Por ter morado dois anos em Montréal e prestes a completar um ano em Toronto, tive e tenho a oportunidade de conhecer as culturas de origem francesa e inglesa que formam o Canadá. Tive o privilégio, assim considero, de vivenciar as duas culturas na pele de um observador estrangeiro.
Os modos franceses indiscutivelmente se parecem mais com os brasileiros. Português e francês sao línguas provenientes do latim e compartilham muitas palavras e entonaçoes. Alguns hábitos também se assemelham. Como, por exemplo, beijar no rosto ao cumprimentar alguém.
O beijo no rosto, na forma de cumprimento, parece ser algo que fascina e aterroriza ingleses, americanos e canadenses, seres de fala e de cultura anglo-saxônica. Mais de uma vez já li sobre o ato de beijar no rosto como se fosse uma prova de emotividade exacerbada. Uma vez foi em um jornal em Montréal, escrito por uma cronista/jornalista de um periódico em inglês. Outra vez foi no livro que estou lendo agora, One Fifth Avenue, da americana Candace Bushnell, conhecida por ser a autora do livro Sex and the City, que deu origem à famosa série de TV.
Madame Bushnell diz em uma breve passagem que beijar no rosto é uma "faux European manner", ou seja, diz que quando um americano beija no rosto, é uma maneira falsa e afetada de mostrar comportamento europeu. Breve tentativa de provar falso refinamento. Como se beijar no rosto fosse privilégio dos europeus.
Na cultura latina brasileira, beijam-se mulheres entre mulheres, homens com mulheres e homens com homens caso haja um grande vínculo familiar ou de amizade. Entre espécies de outras culturas, como árabes, iranianos e indianos, o beijo no rosto entre os homens faz parte da rotina e dos maneirismos sociais.
Mudar de país e de cultura implica em adaptaçao. Entao, nada de grandes manifestaçoes de afeto no Canadá inglês. Se é que o fato de cumprimentar com beijo no rosto pode ser considerado como grande demonstraçao de afeto. Entre os seres canadenses ingleses, o ápice da simpatia consiste na frase "How are you doing?", ou seja, "Como vai você?". Dita de modo enfático, com uma cara simpática. E só. Quem mergulha nessa cultura acaba mudando a maneira de agir e interagir. Quem era acostumado a distribuir beijocas, termina por esquecer (ou negar)o beijo no rosto, que dali para a frente fica lhe parecendo aberraçao.
No caminho da adaptaçao dentro de uma cultura, as pessoas se esquecem que o mundo é mais amplo que parece. Que os beijos no rosto como cumprimentos sao mais disseminados pelo planeta do que a pobre cultura norte-americana e inglesa é levada a crer. O próprio Canadá francês está aí para provar.
Crônicas e comentários de Danilo Menezes. Jornalista brasileiro da Bahia, atualmente morando em Toronto, Ontario, Canada.
15.5.11
4.5.11
Mudanca de hábito
Quando se muda a moradia para outro local, a gente acaba mudando também os hábitos alimentares. Pelo simples motivo do tipo de oferta dos alimentos. Se isso acontece dentro de uma mesma regiao, Estado ou de País, quando se muda de hemisfério, a mudança é gigantesca.
A alimentaçao de uma populaçao está relacionada com o clima, o solo, os recursos hídricos e com o transporte. Isto significa que é natural, prático e mais barato que se consuma o que é produzido localmente. Trata-se de aproveitar os recursos naturais sem ter que recorrer ao transporte de longa distância.
A alimentaçao do Canadá é fundamentada na herança inglesa. Entao, como pièces de resistence, encontramos sanduíches, batatas fritas, salsichas, ovos, bacon, tortas de carne. No entanto, a influência dos imigrantes ampliou enormemente a oferta de alimentos, diversificou o cardápio e sofisticou os hábitos alimentares canadenses. Os chineses trouxeram o arroz, o molho de soja, o frango General Tao e todo o seu menu milenar. Os árabes chegaram com o couscous, o tabule, o homus, o pao pita, o falafel. Os italianos adicionaram as pizzas e as massas. Os mexicanos enviaram as tortillas, os nachos, os burritos. Os gregos legaram souvlaki, o queijo feta e spanakopita. Os japoneses ensinaram o mundo a comer sushi e sashimi. A lista é grande, praticamente infindável.
O Brasil ainda nao tem tradiçao de algo exportável, em termos de culinária ou hábito alimentar, e que se torne assimilável por outras culturas. Feijoada e churrasco sao os maiores candidatos, mas eles nao se mostram facilmente produzíveis em outro local. Pouca disponibilidade dos ingredientes e cortes específicos de carne restringem a produçao e assimilaçao dos pratos brasileiros. Os pratos de dendê da Bahia ou os quitutes da culinária amazônica, mesmo dentro do Brasil, sao consumidos localmente.
Cada local tem as suas maravilhas, nao dá para fazer comparaçoes. Se as frutas tropicais enchem os olhos de cores e o paladar de sumos, os países frios nos presenteiam com as berries: strawberry (morango), raspberry (framboesa), blueberry (mirtilo ou arando), blackberry (amora), cranberry (oxicoco?!). E as cerejas, que para mim e boa parte da populaçao canadense, sao as rainhas da delícia.
Resta entao aproveitar o que cada local tem de bom. Apesar de adorar cookies, muffins, tourtières (tortas de carne), salmao e berries, ando sonhando com pao de queijo, acarajé, vatapá, coxinha de galinha, empada, beiju recheado, doce de leite, paozinho da Bahia (que em Salvador é chamado de pao delícia). Coisas que saciam o estômago e acariciam o coraçao. Em breve mato a saudade.
A alimentaçao de uma populaçao está relacionada com o clima, o solo, os recursos hídricos e com o transporte. Isto significa que é natural, prático e mais barato que se consuma o que é produzido localmente. Trata-se de aproveitar os recursos naturais sem ter que recorrer ao transporte de longa distância.
A alimentaçao do Canadá é fundamentada na herança inglesa. Entao, como pièces de resistence, encontramos sanduíches, batatas fritas, salsichas, ovos, bacon, tortas de carne. No entanto, a influência dos imigrantes ampliou enormemente a oferta de alimentos, diversificou o cardápio e sofisticou os hábitos alimentares canadenses. Os chineses trouxeram o arroz, o molho de soja, o frango General Tao e todo o seu menu milenar. Os árabes chegaram com o couscous, o tabule, o homus, o pao pita, o falafel. Os italianos adicionaram as pizzas e as massas. Os mexicanos enviaram as tortillas, os nachos, os burritos. Os gregos legaram souvlaki, o queijo feta e spanakopita. Os japoneses ensinaram o mundo a comer sushi e sashimi. A lista é grande, praticamente infindável.
O Brasil ainda nao tem tradiçao de algo exportável, em termos de culinária ou hábito alimentar, e que se torne assimilável por outras culturas. Feijoada e churrasco sao os maiores candidatos, mas eles nao se mostram facilmente produzíveis em outro local. Pouca disponibilidade dos ingredientes e cortes específicos de carne restringem a produçao e assimilaçao dos pratos brasileiros. Os pratos de dendê da Bahia ou os quitutes da culinária amazônica, mesmo dentro do Brasil, sao consumidos localmente.
Cada local tem as suas maravilhas, nao dá para fazer comparaçoes. Se as frutas tropicais enchem os olhos de cores e o paladar de sumos, os países frios nos presenteiam com as berries: strawberry (morango), raspberry (framboesa), blueberry (mirtilo ou arando), blackberry (amora), cranberry (oxicoco?!). E as cerejas, que para mim e boa parte da populaçao canadense, sao as rainhas da delícia.
Resta entao aproveitar o que cada local tem de bom. Apesar de adorar cookies, muffins, tourtières (tortas de carne), salmao e berries, ando sonhando com pao de queijo, acarajé, vatapá, coxinha de galinha, empada, beiju recheado, doce de leite, paozinho da Bahia (que em Salvador é chamado de pao delícia). Coisas que saciam o estômago e acariciam o coraçao. Em breve mato a saudade.
3.5.11
Livros que chegam
O fácil acesso aos livros é uma das coisas mais bacanas no Canadá. A leitura neste país recebe todo tipo de incentivo. Existem bibliotecas confortáveis, onde se pode passar horas lendo ou pegar emprestados livros, CDs e DVDs para levar para casa. Os lançamentos estao disponíveis sem muita fila. As publicaçoes recebem subsídios do governo e os preços sao acessíveis.
Quando eu morava em Montréal vivia pegando livros nas bibliotecas. Existe uma bem grande, com vários andares, um belo prédio de vidro e metal, bem no centro da cidade, a Grande Bibliotèque et Archives Nationales du Québec, com muitos títulos e em várias línguas. Mas eu preferia quase sempre as bibliotecas dos bairros em que morei, pela proximidade e comodidade.
Se por um lado a obrigaçao de ter que devolver o livro após três semanas é uma coisa chata, por outro lado é motivaçao para nao ficar enrolando e terminar logo a leitura.
Aqui em Toronto aconteceu algo diferente. Nunca entrei em uma biblioteca. Aliás, minto. Entrei uma vez na biblioteca central e fiz o cartao de associado. E nao voltei mais. A razao? Nao precisei, os livros vieram até mim.
Um amigo trabalhou em um condomínio e me trouxe vários títulos descartados por moradores. Achei uma caixa cheia de livros para serem doados, na calçada de uma rua vizinha. Ainda escolhi o que queria. O antigo dono tinha bom gosto. Trouxe Ian McEwan, Doris Lessing e Dan Brown para casa, entre outros. Também comprei livros em francês e inglês a um dólar cada em feira beneficente. Os livros chegaram até mim sem prazo para devoluçao!
O resultado é que a prateleira está cheia. E, como a minha velocidade de leitura em inglês ainda nao é muito alta, ainda tenho muitas páginas pela frente.
Quando eu morava em Montréal vivia pegando livros nas bibliotecas. Existe uma bem grande, com vários andares, um belo prédio de vidro e metal, bem no centro da cidade, a Grande Bibliotèque et Archives Nationales du Québec, com muitos títulos e em várias línguas. Mas eu preferia quase sempre as bibliotecas dos bairros em que morei, pela proximidade e comodidade.
Se por um lado a obrigaçao de ter que devolver o livro após três semanas é uma coisa chata, por outro lado é motivaçao para nao ficar enrolando e terminar logo a leitura.
Aqui em Toronto aconteceu algo diferente. Nunca entrei em uma biblioteca. Aliás, minto. Entrei uma vez na biblioteca central e fiz o cartao de associado. E nao voltei mais. A razao? Nao precisei, os livros vieram até mim.
Um amigo trabalhou em um condomínio e me trouxe vários títulos descartados por moradores. Achei uma caixa cheia de livros para serem doados, na calçada de uma rua vizinha. Ainda escolhi o que queria. O antigo dono tinha bom gosto. Trouxe Ian McEwan, Doris Lessing e Dan Brown para casa, entre outros. Também comprei livros em francês e inglês a um dólar cada em feira beneficente. Os livros chegaram até mim sem prazo para devoluçao!
O resultado é que a prateleira está cheia. E, como a minha velocidade de leitura em inglês ainda nao é muito alta, ainda tenho muitas páginas pela frente.