30.3.09

Na primavera

No sábado foi o aniversário da minha nova amiga de infância, a turca Buse. O nome dela faria qualquer brasileiro, povo sempre tirado a engraçadinho, soltar alguma piada. Lá fomos nós, em uma turma de umas 8 pessoas, tomar umas cervejas em um boteco da rua Prince Arthur, perto da esquina com a Saint-Laurent.

Depois que eu apresentei para ela a cerveja branca, essa é sempre a nossa primeira opção. Uma delícia, a cerveja branca leva trigo na composição e é opaca, como se tivesse sólidos em suspensão. Nossa, essa expressão eu tirei do baú, mais precisamente da época da engenharia química. Sim, além de jornalista, eu também sou engenheiro, apesar de nunca ter exercido essa profissão. Mas, como o universo tem lá os seus segredos, quinze anos depois de muito esforço para obtenção do diploma - isso foi em 93 -, chego eu de mala e cuia no Canadá. Graças ao certificado da velha Escola Politécnica da Ufba.

Então, depois da cerveja branca fomos dar uma caminhada pela Saint-Laurent. Primavera chegou, frio começa a partir, é possível passear pelas calçadas e ruas. As pessoas devolvem ao armário os grossos casacos de expedição polar e de lá tiram os casacos de meia-estação. Em cada 10 pessoas, umas 6 estavam usando jaquetas de couro ou imitação.

Resolvemos entrar em um bar-boate, o Tokyo. Interessante, havia um espaço aberto no fundo, para os fumantes e para os que gostam de ar livre. O tempo ainda está frio, então são colocados alguns aquecedores em forma de poste com chapéu. Explico. É uma espécie de aquecedor a gás, como se fosse uma boca de fogão, mas revestida por uma tela e com uma cúpula para o calor descer. Dá uma boa ajuda para melhorar o clima.

Som meio chatinho, praticamente só hip hop e algumas coisas empoeiradas dos anos 80 (até Thriller, de Michael Jackson). Público bem jovem e mix. É interessante ver como a nova geração de Montréal é misturada. Nada muito branco. Muitos árabes, vários latinos, alguns negros. A cor branca-loura canadense, fundadora desta nação, daqui a algumas gerações, vai ser minoria.

27.3.09

Dia-a-dia

O curso segue, os professores têm elogiado a turma. É interessante ouvir isso. Nunca havia passado por essa experiência, de ter professores que se derramam em elogios. Eu atribuo uma boa parte deste sucesso ao fato de que vários alunos já tem experiência profissional (e idade!), o que os torna, talvez, mais concentrados e dispostos. Não sei se é bem isso, ou se será uma boa conjunção astral, o fato é que está sendo bem proveitoso.

Estou fazendo o processo inverso. Voltei a estudar coisas que sabia na prática, mas que nunca havia estudado na teoria. Normalmente é o contrário, não é? Bom, além de qualificação técnica, percebo que a minha compreensão do sotaque local melhora a cada dia. Consigo entender as piadas e os diálogos dos demais, o que não acontecia há uns dois meses. Mas, ainda assim, é um grande esforço entender a língua e absorver os novos conhecimentos.

A professora de redação técnica em francês me elogiou, disse que já estou escrevendo melhor do que muitos canadenses. Ela disse (não a mim, um colega me contou) que eu me preocupo em utilisar termos, digamos, não usuais, mais elaborados. E ainda isse que é um prazer me ter como aluno. Eta que o ego foi lá para cima, não consegui segurar a satisfação de ouvir tudo isso.

Para continuar melhorando o meu francês, estou tentando fazer uma rotina de leitura. Além do que li quando estava o Brasil, estou no segundo livro de Nelly Arcan (tem um link aí do lado), escritora que tem uma coluna no jornal semanal Ici. Mulher moderna e liberada, ela não tem receio de abordar temas picantes, inclusive na mídia impressa.

Um fato bacana é que ela retrata o bairro em que estou morando, o Plateau Mont-Royal. Ela cita inclusive nomes de ruas, bares, academia de ginástica, cafés. O trabalho dela é interessante para entender - ou ao menos conhecer mais - a cabeça das pessoas de Montréal e ficar atento ao que se passa.

Biblioteca do Plateau

Acabei de pegar o livro na biblioteca do "arrondissement", ou seja, do bairro. Ela fica na saída do mêtro, no caminho de casa. Fiz isso sem pagar nada, com direito a ficar com ele durante três semanas. Coisas boas da vida nesta cidade.

Sempre há boas opções, além de baratas, nas livrarias dos usados. Mas, como não tenho onde colocar mais nada, descobri que prefiro não comprar livros. Só pegar emprestado. Economizo grana, reciclo, colaboro para diminuir a poluição do mundo e não junto tralhas.

21.3.09

Pequenos pedaços de aprendizagem

Datas, fotos, pessoas, saudade, emoção. Folhear a vida. O filme que passa à frente, que desperta tempos que não voltam. Alegria que nasce do chão, da energia que contamina. Quanto de importância havia nisso e não foi reconhecida. Ou foi. Tudo teve o seu lugar, o seu instante. Lições que garantiram uma longa aprendizagem, nem sempre agradável, nem sempre tolerável, nem sempre feita com paciência. Um tanto de birra, um tanto de intolerância, outro tanto de comodismo, mais um pouco de receio do porvir.

A beleza da doação ficou na estrada. Ela precisa ser retomada. Em cânticos, em danças, em pedaços de frases, em letras, em atos. Aos poucos o rumo se apruma. Os seres encantados fizeram parte do pedaço mais viçoso da estrada.

18.3.09

O gelo começa a derreter

Caminhando para os noves meses no Canadá. O tempo passa rápido. A primavera vem chegando, mas neste ano, felizmente, a temperatura começou a subir um pouco antes do período normal. O termômetro já chegou a nove graus. É quase verão para o povo daqui.



E é mesmo uma bela época. Os pássaros iniciam o retorno do exílio em terras quentes, os pombos voltam a invadir as praças e os esquilos saem da toca para procurar comida. Por outro lado, o gelo derrete e tudo que ficou por baixo, coberto pela capa branca das camadas de neve, começa a aparecer. Milhares de tocos de cigarro, cocô e xixi de cachorro congelado, pedaços de papel, plástico e tudo mais que as pessoas costumam "esquecer" nas calçadas e ruas.

Andar na rua fica menos cansativo. Caminhar na neve lembra um pouco o esforço de caminhar na areia fofa da praia. Até o barulho é parecido. E também fica menos perigoso, pois o risco de escorregar diminui.

A neve cai, branca e bela. A temperatura sobe acima de zero, vem a chuva. Forma-se uma camada de gelo, liso e escorregadio como um cubo de gelo dentro do copo de uísque. Para prevenir os tombos, a Prefeitura espalha pelas calçadas um cascalho bem fino. As pessoas mais idosas colocam uma proteção anti-derrapante no sapato.

A partir do zero grau, sem chuva, é possível caminhar na rua sem sentir a pele ardendo por conta do frio. Abaixo de -15, ninguém se anima sequer a sair de casa para comprar o jornal ou tomar um café. Menos de -20, a televisão recomenda que as pessoas evitem de sair de casa. Pois, com o auxílio precioso do vento, a sensação térmica pode chegar a -30 graus. Isto quer dizer que mesmo que o termômetro esteja indicando -20, mas você vai sentir um frio de -30 na pele. É hora de ficar no conforto de casa.



Uma proposta da cidade para esquentar o clima foi a Igloofest, uma festa de música eletrônica, ao ar livre, no velho porto, à beira do rio Saint-Laurent congelado. Bom som, música de qualidade, esculturas de gelo, iluminação feérica. Uma grande fila para entrar, consolada por uma estratégica garrafinha de rum no bolso. E muito frio, que tira bastante do prazer de estar em uma festa. Mesmo assim, as pessoas adoram.

Resumo da ópera: a neve é linda, mas o frio muito frio tira a vontade de sair de casa. No entanto, os quebecois, os valentes habitantes desta terra inóspita, não deixam por menos. É a hora dos esportes de inverno.

Preparando para descer a ladeira

Ski, patinação no gelo, motoneige (moto que desliza sobre a neve), glisser. Glisser significa deslizar na montanha, seja com o auxílio de um trenó ou uma prancha. Mas também vale tudo, até papelão e cartaz de propaganda política, que aqui são feitos de plástico. As crianças, de todas as idades, adoram. Os parques que possuem elevações ficam cheios.

Os ônibus e o metrô ficam mais apertados, pois, além de mais utilizados para evitar o frio, os passageiros aumentam de volume. Os grossos casacos e as várias camadas de roupa fazem qualquer pessoa ter uma silhueta de botijão de gás. Ainda assim, existem coisas interessantes no transporte público durante o inverno. De vez em quando é possível ver, em pleno metrô, uma senhora distinta portando uma estola ou casaco de pele. Sem medo de ser assaltada.

Como a neve chegou mais cedo - no final de outubro de 2008 ela já dava as caras - também está indo embora mais cedo. Diferente de 2007, quando estive no Canadá pela primeira vez. Naquela época, em abril, o inverno estava atrasado e a neve ainda estava bem presente. Agora, com a proximidade da chegada da primavera, espero que as folhas voltem logo. As árvores, fora os bravos pinheiros, continuam todas peladas.