30.8.05

Da saúde e da gula

O processo de “desembagulhamento” está avançado. Não tenho faltado à academia e sigo o roteiro de exercícios sem ficar enrolando. As dores nas costas diminuíram, também por ter diminuído o tempo que fico sentado em frente ao computador.

Outro dia - que ninguém é de ferro nem sobrevive fazendo exercícios e fotossíntese -, provei um prato no mínimo diferente: carne de ema. Ema? Sim, aquele bicho que parece uma mini-avestruz. E a carne também é muito semelhante à da avestruz. Vermelha, parece carne de boi. Sabor acentuado, textura bastante macia.

Que o Ibama não saiba das minhas aventuras gastronômicas. Esses animais não estão liberados para a caça e o consumo. Quem conseguiu a carne foi um amigo que tem fazenda. Eu ajudei só no preparo. Não é que ficou bom? Pus o tempero básico: cebola, alho, salsa, azeite. E vinho tinto de boa qualidade para amolecer e dar um sabor bacana.

Para acompanhar, um risoto de cogumelos shimeji com creme de leite, feito com arroz carnaroli, um tipo de arroz arbóreo italiano. O arbóreo é um arroz de grão mais arredondado que o arroz comum no Brasil. Demora para cozinhar, absorve bem o sabor dos temperos e libera amido, tornando o risoto cremoso.

Uma italiana que conheci me disse que o arbóreo é o arroz do dia-a-dia do seu país. Por aqui custa mais caro que o nosso comum, mas vale a pena provar de ver em quando, pois o sabor compensa. Eu adoro a maior parte dos pratos feitos com arroz, seja de que tipo for. O tal do arroz selvagem é que não me seduz. Não vejo nada de saboroso. É apenas diferente. Parece um monte de mini-gravetos.

Para felicidade geral da nação baiana, os cogumelos hiratake (parecidos com os shitake) e shimeji estão sendo produzidos perto de Salvador, em Mata de São João. Na Exporural adquiri duas porções a preços camaradas. Uma de cogumelos frescos hiratake e outras de cogumelos secos shimeji.

Preparei os cogumelos hiratake somente refogados na manteiga com alho. Ficou uma delícia. Os shimeji eu fervi na água para hidratar e pus no risoto. Dando uma passada na cebola e alho antes, é claro, para garantir o sabor.

27.8.05

Hotel Ruanda

É um filme que mostra como o ser humano tem a capacidade de ferir o seu semelhante, de maneira gratuita e ignorante.

Por meio de uma divisão de raças, instituída desde a época dos colonizadores belgas, os habitantes de Ruanda dividem-se em hutus e tutsis. Diferenças “marcantes”, tais como formato do nariz e altura definem as etnias. Vizinhos, casais, colegas de trabalho, de mesma nacionalidade, tornam-se de repente inimigos mortais.

Os hutus e tutsis entram em guerra. Um milhão de pessoas morrem no genocídio, que poderia ter sido minimizado se as tropas da ONU tivessem permanecido no país. Mas os europeus e americanos estavam mais preocupados com os conflitos nos Balcãs, na Europa. Isso não ocorreu há cinqüenta anos. Foi na década passada.

Hotel Ruanda é triste. Triste porque, além de mostrar na tela o sofrimento de uma tragédia, em que vidas foram ceifadas com facões, evoca o sentimento de que nada vale o progresso da humanidade, da ciência e da tecnologia. Os homens ainda vivem como animais.

É um filme que precisava ter sido feito.

Japoneses que vêm e vão

A saga de quatro gerações de japoneses no Brasil, com enfoque em quatro mulheres da mesma família, está presente em Gaijin- Ama-me Como Sou (Brasil, 2005), de Tizuka Yamazaki, que retoma o tema da imigração, iniciado em Gaijin - Caminhos da Liberdade, lançado em 1980.

Com filmagens no Brasil e no Japão, a produção chega às telas com o aval da premiação no Festival de Cinema de Gramado: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Trilha Sonora. Para os padrões brasileiros é uma superprodução: custou quase 11 milhões de reais.

O enredo transcorre do início do século XX, fazendo bela reconstituição da chegada dos imigrantes ao Paraná, até os dias atuais, retratando a ida de dekasseguis ao Japão para trabalhos temporários. O bom roteiro garante duas horas e dez minutos de projeção sem cansaço. O filme está cotado para virar minissérie televisiva, com o aproveitamento do material filmado que não entrou na edição final.

24.8.05

A vida imita a arte

Notícia de telejornal. Uma velhinha de mais de oitenta anos ajudou a capturar traficantes de drogas no Rio de Janeiro, inclusive policiais corruptos envolvidos no crime. De tanto ela presenciar cenas de tráfico e consumo de drogas pela janela do seu apartamento, em Copacabana, ela comprou uma câmera em suaves prestações e passou a filmar a movimentação. A dublê de detetive entregou à polícia as gravações feitas durante vários anos.

Não tem como não lembrar de Fernanda Montenegro em O Outro Lado da Rua. A personagem não tinha o que fazer e ficava espionando a vizinhança de binóculo e colaborando com a polícia, contando tudo o que via. Até encontrar um senhor pelo qual se apaixona.

Pela inspiração para o filme, e agora pela notícia da TV, fica comprovado: as velhinhas de Copacabana são todas espiãs.

21.8.05

Perseguições e rock'n'roll

Um traficante de drogas (Daniel Craig), cujo nome nunca é dito, conquistou cedo a sua fortuna e pretende se aposentar. Antes de se afastar das atividades, ele precisa realizar favores a Jimmy Price (Kenneth Cranham), um chefão do crime, que inclui a venda de um carregamento de ecstasy, a droga do amor. Ele vai perceber que não é fácil conseguir a aposentadoria.

Gângsters, traficantes de drogas, assassinos e terroristas sérvios. Os personagens vão se multiplicando e as tramas vão se desenrolando em Nem Tudo é o que Parece (Layer Cake, Inglaterra, 2004), do diretor britânico Matthew Vaughn, o que exige atenção do espectador para identificar quem é quem na história.

Vaughn, que também é produtor dos filmes de Guy Ritchie, o marido de Madonna, montou uma narrativa ágil, com perseguições, flertes, festas, trapaças, tudo embalado por temas de rock'n'roll. Não falta o fino, sutil e irônico humor dos britânicos.

18.8.05

M. Blog

No começo eram poucos. Hoje se multiplicam mais que piolho em cabeça de criança. Mas, diferentes das minúsculas e chatas criaturas chupadoras do sangue alheio, eles são bem-vindos. São os blogueiros.

O exercício de escrita que os blogs possibilitam é fantástico. Dá para perceber como as pessoas que escrevem com freqüência vêm melhorando os seus textos. Nessa turma, eu também me incluo. Quanta modéstia...

Há algum tempo, havia poucas opções de qualidade para ler. Hoje, a produção anda cada vez maior e melhor. Mal consigo acompanhar as atualizações daqueles que estão linkados aí do lado, que dirá fazer comentários. Com linha discada é impossível. O técnico esteve em minha casa, mas não conseguiu instalar a banda larga. Para que a alta tecnologia me alcance, terei que trocar toda a fiação do telefone. Tentei até acesso via rádio, mas era mais caro e de menor velocidade.

Fico imaginando o que resultará dos blogs daqui a alguns anos. A listagem dos dez mais. O blog mais antigo da Internet em funcionamento. O mais visitado. O que tem maior número de posts. Miss e Mister blog. E outras babaquices do tipo.

15.8.05

Problema antigo

A peça A Invasão, de Dias Gomes, está em cartaz até o próximo final de semana na Escola de Teatro, no Canela. A encenação é o resultado de disciplina de conclusão de graduação de alguns atores.

O texto, encenado pela primeira vez em 1962, é atualíssimo. Segundo a sinopse dos jornais “trata da ocupação de um prédio por um grupo de sem-teto”. Ao ler isso, pensei que se tratava de uma releitura, uma adaptação de texto aos acontecimentos dos nossos dias. Que nada. É o texto original.

Os sem-teto e suas ocupações são um nó mais antigo do que eu imaginava. Dias Gomes elaborou um texto muito bacana, com vários personagens, quase uma novela. Há momentos de emoção nas famílias que passam a morar na invasão, seja fugindo da seca ou da pobreza, com as poucas opções que lhes restam na vida. Há ataques dos policiais que querem retirar os invasores. Há o político que aproveita para exercer a demagogia e ganhar votos. Há o intermediário que cobra aluguel dos sem-teto. Há o malandro que sonha ficar rico cantando. Há o louco que se acredita profeta visionário.

Todos esses personagens, freqüentes nos imóveis ocupados e nos jornais da atualidade, já existiam antes do golpe de 64 e da ditadura. Nada foi resolvido. Há poucos dias, o Caderno 10 de A Tarde, voltado ao público juvenil, publicou uma reportagem muito interessante, na qual traçava perfis de moradores jovens dos prédios invadidos.

A dureza é pensar que, em um país que se enriquece mais a cada dia, a situação permanece idêntica, com o agravante de presenciarmos a ruína das esperanças políticas.

A direção de A Invasão é de Harildo Déda. No elenco, alguns destaques promissores. Outros, menos eloqüentes.

13.8.05

Puxando ferro

Depois de muito enrolar, resolvo entrar em uma academia para fazer musculação. E lá fui eu, há mais de seis anos sem fazer exercícios regulares. Achei que não ia conseguir andar no dia seguinte. Não é que os alongamentos que eu vinha fazendo em casa, para me poupar de dores nas articulações e nas costas, faziam realmente efeito? Não senti quase nada de dor muscular depois dos exercícios com pesos.

Em nossa pobre mente ocidental, só acreditamos que estão “em forma” aqueles que praticam esporte ou freqüentam academias. De certa forma somos céticos sobre o poder dos exercícios de ritmo mais lento.

Eu sempre gostei de me exercitar, mas parei depois de iniciar processo psicanalítico, baseado em uma linha de “desbloqueio das couraças” de energia corporal. Um processo muito legal que, além do bem-estar emocional, me fez melhorar a postura física. Percebo que depois que o trabalho foi encerrado, relutei em voltar a pegar peso, mesmo que não seja em grande quantidade. O tempo passou, o corpo começou a reclamar.

Como primeiros efeitos da malhação, tenho sentido melhora das dores nas costas. Acho que os músculos precisavam mesmo de fortalecimento. Eu cheguei a ponto de evitar ficar sentado na frente do computador por muito tempo. Agora estou de volta ao vício. Hehehehe.

10.8.05

A dor e a beleza

Andar de ônibus em Salvador é sempre uma viagem. Nos dois sentidos, o do deslocamento e o da constatação que sempre ocorrem fatos inusitados, às vezes bizarros, às vezes de beleza arrebatadora das pessoas, ruas, encostas e águas, que atravessa os vidros das janelas e fecunda a mente do viajante.

Os vendedores estão com entrada restrita nos ônibus. De cara, há o aviso que proíbe a carona. Mas eles não são os que mais incomodam os passageiros. O mais estranho - e incômodo – é a fauna bizarra de loucos, de físico doente ou não. Tipos que freqüentam sempre gratuitamente os ônibus, amparados pela bondade dos motoristas.

Eta gente que sofre, passageiros e caronistas. A população da cidade parece pagar por pecados cometidos por não se sabe quem. Salvador é a única, entre as grandes cidades brasileiras, a não contar com um mísero quilômetro de metrô, há séculos presente em outros países e cidades. As pessoas vivem indefesas de um lado para o outro sacolejando em ônibus velhos e desconfortáveis.

O que alivia é a beleza da orla marítima, que faz o passeio de ônibus trazer o brilho do mar para os olhos. Em inverno suave, há o sol que se arrisca de longe com a brisa fresca. O cheiro do acarajé que se dissolve nas esquinas. A beleza do povo que caminha sentindo o cheiro do sal e dos mariscos. Os pescadores que puxam juntos o barco do mar, como se fosse uma lança. O berço da tradição da cidade que reduz a pressa dos carros. A claridade que quase ofusca a preguiça que o calor traz. Bem-estar das cores. A orla da cidade.

7.8.05

Comédia de megera

Quem se casa, casa também com a família do noivo ou da noiva. A máxima é bastante conhecida. A surpresa de Charlotte (Jennifer Lopez) é constatar que a futura sogra é pior do que se poderia imaginar. A Sogra (Monster-in-law, EUA, 2005) marca o retorno de Jane Fonda, ganhadora de dois Oscars, depois de quinze anos afastada das telas do cinema.

É da atriz veterana o papel de Viola, uma famosa jornalista da TV que acaba de perder o emprego – e não quer perder o filho, o médico Kevin, para Charlotte, uma moça simples que tem emprego temporário e faz bicos para ganhar a vida, inclusive passear com cachorros.

Está instalado o duelo entre a futura noiva e a sogra, com direito a pirraças de alto requinte. Em uma comédia romântica com bom texto, Jane Fonda rouba o espetáculo na pele da megera cômica. Alguns críticos americanos acharam que ela merecia um papel melhor, talvez mais dramático e denso. Independente disso, o público aprecia o filme e dá boas gargalhadas.

2.8.05

Gato de rua

Enquanto teclo em frente ao computador, a gatinha Kika suavemente pula em meu colo. Ela não pode me ver sentado, seja lendo ou escrevendo, que vem logo se aconchegando em busca de afagos. O gato Ronrom fica olhando, sempre ressabiado – e com ciúme. Antes eu achava que ele tinha ciúme da atenção que eu dispenso a ela. Mas outro dia percebi que ele não gosta é que ela o veja também pedindo afagos a mim. Acho que ele tem vergonha.

Enquanto eu não tinha animal de estimação, não ligava para os bichos de rua. Cachorros e gatos, soltos por aí, não me diziam nada. Depois que os gatos chegaram a minha casa, não posso ver um passeando perdido pela rua, que tenho vontade de trazê-lo para dentro de casa. Vontade contida mais do que rapidamente, por algum lapso de bom-senso.

Outro dia eu vinha subindo a rua em que moro, uma ladeira de inclinação não muito acentuada. Era início da noite, a iluminação já vinha dos postes. De repente vi um bicho que parecia um rato, tinha o tamanho de um enorme. Era cinzento feito uma enorme ratazana. Rato que nada, era um filhote de gato com um palmo de comprimento. O bichinho ficava pra lá e pra cá seguindo os passantes, especialmente aqueles que vinham com sacolas do mercado, que fica logo ali bem próximo. Ele estava com fome, procurava comida.

Me deu uma dó danada e por alguns instantes pensei em trazê-lo para casa. Ele parecia ter se desgarrado da mãe há pouco tempo. Talvez ainda estivesse se alimentando à base de leite. Eu me contive e vi que não poderia cometer uma loucura daquelas. Já tenho dois em casa. Havia um senhor ali por perto que não conseguia esconder a sua vontade de também levar o bichinho para casa. Mas ele também aparentava notar a impossibilidade de fazer um ato tão ousado. Parecia ter mais medo de tomar uma vassourada da patroa. Com gato e tudo.

Já pensou se todo mundo resolvesse levar gato de rua para casa? Não ia sobrar um gato passeador. Que seria dos vendedores de churrasquinho durante o Carnaval? E dos clientes, foliões famintos? O consumo durante a festa deve ser a única explicação pela qual não há milhares de gatos espalhados pelas ruas. Os bichanos se reproduzem em uma velocidade espantosa.

1.8.05

Caro leitor

O tempo ausente é reflexo de certa impaciência e secura criativa que assola os meus dias. O que anda acontecendo, não sei dizer. Não tenho tido paciência para ler livros ou mesmo grandes reportagens. Que dirá elaborar textos. O tempo parece estar exigindo de mim mais atenção aos cuidados com o corpo e a saúde. A energia precisa descer do plano mental para cansativamente ser gasta em exercícios físicos que se transformarão em saúde.

Preciso malhar! Mais do que uma questão estética, é pela saúde.

(Tô falando isso para ver se me convenço)