16.3.12

Tempo de sol e bicicleta

O tempo ficou louco no Canadá. Ainda em final de inverno, a temperatura está chegando aos 19 graus. Aproveito o dia bonito para ir de bicicleta para o trabalho. Quase me arrependo de ter comprado o passe mensal do transporte público, mas já o utilizei bastante e vou continuar usando nos dias de chuva. Os turistas já estão aproveitando a cidade, passeando naqueles ônibus de dois andares e sem cobertura, que possibilitam a vista para todos os lados.

Lembro que, na primeira vez em que cheguei a Toronto, era começo de abril, encontrei temperaturas negativas. Ainda no hotel, acordei durante a noite e levantei para ver a neve cair pela janela. Semanas depois, já em Montréal, peguei uma grande tempestade de neve. Estava na aula de francês e o professor, lembro bem, em tom levemente irônico, nos deu as boas-vindas ao clima de Montréal.  Era final de abril, era para ser primavera. Portanto, é com alegria que vejo, no meado de março,  pessoas nos parques de Toronto, caminhando pelas ruas, pedalando. Sorrindo, coisa difícil de ver no inverno. As mesas de bares e cafés estão espalhadas pela calçada, cheias de gente. Ainda há uma temperatura fria o suficiente para não provocar suor, mas com um belo sol. A primavera chegou mais cedo.

O sol vai abrindo espaço no céu da cidade
As bicicletas estão de volta, a todo vapor, isto é, a toda pedalada. Acabei de aquirir uma nova, de cor azul escuro metálico, com uma barra de suspensão branca. A minha antiga, branca e vermelha, com cara de bandeira canadense, foi roubada há alguns meses no estacionamento de bicicletas na entrada do prédio onde moro. Roubo de bicicleta é uma das ocorrências mais comuns no Canadá.  Por aí dá para sentir o gosto dos canadenses pelas duas rodas.

Li uma frase interessante, em um jornal brasileiro, sobre o atual fenômeno das bicicletas, dizendo que se antes o cara moderno queria ter um carro, hoje ele quer se livrar dele. Achei genial, apesar de parecer oportunismo para construir uma imagem de juventude e modernidade em cima de um modismo talvez passageiro. A frase foi dita por um politico que vai trabalhar pedalando, talvez para angariar simpatia. Ele pessoalmente se beneficiou, perdendo quase 15 quilos.

Fiquei pensando se eu tambem não seria modismo que eu estaria seguindo. Mas, não, não mesmo. A bicicleta faz parte da minha história, não é de hoje. Tirando infância e adolescência sobre rodas, comuns a qualquer ser humano, eu ando de camelo desde a década de 90, já adulto e trabalhando. Eu morava em uma cidade pequena e plana, na qual as bicicletas faziam parte da paisagem. E só não ia pedalando ao trabalho por causa do clima quente demais, que me faria chegar transbordando de suor. E sem possibilidade de banho. Já que a bicicleta não era possível, foi para evitar o ônibus que comprei o meu primeiro carro.

O problema do calor e suor excessivo é menor aqui em Toronto. Mesmo durante o verão, salvo uma ou duas semanas de heat wave, canicule ou onda de calor, a temperatura é bem agradável para pedalar pela manhã, para quem mora a uma distância "pedalável" até o trabalho.

12.3.12

Sabores que rodam o mundo

Ainda não foi por agora que a famosa comida da Etiópia passou a fazer parte do rol das minhas experiências gastronômicas. Mais uma vez o tal restaurante estava fechado. Para as férias de março. Eu nunca ouvi falar nessas férias.

Os donos do restaurante não devem ser bons administradores, de acordo com o que li em comentários na internet. Em um deles, a pessoa anotava que o atendimento não era bom, apesar da cozinha "de diamante". Ele dizia ainda que se o restaurante se preparasse para vender comida para levar para casa, como é bem comum por aqui, poderia ganhar uma fortuna. Mas talvez isso faça a diferença do local. O modo slow food. Comida lenta e bem feita. 

Já que a comida etíope estava de férias, talvez tenha ido passear nas suas origens africanas,  fiquei em dúvida entre os galetos assados portugueses - e seus pratos gigantescos - ou a "cozinha caribenha de Pam", que eu já havia provado e aprovado. Fui visitar a simpática madame Pam, originária da Guiana, que se apoderou da cultura do Caribe para ganhar os seus trocados. Tudo bem, a Guiana está ali na beira do Mar do Caribe, faz parte da liga dos países da região, mas será que o Brasil também não poderia requisitar do mercado turístico a sua porção caribenha?  

O pouco lembrado Amapá está ao lado da Guiana francesa, tem um litoral gigantesco, mas, pelo que pude pesquisar, já que nunca andei por aquelas terras, o Estado não incorpora elementos da cultura do Caribe. O prato mais forte é o tacacá, típico da regiao norte. Dominante como a cultura brasileira é, a feijoada e o churrasco devem ser mais comum por lá do que o "jerk chicken" caribenho. O Estado brasileiro que parece mais dialogar com o Caribe é o Maranhão, com a intensa paixão popular pelo reggae jamaicano.

Na cozinha de Pam provei o prato principal da casa: o roti. Uma espécie de crepe recheado com opçoes de carne, frango, camarão ou legumes, com batatas, grão-de-bico e bastante temperado. O sabor do cominho (ou seria curry?) é bem intenso.  Pedi a versao jerk chicken e, como da vez anterior, aquele molho escuro do frango estava delicioso. O "envelope" de roti é muito bem feito, o molho não encharca o invólucro nem vaza.

Era a cara desse da foto. Bom, né?
Fui buscar mais informaçoes sobre o roti. Na verdade é um pão sem fermento, de origem indiana, que recobre o que achei com cara de crepe. As Guianas, tanto inglesa, como holandesa e francesa - isso é algo novo para mim -, receberam muitos imigrantes chineses e indianos. Os sabores indianos passaram a fazer parte da cultura da América do Sul. Então ficou explicado o sabor apimentado e marcante de curry que havia no prato.

Barriga cheia, mas sempre existe espaço para o café e o doce. E, em plena região portuguesa, nada mais imediato do que pensar em pastel de nata, acompanhado pelo café expresso da padaria. Voltei para casa carregando um daqueles sacos de papel marrom cheio de pães portugueses, crocantes por fora e macios por dentro, como os das melhores padarias brasileiras. Mas com um sabor de qualidade portuguesa dificil de copiar.