24.10.13

Agradecendo

Agradeço aos meus antepassados, aos índios, os alvos portugueses, negros, um tal alemao, um francês indecifrável. Agradeço a Deus, a Ogum-azul, cor de céus e mares claros e escuros. Agradeço a Oxalá com a brancura da paz e harmonia. Agradeço à minha família. Agradeço aos meus avós de todos os matizes. Seria difícil tentar lembrar de todo mundo, pois a lista seria longa. Aos amigos que estendem a mao e que tornam a vida mais fácil e alegre. Seria injusto se prosseguisse listando e logo esqueceria alguém. Paro por aqui.

Entre frios e calores, alegrias e as infalíveis dores, mais um ciclo se completa. Neste país de frios e calores extremos. Onde a organizaçao às vezes supera a alegria, no qual a luz faz tanta falta. Nestes rostos compridos e angelicais, bela mistura de índios e brancos, que vem ganhando tons mais escuros com mais gente que vem de longe.

Uma carta no tempo da internet

Querido amigo,


A internet nos trouxe o acesso instantâneo às pessoas que queremos bem. Aos amigos de tempo longo, aqueles que conhecemos desde bem jovens, mas que o tempo e as circunstâncias da vida fizeram afastar. Só por isso já gosto de cara da internet. Acho que hoje nos comunicamos mais do que quando morávamos no mesmo país, mas em cidades e estados diferentes, Bahia e São Paulo, distantes em milhares que quilômetros.

Então por que uma carta em papel? Eu lembro como era bom receber uma delas em casa. Lembro de como as guardava em pastas ou caixas, mantendo-as sem prazo de validade, relutando em jogar fora. Devo ainda ter cartas bem antigas escondidas. Ou talvez tenha me desfeito delas em uma das minhas frequentes mudanças de casa. Antigos amores, aventuras, amigos, viagens. Ficava tudo registrado ali.

A tecnologia ainda vai ter que resolver esse problema. Da falta que faz a emoção de receber uma carta. Ou talvez não resolva nunca. Talvez a alegria de receber pelo correio um envelope com papel manuscrito seja comparável hoje em dia a ler um longo e-mail cheio de novidades ou de ficar ansioso para acessar o Facebook e ver quem comentou ou gostou do nosso comentário. Talvez seja assim mesmo, teremos que aceitar. Uma alegria que talvez não seja tão intensa, mas que talvez seja diluída em pequenas porções diárias de comunicação.

Então, com o auxílio da santa tecnologia, nós já sabemos muito do que se passa um com o outro. Você sabe o que se passa por aqui neste país distante. Talvez eu seja exibido demais e goste de compartilhar em fotos e textos os fatos da minha vida. Ou, pelo menos, o que é publicável! Acho que, de certo modo, me sinto mantendo e fortalecendo vínculos com pessoas que gosto, amigos ou família. Isso é o que mais me motiva.

Sendo assim, você sabê mais ou menos como eu levo a vida. Trabalhando, estudando, cuidando da casa, , escrevendo, lendo, preparando minhas refeiçoes, praticando atividade física, rodando de bicicleta, parando na beira do lago, admirando águas e bosques, aproveitando a noite e o dia da cidade.

Moro no centro de Toronto, em um bairro que tem gente do mundo inteiro. O apartamento é bem confortável e amplo e o prédio é bem administrado. Na minha rua está sendo construída uma ciclovia nos padrões mais avançados do mundo: pista elevada, separada dos veículos. Ela ainda não está pronta, mas já estou aproveitando as partes disponíveis. E pretendo continuar usando-a bastante com minhas duas bicicletas. Uma é tipo montain bike, com pneus largos e amortecedores. É boa para os buracos. A outra tem pneus finos, corpo de alumínio e é bem mais leve. É boa para estradas e pistas de  ciclismo. As distâncias são vencidas com menos esforço com ela.
 
Fico feliz de ver, pelas suas fotos e vídeos, os seus filhos crescendo, a sua dedicação e paixão por eles. Fico feliz por você ter uma pessoa tão legal como companheira. Fico feliz por você ser um profissional tão atuante e capaz. Fico feliz por estarmos todos com saúde. Fico feliz por estarmos sempre nos comunicando e trocando ideias, como se estivéssemos batendo papo e tomando uma cerveja virtual.

Também fico feliz por termos um grupo de amigos  que se querem tão bem, há tanto tempo, e que mantém contato frequente. Acho muito interessante ver que cada um foi para um canto, uma cidade, um país, mas o vínculo não se perdeu.

Saímos todos da nossa cidade, a bela Ilhéus de praias e histórias, para ganhar o mundo, sentindo que ele nos pertencia. Estudamos, fizemos novos amigos na Universidade, trabalhamos. Mais adiante, já na casa dos quarenta, é um privilégio considerarmos ainda como amigos os nossos companheiros de adolescência. E fazermos esforço para estarmos juntos e, quando não é possivel, trocar muitas ideias por vias eletrônicas. É fantástico!

Tudo isso faz diminuir a minha sensação de isolamento em um país de língua estranha. Mas, de certo modo, eu também sou estranho e gosto de falar com estranhos em línguas estranhas. Gosto de aprender e apreciar palavras novas. Gosto de ir ao dicionário para ver o que ele tem a me ensinar.

Sinto muita falta de muita coisa do Brasil. Sinto falta principalmente da gente. Do povo alegre e amistoso, de conversa fácil. Mas também gosto de morar nesta terra organizada e recompensadora, em que as pessoas são menos falantes, são menos enfáticas, são menos cúmplices.  Acho que compenso a necessidade de conversar participando de grupos de trocas linguísticas e de trabalho voluntário. E talvez escrevendo, levando o meu diálogo interior para fora e compartilhando com quem quer que o aceite. Jogando palavras soltas na brisa, esperando que talvez algum dia elas se reúnam.

Amigo, gostaria muito de te encontrar neste final de ano, de tomarmos uma boa cerveja ou vinho. Ando sentindo uma falta enorme da cerveja brasileira, geladíssima e suave. Quem sabe também poderia ser acompanhada de uma daquelas massas maravilhosas aí de São Paulo, a terra que te acolheu e para a qual você e sua querida esposa tanto já contribuíram para o desenvolvimento. Ou poderia ser ao redor de um divino acarajé, o bolinho dourado de deuses e baianos, ou de saborosa moqueca na nossa sublime Bahia.

Se isto não for possível, pelo menos por agora, é o jeito esperar. A alegria da sua família pela casa nova compensa qualquer sacrifício de viagem. Parabéns pela aquisição.

Vou encerrando esta carta, desejando que ela chegue bem até você e que o encontre melhor ainda na companhia dos seus queridos.

Do amigo Danilo.

2.8.13

Explorando os arredores

Port Hope, Ontario, é uma cidade histórica que fica a uns 100 km de Toronto e também na beira do lago Ontario. O centro da cidade é celebrado como o cenário urbano do século 19 mais bem preservado da província de Ontario.

Centro de Port Hope
Saí de Toronto pouco depois do meio-dia. A larga estrada 401 que atravessa a província às vezes nao é suficiente para o tráfego que entra e sai da sua cidade mais populosa. Mas era domingo à tarde, o trânsito estava fácil. A viagem demorou menos de uma hora. A velocidade na estrada é bem superior à do Brasil. Consegue-se manter aos 120 km/h facilmente.  

Port Hope tem a rua principal cheia de cafés, padarias, restaurantes, galerias e lojas, principamente de antiguidades. Postes-floreiras com lâmpadas mantinham suspensos vasos com flores abundantes. Na padaria francesa experimentei quiche de espinafre e queijo de cabra que estava bem gostoso. O café também, inesperadamente, apesar de mantido em garrafa térmica, estava bem bom.

Entre as lojas de antiguidades, fiquei surpreso ao me deparar com uma de artigos chineses. Antiguidades chinesas no Canadá. Explicaram-me como isso acontece. Alguém viaja para a China, garimpa móveis e artigos de decoraçao, embarca as mercadorias em um container e as vende por aqui. Além das quinquilharias industrializadas, a China ainda exporta as suas antiguidades.

Uma outra loja vendia uma porçao de coisas com cara antiga e que nao combinavam entre si, de trajes chineses a porcelana inglesa. Eram roupas, chapéus, talheres, pratos, objetos de decoraçao, pinturas, presentes. Old lady stuff. Coisas de velha senhora. Eu tentava imaginar se seriam objetos usados ou novos. Nao cheguei a uma conclusao. Mais uma vez me explicaram que a cara de bazar confuso era porque a loja, instalada em uma grande casa histórica, era uma espécie de cooperativa. Cada ambiente pertencia a um proprietário diferente, que vendia artigos diferentes. Era uma organizaçao diferente, digamos assim. Dava para perceber. O conjunto nao fazia sentido, nao havia uma identidade. 

Lake Ontario

Quis dar um pulo na beira do lago e me surpreendi com uma praia bem bonita. A grande extensao de água e as ondas faziam parecer bastante com o mar. Casas antigas, próximas ao lago, revelavam a herança da época antes de o Canadá se tornar uma Confederaçao, ou seja, um país, em 1867. Havia uma bela casa de madeira, recentemente pintada em verde-claro, com muitas varandas e janelas, que datava de 1800.

O retorno para casa me fez lembrar os melhores momentos de engarrafamentos "de volta da praia" em qualquer grande cidade brasileira. Provavelmente  muita gente voltando do final de semana na casa de campo. O trajeto demorou o dobro do tempo da ida. 

27.7.13

Pedras soltas


A culpa é das pedras portuguesas. Pedestres do Rio, Salvador e várias outras cidades do Brasil sofrem com essas malditas pedras. Que as calçadas ficam belas, isso é inegável. Os tons formam desenhos que celebrizaram Copacabana, por exemplo.

Tudo bem, mantenham-nas em locais de pouca circulaçao. Em partes de praças, por exemplo. Onde as pessoas possam olhá-las sem precisar andar sobre elas. As pedras portuguesas são um verdadeiro atentado à segurança dos pedestres, dos idosos, dos deficientes físicos. Dos carrinhos de bebê. Até do salto alto!

O calçamento feito com essas pedras exige constante reparação. E dinheiro público. Existem espaços entre elas que vão aumentando, pois elas vão folgando, saindo do lugar em que foram encaixadas. Uma hora uma delas se solta, as demais se afrouxam e o buraco vai aumentando.

Em Salvador chega-se ao cúmulo de colocá-las nas calçadas de prédios luxuosos, por onde passam os carros em direção à garagem. Quase sempre essa parte fica imperfeita, o peso do carro ajuda a bagunçar tudo. Quem sofre é o pedestre.

Bonitas, mas pouco práticas
A praticidade da calçada em concreto retira a graça da imagem formada no chão, com certeza. Mas permite a passagem do trator de neve, do cadeirante, do patinador, do idoso, da dona de casa puxando o cesto de compras (com rodas, claro), do viajante que empurra a mala. Sim, todos eles têm o direito a se mover com segurança pela cidade.

Fora pedras portuguesas! Pedras portuguesas não me representam. Bom tópico para as próximas manifestações. Haha.

Royal baby

Que o nascimento do bebê real britânico provocou a cobertura gigantesca da mídia internacional todo mundo está sabendo. Porém, o que era pra ser uma notícia rápida acaba se tornando uma repetição sem graça, mesmo com as várias "gracinhas" dos súditos canadenses para celebrar o fato: luzes azuis (sim, é um garoto) na Torre CN de Toronto, nas Cataratas de Niágara e onde mais se puder iluminar.

Mas mórbido foi o comentário de uma Tv canadense sobre a possibilidade de coroamento do bebê. Ele nem tem nome mas os meios de comunicação ficam especulando quando ele poderia chegar ao poder. A estimativa foi para em torno de 2060, prevendo que a rainha caia dura em 2019, daqui a seis anos! Charles em mais uns 30 anos e William em uns 50, aproximadamente. O canal colocou no ar uma tabela com data de morte de cada um deles, observando que tinha sido apenas um "cálculo matemático". Se essa estimativa era para ser uma homenagem, melhor que a realeza não veja.

17.1.13

Mudança de clima

Uma onda de frio invade o inverno de Toronto e as sensação térmica desce abaixo de -10C. Mesmo assim, resolvo arriscar e me aventurar a pedalar pela cidade. Sempre tem alguém fazendo isso. O transporte de bicicleta ainda é mais confortável que a lotação do metrô quando está muito frio. Coloquei várias camadas de agasalho e parti rua afora.

É impressionante que, mesmo com todo o frio, depois de alguns minutos de pedalada o suor vem chegando por baixo de tanta proteção: casaco com isolamento térmico, pulôver, camisa e camiseta, mais luvas, touca, proteção para o pescoço e abrigo atlético por baixo da calça.

Cheguei até a academia, fiz a minha sessão e na saída havia uma surpresa: um tapete branco cobrindo o centro da cidade. A neve caía leve em flocos.

E pensar que há uma semana eu estava sob um sol baiano de 32 graus.