurecendo, alcancei o meu casaco e mochila, vesti toda a parafernália para o frio, peguei a bicicleta e parti para casa com o vento gelado batendo sem piedade no rosto.
Consegui vencer o receio de pedalar no tempo frio e tomo como limite a sensação térmica de -5 graus para enfrentar as ruas durante outono e inverno. Olhei no site de previsão do tempo e gostei do que vi. Temperaturas em torno de 5 graus e nenhuma precipitação. Neve caindo incomoda menos do que o terror do corpo úmido e resfriado pela chuva em baixas temperaturas.
Peguei a bicicleta e parti rumo à região portuguesa. Objetivo: Meetup de Português. Encontro para praticar português, conversar, socializar, tomar café e apreciar acepipes da cozinha lusitana e brasileira.
Cheguei antes do horário e me acomodei com calma em uma das mesas da aconchegante padaria portuguesa que mais parece uma casa de chá ou de café. Pedi água e um caffè lungo, que lá é chamado de café americano, tirado na hora, na máquina, forte e encorpado. Pedi um pouco de leite que, em vez das costumeiros mini copos lacrados de plástico, me foi servido em uma minúscula leiteira de aço inox, que me chamou atenção e me fez sentir a diferença e o charme de estar em um ambiente de cultura europeia.
É um tipo de serviço inimaginável nas grandes e práticas redes de café norte-americanas, nas quais o leite, o creme e o açúcar ficam disponíveis em um balcão e quem quiser que se sirva.
Peguei o café e mais água para me recuperar dos cinco quilômetros de percurso, vencidos com a proteção de touca de lã, luvas, casaco, calça e long john esportivo. Esqueci o capacete em casa.
Duas da tarde e ninguém à vista. Pouco depois vi que uma senhora loura chegou e se sentou em uma mesa próxima e ficou folheando uma revista, enquanto eu também olhava um jornal português editado em Toronto. Em formato tablóide, o jornal era colorido e cheio de fotos. Fiquei pensando no custo da produção e impressão.
Vida pessoal de dirigentes de futebol português, incentivos ao turismo na Ilha da Madeira, o lauto jantar comunitário em Toronto da festa da Matança do Porco, a aquisição de um caro apartamento em São Paulo, no Brasil, pelo jogador lusitano Cristiano Ronaldo. Os emigrantes saem do país, mas a cabeça lá permanece.
Dei uma olhada para a senhora na mesa ao lado. No site em que o encontro é combinado, nem todas as pessoas colocam foto, fica difícil reconhecer alguém. Ela me olhou de volta e eu perguntei se tinha vindo para o evento de português. Ela confirmou e se mudou para minha mesa, que era maior.
Começamos a conversar e ela me contou que nasceu em Portugal e se mudou criança para o Brasil, para o Rio de Janeiro, onde cresceu e estudou. O seu sotaque de português não tinha nada, era bem brasileiro e, de vez em quando, mostrava os erres e esses cariocas. Ela me disse que estava esperando mais uma amiga, que não tinha se inscrito no evento, mas estaria vindo mesmo assim.
Logo depois chegou uma garota morena-clara, de cabelo bem liso, tipo índio, parecia brasileira. Era canadense, filha de pais do Sri Lanka. Daí aparência indiana Ele já esteve no Brasil duas ou três vezes, em Salvador(!), onde foi estudar e praticar português.
As pessoas começaram a chegar. A amiga da loura chegou e ela tinha uma história bem semelhante. Nasceu em Portugal, viveu no Brasil durante a juventude e mora no Canadá há bastante tempo.
Um canadense careca se aproximou meio sem jeito e se apresentou. Ele é professor de inglês, morou no México por dois anos, fala espanhol melhor do que o francês aprendido no Canadá e se vira bem em português. Depois é a vez de um outro brasileiro chegar. Ele que foi um dos organizadores do encontro. Um senhor de Sao Paulo que mora em Toronto há pouco tempo. Ele vivia antes em Windsor, cidade mais ao sul da província, perto da fronteira com os Estados Unidos.
Delicias |
Assim a lista foi aumentando até completar umas treze ou catorze pessoas. Perdi a conta de quantos vieram, pois contei até doze, mas sei que chegaram mais uma ou duas pessoas bem mais tarde. O papo ficou rolando, eu mudei de lugar na grande mesa para conhecer mais gente.
Lá pelas quatro da tarde os primeiros a chegar começaram a ir embora. Pedi mais um café, um pastel de natas e um rissole de camarão. Não tinha mais coxinha de galinha, uma pena.
Pão português em Toronto |
Umas cinco da tarde, depois de muita conversa, dia curto de outono já escurecendo, alcancei o meu casaco e mochila, vesti toda a parafernália para o frio, peguei a bicicleta e parti para casa com o vento gelado batendo sem piedade no rosto.
22.11.12
Se essa rua
Minha rua começa em um bairro rico. Cheio de casas grandes e confortáveis. Separadas por um viaduto que cobre um imenso vale, que isola endinheirados do resto da cidade.
Minha rua continua a voar, o viaduto pousa sobre uma via importante, caminho de belezas e luxos. Aquela que o metrô segue verde, oculto nas profundezas, sem escolhas, sem desvios.
Minha rua corta e contorna um encontro das Naçõoes Unidas, um emaranhado de prédios, casas de gente do mundo inteiro.
Minha rua prossegue, mostra sua história real, as casas antigas, os abrigos dos perdidos, dos problemáticos, dos que vivem em extremos, em paradas frequentes, carros e sirenes barulhentos, médicos e policiais.
Minha rua é conciliadora e passa por templos de deuses que vivem sem conflitos. Mas quem causa conflitos não são os deuses, ora pois. São os que buscam nos deuses, pobres desculpas, apoio para prepotências.
Minha rua não para, segue o fluxo e se transforma de novo, são lojas de móveis e decorações, margeando o centro do dinheiro, das gravatas e dos passos rápidos.
Minha rua vai até o grande mercado, agora das carnes, dos peixes e dos verdes. Da comida feita para encantar. Logo, logo, chegam prédios vermelhos, varandas, calmas, e praças.
Minha rua vai trocando de roupa no caminho, vai ganhando máquinas e desvios, marcas de índios, enquanto perde buracos. Ela não está pronta, está atrasada, quando bicicletas e volantes têm pressa.
Minha rua não é minha, é bom deixar claro. É da cidade, é de todo mundo, é de quem chegar, de quem quiser e souber usar, como qualquer outro lugar.
Minha rua vai descendo, vai parando na beira do lago, um descanso da cidade. Mas não é ali que ela termina. É ali que ela começa. Ou é assim que os homens quiseram e disseram.
Para lembrá-la que é na água que tudo inicia e não onde acaba.
Minha rua continua a voar, o viaduto pousa sobre uma via importante, caminho de belezas e luxos. Aquela que o metrô segue verde, oculto nas profundezas, sem escolhas, sem desvios.
Minha rua corta e contorna um encontro das Naçõoes Unidas, um emaranhado de prédios, casas de gente do mundo inteiro.
Minha rua prossegue, mostra sua história real, as casas antigas, os abrigos dos perdidos, dos problemáticos, dos que vivem em extremos, em paradas frequentes, carros e sirenes barulhentos, médicos e policiais.
Minha rua é conciliadora e passa por templos de deuses que vivem sem conflitos. Mas quem causa conflitos não são os deuses, ora pois. São os que buscam nos deuses, pobres desculpas, apoio para prepotências.
Minha rua não para, segue o fluxo e se transforma de novo, são lojas de móveis e decorações, margeando o centro do dinheiro, das gravatas e dos passos rápidos.
Minha rua vai até o grande mercado, agora das carnes, dos peixes e dos verdes. Da comida feita para encantar. Logo, logo, chegam prédios vermelhos, varandas, calmas, e praças.
Minha rua vai trocando de roupa no caminho, vai ganhando máquinas e desvios, marcas de índios, enquanto perde buracos. Ela não está pronta, está atrasada, quando bicicletas e volantes têm pressa.
Minha rua não é minha, é bom deixar claro. É da cidade, é de todo mundo, é de quem chegar, de quem quiser e souber usar, como qualquer outro lugar.
Minha rua vai descendo, vai parando na beira do lago, um descanso da cidade. Mas não é ali que ela termina. É ali que ela começa. Ou é assim que os homens quiseram e disseram.
Para lembrá-la que é na água que tudo inicia e não onde acaba.
21.11.12
Aprendendo línguas
Há
algum tempo venho percebendo que em países de grande extensão
territorial, que possuem apenas uma língua oficial, como é o caso do
Brasil, Estados Unidos e Russia, os seus habitantes têm alguma
dificuldade, talvez por poucas oportunidades de contatos com
estrangeiros, para aprender e dominar um segundo idioma. Então não se faz muito esforço para aprender vocabulário estrangeiro. É como se houvesse a sensação de auto-suficiência na própria língua.
Americanos são conhecidos pela incapacidade de comunicação em uma segunda língua. Os russos têm problema semelhante. Entre os brasileiros, que costumam jogar sempre a culpa no sistema de educação, isso também acontece. Mas efetivamente é caro estudar línguas estrangeiras no Brasil e mais caro ainda sair do país para praticá-las.
O gosto por línguas estrangeiras foi um dos motivos da minha mudança de país. Estava cansado de estudar, estudar, estudar gramática e sempre com dificuldade para compreender o que era falado. A fluência em uma segunda língua exige vivência, mesmo que eventual. Talvez por isso os europeus tenham mais sorte: a proximidade entre os países permite uma troca mais intensa. É mais fácil e barato sair para estudar e praticar. No meu caso, ocorre um fato inusitado: tenho mais oportunidade de praticar espanhol aqui em Toronto do que em Salvador. Pelo grande número de hispânicos que existe na cidade.
A internet chegou trazendo mudanças nesse cenário de aprendizagem de línguas. Se o inglês passou a ser uma língua quase universal, existem inúmeros recursos. Há cursos e mais cursos online, páginas de testes gramaticais, jornais gratuitos. As redes sociais possbilitam informações diárias e atualizadas na língua que se quer aprender. Basta usar. E ter tempo e energia disponíveis.
Americanos são conhecidos pela incapacidade de comunicação em uma segunda língua. Os russos têm problema semelhante. Entre os brasileiros, que costumam jogar sempre a culpa no sistema de educação, isso também acontece. Mas efetivamente é caro estudar línguas estrangeiras no Brasil e mais caro ainda sair do país para praticá-las.
O gosto por línguas estrangeiras foi um dos motivos da minha mudança de país. Estava cansado de estudar, estudar, estudar gramática e sempre com dificuldade para compreender o que era falado. A fluência em uma segunda língua exige vivência, mesmo que eventual. Talvez por isso os europeus tenham mais sorte: a proximidade entre os países permite uma troca mais intensa. É mais fácil e barato sair para estudar e praticar. No meu caso, ocorre um fato inusitado: tenho mais oportunidade de praticar espanhol aqui em Toronto do que em Salvador. Pelo grande número de hispânicos que existe na cidade.
A internet chegou trazendo mudanças nesse cenário de aprendizagem de línguas. Se o inglês passou a ser uma língua quase universal, existem inúmeros recursos. Há cursos e mais cursos online, páginas de testes gramaticais, jornais gratuitos. As redes sociais possbilitam informações diárias e atualizadas na língua que se quer aprender. Basta usar. E ter tempo e energia disponíveis.
Alófonos
Ótima crônica de Chantal Hébert, uma das
melhores jornalistas do Canadá. Ela é perfeitamente bilíngue e escreve
em inglês (no Toronto Star) e em francês (Le Devoir, L'Actualité) e participa de programas jornalísticos na TV - nas duas línguas!
Segundo as últimas pesquisas, o número de pessoas no Canadá cuja primeira língua é estrangeira, os alófonos (20.6%), é praticamente igual ao número de francófonos (21%), cuja língua materna é o francês. Mas, de modo diferente do que ocorre nos EUA com o espanhol, no Canadá várias línguas formam o total de estrangeiras.
O mais interessante é que se o francês perde peso no total da população, o interesse nessa língua só faz aumentar. O número de escolas de língua francesa e de alunos tem aumentado bastante em várias províncias do Canadá.
Segundo as últimas pesquisas, o número de pessoas no Canadá cuja primeira língua é estrangeira, os alófonos (20.6%), é praticamente igual ao número de francófonos (21%), cuja língua materna é o francês. Mas, de modo diferente do que ocorre nos EUA com o espanhol, no Canadá várias línguas formam o total de estrangeiras.
O mais interessante é que se o francês perde peso no total da população, o interesse nessa língua só faz aumentar. O número de escolas de língua francesa e de alunos tem aumentado bastante em várias províncias do Canadá.
14.11.12
Dos discos da infância
Eu ouvia Ivete Sangalo e Maria Betânia cantando uma música de Carlinhos Brown, chamada Muito obrigado axé, uma celebraçao do sincretismo religioso da Bahia. É também uma homenagem ao orixá Ogum, que Brown venera, e que, me disseram uma vez, também me guia.
Gosto de Maria Betânia desde a infância. Aprendi a gostar com o meu pai. Em minha casa tinha um disco dela, Álibi, que eu ouvia sem parar. Músicas hoje clássicas da MPB, como Negue, Cálice e Explode Coração. Também tinha outro disco, Mel, que eu só faltava furar de tanto ouvir.
Meu pai gostava muito de música. A lenda conta que ele, antes de casar, tinha uma coleção enorme de discos brasileiros e estrangeiros. A história continua e diz que boa parte dos discos foi roubada por alguém (pintor, pedreiro?) que foi fazer um trabalho e levou boa parte dos discos embora, música de qualidade, para ouvir calmamente em casa. O restante foi doado, pois não havia espaço na moradia dos recém-casados.
Não sei se a lenda diz a verdade. O que sei é que, pelas fotografias em preto-e-branco, ficou registrado apenas um antigo toca-discos. Era um móvel de madeira, roído nas quinas. Comigo, criança sorridente e matreira, posando ao lado. Mas o toca-discos não era roído por cupins nem ratos. Vá saber o que se passa na cabeça de uma criança traquina. Ou que gosto tem um móvel de madeira. Era roído por mim.
Meu pai era uma pessoa marcante. O famoso seu Jurinha (originalmente Jurandyr). Expansivo, comunicativo, simpático, alegre, festeiro. Ele e minha mãe, como todo casal com vida social ativa, gostavam de receber de vez em quando casais amigos em casa. Ele providenciava bebidas e ingredientes, enquanto minha mãe, Dona Hermosa, sempre perfeccionista, se virava aflita para organizar tudo.
Uma vez eles receberam dois casais para almoço, durante um dos verões à beira-mar de Ilhéus. Um dos casais vinha de fora da cidade. Provavelmente o homem era colega de trabalho da empresa. Gentilmente, em retribuição pelo convite, o casal de fora levou um presente. Um disco. Um LP (long-play), um bolachão preto de vinil.
O belo disco Minha Voz, de Gal Costa. Cantora que meu pai detestava.
Ele recebeu o presente com um largo sorriso. Não é tudo mundo que faz uma gentileza daquelas, de levar um presente em retribuição a um convite de almoço. Ele rasgou o papel da embalagem para ver do que se tratava. Ao perceber que era um disco de Gal Costa, o sorriso morreu no rosto. Rápida e sorrateiramente, ele passou o pacote para mim, que estava ao seu lado. Como que para se livrar do traste.
Eu levei o disco e o coloquei ao lado dos outros da casa, que ficavam armazenados no meu quarto, enquanto seu Jurinha levava os convidados para os tira-gostos, cervejas e drinques na bela varanda debruçada sobre a vista do mar de Ilhéus, um dos orgulhos da casa.
O papo continuou animado até que caiu em um tema às vezes polêmico: gostos musicais. Com a franqueza que lhe era característica e sem auto-restrições, agora liberadas pelos efeitos etílicos, seu Jurinha solta a frase-bomba:
"Eu detesto Gal Costa!"
O casal se entreolhou, o marido levantou os ombros como se dissesse para a mulher: "Pelo menos a gente tentou agradar!".
Percebendo o mal-estar, minha mãe, que não tinha tido oportunidade de ver o tal disco da discórdia nem de que artista se tratava, bradou: "Ah, pois eu adoro Gal Costa!". Mesmo sem realmente gostar muito.
O almoço prosseguiu e foi um sucesso, a comida sempre elogiada.
No dia seguinte, recuperado dos efeitos devastadores da sinceridade da cerveja, seu Jurinha ainda tentou se desculpar com o casal. Não sei se teve grande sucesso. A verdade tinha sido dita.
Quem curtiu mesmo o disco de Gal Costa fui eu. Para mim, um dos melhores discos dela. Havia músicas inesquecíveis como Festa do Interior e Açaí, de Djavan.
Açaí me traz uma outra lembrança muito gostosa. Eu devia ter uns 14 ou 15 anos. Eu lembro da minha prima Raquel, com uns 3 ou 4. Sempre linda, bochechuda, alegre e sorridente. Raquel adorava a música Açaí, um grande sucesso na época, e de vez em quando a cantava.
Agora imagine o que é uma criança nessa idade cantando versos complexos como:
"Açaí guardiã, zum de besouro, um ímã. Branca é tez da manhã."
Raquel cantava a música, toda animada, sorridente, batendo palmas. Eu ficava olhando, admirado, tentando entender as palavras que ela estava dizendo.
Gosto de Maria Betânia desde a infância. Aprendi a gostar com o meu pai. Em minha casa tinha um disco dela, Álibi, que eu ouvia sem parar. Músicas hoje clássicas da MPB, como Negue, Cálice e Explode Coração. Também tinha outro disco, Mel, que eu só faltava furar de tanto ouvir.
Meu pai gostava muito de música. A lenda conta que ele, antes de casar, tinha uma coleção enorme de discos brasileiros e estrangeiros. A história continua e diz que boa parte dos discos foi roubada por alguém (pintor, pedreiro?) que foi fazer um trabalho e levou boa parte dos discos embora, música de qualidade, para ouvir calmamente em casa. O restante foi doado, pois não havia espaço na moradia dos recém-casados.
Não sei se a lenda diz a verdade. O que sei é que, pelas fotografias em preto-e-branco, ficou registrado apenas um antigo toca-discos. Era um móvel de madeira, roído nas quinas. Comigo, criança sorridente e matreira, posando ao lado. Mas o toca-discos não era roído por cupins nem ratos. Vá saber o que se passa na cabeça de uma criança traquina. Ou que gosto tem um móvel de madeira. Era roído por mim.
Meu pai era uma pessoa marcante. O famoso seu Jurinha (originalmente Jurandyr). Expansivo, comunicativo, simpático, alegre, festeiro. Ele e minha mãe, como todo casal com vida social ativa, gostavam de receber de vez em quando casais amigos em casa. Ele providenciava bebidas e ingredientes, enquanto minha mãe, Dona Hermosa, sempre perfeccionista, se virava aflita para organizar tudo.
Uma vez eles receberam dois casais para almoço, durante um dos verões à beira-mar de Ilhéus. Um dos casais vinha de fora da cidade. Provavelmente o homem era colega de trabalho da empresa. Gentilmente, em retribuição pelo convite, o casal de fora levou um presente. Um disco. Um LP (long-play), um bolachão preto de vinil.
O belo disco Minha Voz, de Gal Costa. Cantora que meu pai detestava.
Ele recebeu o presente com um largo sorriso. Não é tudo mundo que faz uma gentileza daquelas, de levar um presente em retribuição a um convite de almoço. Ele rasgou o papel da embalagem para ver do que se tratava. Ao perceber que era um disco de Gal Costa, o sorriso morreu no rosto. Rápida e sorrateiramente, ele passou o pacote para mim, que estava ao seu lado. Como que para se livrar do traste.
O disco da discórdia |
O papo continuou animado até que caiu em um tema às vezes polêmico: gostos musicais. Com a franqueza que lhe era característica e sem auto-restrições, agora liberadas pelos efeitos etílicos, seu Jurinha solta a frase-bomba:
"Eu detesto Gal Costa!"
O casal se entreolhou, o marido levantou os ombros como se dissesse para a mulher: "Pelo menos a gente tentou agradar!".
Percebendo o mal-estar, minha mãe, que não tinha tido oportunidade de ver o tal disco da discórdia nem de que artista se tratava, bradou: "Ah, pois eu adoro Gal Costa!". Mesmo sem realmente gostar muito.
O almoço prosseguiu e foi um sucesso, a comida sempre elogiada.
No dia seguinte, recuperado dos efeitos devastadores da sinceridade da cerveja, seu Jurinha ainda tentou se desculpar com o casal. Não sei se teve grande sucesso. A verdade tinha sido dita.
Quem curtiu mesmo o disco de Gal Costa fui eu. Para mim, um dos melhores discos dela. Havia músicas inesquecíveis como Festa do Interior e Açaí, de Djavan.
Açaí me traz uma outra lembrança muito gostosa. Eu devia ter uns 14 ou 15 anos. Eu lembro da minha prima Raquel, com uns 3 ou 4. Sempre linda, bochechuda, alegre e sorridente. Raquel adorava a música Açaí, um grande sucesso na época, e de vez em quando a cantava.
Agora imagine o que é uma criança nessa idade cantando versos complexos como:
"Açaí guardiã, zum de besouro, um ímã. Branca é tez da manhã."
Raquel cantava a música, toda animada, sorridente, batendo palmas. Eu ficava olhando, admirado, tentando entender as palavras que ela estava dizendo.
7.11.12
Frida & Diego
A exposiçào Frida & Diego: Passion, Politics and Painting, na Ontario Art Gallery, traz inúmeras obras do famoso casal de pintores mexicanos, junto com várias fotografias, principalmente de Frida.
A pintura de Frida Kahlo é mais arrebatadora, mais emocional e dramática. O trabalho de Diego é bem interessante, mas não seduz tanto quanto o de sua mulher.
Foi bom ver a exposição depois de ter visto o filme. Assim dá para entender melhor as histórias que os quadros de Frida contam.
Durante a vida em comum, Diego Rivera era mais famoso. Era conhecido como o maior pintor de murais do México, especializado em retratar cenas com temas sociais. Frida se dedicava aos seus autorretratos. Depois da morte dos dois, ela foi reconhecida como a artista mais icônica do modernismo. As suas pinturas mostram a dor física depois do acidente de ônibus, quando ela tinha 18 anos, e a angústia causada pelas infidelidades de Diego e pela impossibilidade de ter filhos.
Além de quadros, fotos e vídeos, havia um colete de gesso que Frida usara para se recuperar depois de uma das suas inúmeras cirurgias.
A pintura de Frida Kahlo é mais arrebatadora, mais emocional e dramática. O trabalho de Diego é bem interessante, mas não seduz tanto quanto o de sua mulher.
Foi bom ver a exposição depois de ter visto o filme. Assim dá para entender melhor as histórias que os quadros de Frida contam.
Durante a vida em comum, Diego Rivera era mais famoso. Era conhecido como o maior pintor de murais do México, especializado em retratar cenas com temas sociais. Frida se dedicava aos seus autorretratos. Depois da morte dos dois, ela foi reconhecida como a artista mais icônica do modernismo. As suas pinturas mostram a dor física depois do acidente de ônibus, quando ela tinha 18 anos, e a angústia causada pelas infidelidades de Diego e pela impossibilidade de ter filhos.
Além de quadros, fotos e vídeos, havia um colete de gesso que Frida usara para se recuperar depois de uma das suas inúmeras cirurgias.
4.11.12
O humor pirracento de brasileiros e argentinos
Antes de começar a estudar espanhol, no Brasil, há vários anos, alguns fatores influíram na minha escolha pela língua de Cervantes. O Mercosul estava muito em destaque, a língua espanhola começava ser ensinada nas escolas brasileiras, havia a proximidade com o português e a possibilidade de adquirir fluência em pouco tempo, uma vez que o aprendizado de uma língua muito diferente da sua língua materna é mais longo. E nada assegura que um dia você terá capacidade de se comunicar com facilidade nela. Além tudo disso, havia a possibilidade de praticar viajando dentro da própria América do Sul ou conversando com turistas no Brasil.
Os estudos de espanhol foram muito agradáveis. Optei pelo curso de extensão no Instituto de Letras da UFBA. Mais barato que nas escolas especializadas e de ótima qualidade. A primeira professora que tive foi uma espanhola da Cataluña. A proximidade entre português e espanhol possibilita um fato espantoso. Já no primeiro semestre, a professora falava inteiramente em espanhol. E a turma entendia tudo.
Ela não precisava passar para o português para dar explicações nem fazer malabarismos com as mãos para se fazer compreender.
No semestre seguinte, com o início dos estudos na Faculdade de Comunicação, passei para as aulas aos sábados, apenas uma vez por semana. Apesar de parecer pouco tempo, o conteúdo era bem rico. Eu fazia contorcionismos para conjugar trabalho, estudos acadêmicos, espanhol, análise e vida social. A turma era ótima e nós permanecemos juntos até o final do curso.
Tive mais três professores durante os seis semestres: uma brasileira (casada com um argentino, ela foi a mais fraca de todos), um peruano (um senhor gordo, com cara de índio, muito divertido) e outro brasileiro da Bahia. Este baiano talvez tenha sido o melhor professor. Ele fazia carreira acadêmica na área de linguística da UFBA e era apaixonando pelo espanhol. Passava longas temporadas no México, estudando teoria e, claro, praticando a língua com nativos.
Por conta de tantos professores com sotaques diferentes, não sei com qual vertente o meu espanhol com sotaque brasileiro se parece mais.
Lembrei de toda essa história depois que fui participar de um encontro linguístico (mais um!) de gente se revezando entre francês e espanhol. E fico surpreso como o espanhol chega fácil na ponta da língua. Se os brasileiros compreendem com certa facilidade o espanhol, não se pode dizer que a reciproca seja verdadeira. O português não é imediato para hispanos.
Uma professora de linguística me falou rapidamente que isso se deve a alguns sons extras que usamos no português, mas que não existem no espanhol. Daí a cara de espanto deles quando usamos palavras que parecem tão comuns aos dois idiomas, mas que, para eles, é algo irreconhecível.
Havia venezuelanos, colombianos, argentinos, canadenses e gente de outras partes do mundo. Conversar com os latinos não é nada difícil. Assim como os brasileiros, são falantes e têm aquela empatia rápida e forte que nos caracteriza.
Depois de quatro anos no Canadá e conhecendo um número cada dia maior de sul-americanos, como nunca aconteceu no Brasil, eu começo a perceber características que se repetem. Peruanos e venezuelanos são muitíssimo simpáticos. Os venezuelanos um pouco mais exuberantes, os peruanos mais tímidos. Colombianos são levemente esnobes, orgulhosos, medem bastante as pessoas. Mas, passado estranhamento inicial, são comunicativos e gentis. Colombianos e venezuelanos têm uma rixa histórica, coisa de vizinhos, mas não chegam a ser hostis entre si.
Brasileiros e argentinos têm em comum aquele irritante senso de humor piadístico-sarcástico. Aquela velha história de perder o amigo mas não perder a piada. Apesar de toda a pirraça, principalmente sobre futebol, brasileiros e argentinos não são inimigos. São países suficientemente inteligentes para ter noção da força um do outro.
Existiram algumas guerras entre Brasil e Argentina, por influência e disputa de terras. Mas os dois foram aliados, ainda com o apoio do Uruguai, contra o pobre do Paraguai, em uma guerra bem sangrenta, a Guerra do Paraguai. Essa aliança parece não ter mais terminado.
Em uma prova bem recente, o trio ternura Brasil-Argentina-Uruguai aproveitou a suspensão do Paraguai, por causa da deposição do presidente, para incluir a Venezuela no Mercosul. O Paraguai era contra a inclusão.
Argentinos sonham com as praias brasileiras e os brasileiros adoram passar alguns dias de sonhos europeus, tomando vinho e café acompanhado de água com gás. Comendo carnes e massas em Buenos Aires. Sem esquecer de alfajores e empanadas.
O sotaque espanhol dos sul-americanos para mim é mais fácil de ser compreendido do que o sotaque mexicano e da Espanha. Tenho a impressão de que há ritmo e entonação semelhantes. Talvez, em terras europeias, portugueses e espanhóis compartilhem a mesma impressão quando conversam entre si. Coisa de hemisfério.
Uma coisa interessante que vim perceber ao mudar para o Canadá é a questão da imagem entre os vizinhos. Dentro do Brasil, a gente sempre acha que foi ou é vítima dos outros países, que fomos explorados por europeus e sofremos intimidações constantes da América do Norte.
Entre os vizinhos do Sul, pelo contrário, o Brasil chega a ter uma imagem de imperialista. Como uma amiga argentina uma vez reclamou: "Os brasileiros querem tudo!", falando das constantes disputas comerciais do seu país com o Brasil.
E se a gente for olhar na história, realmente o Brasil tem um lado forte de dominação e luta pelo território. Basta olhar a aquisição do Acre. Eram terras que pertenciam à Bolívia, mas que estavam cedidas aos Estados Unidos e ocupadas por fazendeiros brasileiros. Frente aos conflitos, o governo brasileiro acabou por adquirir a área e incorporá-la ao mapa do Brasil.
Não é preciso ir muito longe para ver atualmente uma situação semelhante. Produtores brasileiros dominando o cultivo de soja no Paraguai. Os famosos brasilguaios. Porém, na atualidade diplomática, as encrencas são resolvidas sem maiores danos, salvo um ou outro tiroteio por aquelas bandas.
Os estudos de espanhol foram muito agradáveis. Optei pelo curso de extensão no Instituto de Letras da UFBA. Mais barato que nas escolas especializadas e de ótima qualidade. A primeira professora que tive foi uma espanhola da Cataluña. A proximidade entre português e espanhol possibilita um fato espantoso. Já no primeiro semestre, a professora falava inteiramente em espanhol. E a turma entendia tudo.
Ela não precisava passar para o português para dar explicações nem fazer malabarismos com as mãos para se fazer compreender.
No semestre seguinte, com o início dos estudos na Faculdade de Comunicação, passei para as aulas aos sábados, apenas uma vez por semana. Apesar de parecer pouco tempo, o conteúdo era bem rico. Eu fazia contorcionismos para conjugar trabalho, estudos acadêmicos, espanhol, análise e vida social. A turma era ótima e nós permanecemos juntos até o final do curso.
Tive mais três professores durante os seis semestres: uma brasileira (casada com um argentino, ela foi a mais fraca de todos), um peruano (um senhor gordo, com cara de índio, muito divertido) e outro brasileiro da Bahia. Este baiano talvez tenha sido o melhor professor. Ele fazia carreira acadêmica na área de linguística da UFBA e era apaixonando pelo espanhol. Passava longas temporadas no México, estudando teoria e, claro, praticando a língua com nativos.
Por conta de tantos professores com sotaques diferentes, não sei com qual vertente o meu espanhol com sotaque brasileiro se parece mais.
Lembrei de toda essa história depois que fui participar de um encontro linguístico (mais um!) de gente se revezando entre francês e espanhol. E fico surpreso como o espanhol chega fácil na ponta da língua. Se os brasileiros compreendem com certa facilidade o espanhol, não se pode dizer que a reciproca seja verdadeira. O português não é imediato para hispanos.
Uma professora de linguística me falou rapidamente que isso se deve a alguns sons extras que usamos no português, mas que não existem no espanhol. Daí a cara de espanto deles quando usamos palavras que parecem tão comuns aos dois idiomas, mas que, para eles, é algo irreconhecível.
Havia venezuelanos, colombianos, argentinos, canadenses e gente de outras partes do mundo. Conversar com os latinos não é nada difícil. Assim como os brasileiros, são falantes e têm aquela empatia rápida e forte que nos caracteriza.
Depois de quatro anos no Canadá e conhecendo um número cada dia maior de sul-americanos, como nunca aconteceu no Brasil, eu começo a perceber características que se repetem. Peruanos e venezuelanos são muitíssimo simpáticos. Os venezuelanos um pouco mais exuberantes, os peruanos mais tímidos. Colombianos são levemente esnobes, orgulhosos, medem bastante as pessoas. Mas, passado estranhamento inicial, são comunicativos e gentis. Colombianos e venezuelanos têm uma rixa histórica, coisa de vizinhos, mas não chegam a ser hostis entre si.
Brasileiros e argentinos têm em comum aquele irritante senso de humor piadístico-sarcástico. Aquela velha história de perder o amigo mas não perder a piada. Apesar de toda a pirraça, principalmente sobre futebol, brasileiros e argentinos não são inimigos. São países suficientemente inteligentes para ter noção da força um do outro.
Exemplo de "gracinha" feita por um site brasileiro |
Em uma prova bem recente, o trio ternura Brasil-Argentina-Uruguai aproveitou a suspensão do Paraguai, por causa da deposição do presidente, para incluir a Venezuela no Mercosul. O Paraguai era contra a inclusão.
Argentinos sonham com as praias brasileiras e os brasileiros adoram passar alguns dias de sonhos europeus, tomando vinho e café acompanhado de água com gás. Comendo carnes e massas em Buenos Aires. Sem esquecer de alfajores e empanadas.
O sotaque espanhol dos sul-americanos para mim é mais fácil de ser compreendido do que o sotaque mexicano e da Espanha. Tenho a impressão de que há ritmo e entonação semelhantes. Talvez, em terras europeias, portugueses e espanhóis compartilhem a mesma impressão quando conversam entre si. Coisa de hemisfério.
Uma coisa interessante que vim perceber ao mudar para o Canadá é a questão da imagem entre os vizinhos. Dentro do Brasil, a gente sempre acha que foi ou é vítima dos outros países, que fomos explorados por europeus e sofremos intimidações constantes da América do Norte.
Entre os vizinhos do Sul, pelo contrário, o Brasil chega a ter uma imagem de imperialista. Como uma amiga argentina uma vez reclamou: "Os brasileiros querem tudo!", falando das constantes disputas comerciais do seu país com o Brasil.
E se a gente for olhar na história, realmente o Brasil tem um lado forte de dominação e luta pelo território. Basta olhar a aquisição do Acre. Eram terras que pertenciam à Bolívia, mas que estavam cedidas aos Estados Unidos e ocupadas por fazendeiros brasileiros. Frente aos conflitos, o governo brasileiro acabou por adquirir a área e incorporá-la ao mapa do Brasil.
Não é preciso ir muito longe para ver atualmente uma situação semelhante. Produtores brasileiros dominando o cultivo de soja no Paraguai. Os famosos brasilguaios. Porém, na atualidade diplomática, as encrencas são resolvidas sem maiores danos, salvo um ou outro tiroteio por aquelas bandas.
29.10.12
Em tempo de chuva
Ontem estava na academia e pensava na vida. Sim, isso existe. É possivel pensar enquanto se exercita. Dizem mesmo que o exercício com pesos ajuda na concentração, mais do que as atividades aeróbicas como corrida ou natação.
Eu pensava em como a época cinzenta e chuvosa é chata, que quase faz esquecer como a época de sol e calor é boa neste país. Impossibilitadas as atividades ao ar livre, restam os bares, casas noturnas, bibliotecas, clubes e casas dos amigos. Ou viagens para lugares tropicais, para quem está com tempo e dinheiro disponível.
A pouca luminosidade afeta o humor. As pessoas ficam menos alegres e lutam para manter a disposição física e o bem-estar. As roupas voltam aos tons escuros. No princípio do outono, as folhas vão mudando de cor e proporcionam um belo espetáculo, mas que é levado pelo vento em poucos dias e massacrado pelo cinza do céu. Resta esperar que a neve traga o manto branco e luminoso.
Neste ano a mãe Natureza foi bem generosa. O inverno foi brando, terminou mais cedo, o verão foi longo e mesmo agora no outono, há alguns dias, o clima estava quente e ensolarado. Os esportistas ficam atentos. Na semana passada, quando a temperatura chegou aos 18 graus, ruas e parques ficaram cheios de gente correndo e pedalando. Gente até de bermuda. Bares abriram as varandas e retomaram ares de verão. Mas durou pouco.
Os dias chuvosos são ótimos para ficar quieto em casa, ler, escrever, cozinhar, ouvir música, ver tv, pintar quadros, fazer artesanato, lavar roupa, passar aspirador na casa e tudo mais de bom e de chato que se possa fazer dentro do lar. Escrever este post, mais um exemplo.
Eu pensava em como a época cinzenta e chuvosa é chata, que quase faz esquecer como a época de sol e calor é boa neste país. Impossibilitadas as atividades ao ar livre, restam os bares, casas noturnas, bibliotecas, clubes e casas dos amigos. Ou viagens para lugares tropicais, para quem está com tempo e dinheiro disponível.
A pouca luminosidade afeta o humor. As pessoas ficam menos alegres e lutam para manter a disposição física e o bem-estar. As roupas voltam aos tons escuros. No princípio do outono, as folhas vão mudando de cor e proporcionam um belo espetáculo, mas que é levado pelo vento em poucos dias e massacrado pelo cinza do céu. Resta esperar que a neve traga o manto branco e luminoso.
Neste ano a mãe Natureza foi bem generosa. O inverno foi brando, terminou mais cedo, o verão foi longo e mesmo agora no outono, há alguns dias, o clima estava quente e ensolarado. Os esportistas ficam atentos. Na semana passada, quando a temperatura chegou aos 18 graus, ruas e parques ficaram cheios de gente correndo e pedalando. Gente até de bermuda. Bares abriram as varandas e retomaram ares de verão. Mas durou pouco.
Os dias chuvosos são ótimos para ficar quieto em casa, ler, escrever, cozinhar, ouvir música, ver tv, pintar quadros, fazer artesanato, lavar roupa, passar aspirador na casa e tudo mais de bom e de chato que se possa fazer dentro do lar. Escrever este post, mais um exemplo.
22.10.12
Snake bite
Um pneu de bicicleta furado no parque a quase dez quilômetros de casa. Em um belo dia de sol e 17 graus. Volta a pé, com intervalos pedalando apoiado sobre os pedais, jogando o peso do corpo no pneu da frente, que estava inteiro. Com cuidado para nao rasgar a borracha do de trás, o vazio. Bicicleta de pneu fino é mais leve, mas é mais frágil. Uma simples vala aberta (e nao vista) em uma obra no asfalto, um baque enorme. Pelo menos nao caí nem me machuquei.
Liçao do dia: manter a pressao das câmaras de ar sempre atualizada. Segundo o cara da oficina, uma porrada em pneu com baixa calibragem causa um "snake bite", mordida de cobra. Traduçao: vários furos na mesma parte da câmara.
A solidariedade dos ciclistas canadenses é impressionante. No meio do caminho, vendo que eu empurrava a bike, um cara me ofereceu uma câmara sobressalente, que ele levava na pequena bolsa debaixo do selim. Agradeci e recusei. Eu nao tinha ferramentas e nem sei como fazer tal o serviço.
Liçao do dia: manter a pressao das câmaras de ar sempre atualizada. Segundo o cara da oficina, uma porrada em pneu com baixa calibragem causa um "snake bite", mordida de cobra. Traduçao: vários furos na mesma parte da câmara.
A solidariedade dos ciclistas canadenses é impressionante. No meio do caminho, vendo que eu empurrava a bike, um cara me ofereceu uma câmara sobressalente, que ele levava na pequena bolsa debaixo do selim. Agradeci e recusei. Eu nao tinha ferramentas e nem sei como fazer tal o serviço.