27.4.10

Andanças

Dia de sol, passeio pelo Parc Lafontaine. Fotos em preto e branco, como se fossem registro do que está por se tornar passado. Muita gente estendida nos gramados, os personagens se multiplicam. Os loucos itinerantes estão lá, com suas guitarras desafinadas. As bicicletas se espalham por todos os espaços. A cidade é realmente um vila histórica de ciclistas. Fotógrafos de fim de semana buscam os seus modelos e os seus objetos.

O percurso segue pela rua Rachel, no coração do Plateau Mont-Royal e do Pequeno Portugal. Pausa na padaria para um soberbo pastel de nata. Essa iguaria é conhecida no Brasil como pastel de Belém, talvez porque uma padaria centenária de Portugal, que também tem o nome de Belém, produza os melhores exemplares do divino doce.

Mais adiante, há outra padaria com uma fila imensa. Fiquei curioso e reparei, pelas vidraças, que em todas as mesas havia o mesmo prato. Esse comércio se adaptou ao gosto local, adicionando ao frango assado português as batatas fritas norte-americanas. As caixas térmicas, para comer no local ou levar para casa, são sucesso e mantêm a casa cheia.

Chega a rua Coloniale. Lembro de Nely Arcand, a escritora que morava por alí e que se suicidou há pouco tempo. Pelos seus livros, pude entender um tanto do que se passa na cabeça das pessoas de Montréal. Compreender um tanto dos jovens profissionais, artistas, atores, músicos e comunicadores que habitam e circulam pelo Plateau Mont-Royal. A morte dela foi uma grande perda para a cultura do Québec.

Passo pela praça de Portugal e vejo, na vidraça do café luxuoso que fica em frente, um cartaz da Copa do Mundo 2010. Gostaria de ver essa festa, especialmente se o Brasil ficar em boa colocação. É a hora em que as bandeiras das nações que compõem o Canadá se desvelam. É o tempo em que americanos do sul e do centro se reúnem em torno time que melhor os representem. Talvez não esteja na cidade para ver o movimento e isso me trouxe uma ponta de tristeza.

A minha destinação fica no mesmo lado da calçada, o Les Bobards. Minha amiga Gabrielle, co-organizadora do evento que vai reunir gente que fala português, espanhol e francês, já está na mesa onde tradicionalmente nos reunimos. Ela havia chegado cedo, saiu do trabalho direto para o bar. Ela rabiscava alguma coisa em um pedaço de papel. Seu espírito criativo estava a falar, acho que eu interrompi. Começamos a falar em francês para a seguir mudar para o português. Minutos depois as pessoas começam a chegar. Adicionar o espanhol ao encontro atraiu muita gente.

No clima

Quase na metade da primavera, cai chuva e neve em Montréal. Aff.

19.4.10

A força da palavra

Há vários anos, eu trabalhei em uma cidade do interior da Bahia. Meu primeiro emprego, eu estava feliz da vida em trocar a vida da cidade grande, no litoral, por uma cidade distante, perdida no mapa e sem praias.

Fiz vários amigos, as pessoas daquela cidade me surpreenderam pela simpatia e facilidade de fazer a aproximação. Vários conservo até hoje, me comunicando à distância, via MSN, Orkut, ou qualquer outra facilidade da informática.

Ontem conversava com um dos melhores amigos que fiz naquela época. E ouvi - quero dizer, li - pela tela do computador, coisas que não imaginava.

Ele atualmente possui uma lan house na cidade e possui a sua graduação e pós-graduação em uma Faculade local. Ele me disse que devia tudo a mim. Fiquei surpreso e perguntei por que ele atribuía isso à minha pessoa.

Ele me disse que eu o havia incentivado a estudar. Na época eu ensinava inglês na cidade e estava mais consciente do que nunca do valor da educação. Eu notava que ele era um rapaz inteligente e trabalhador, mas tinha uma deficiência enorme, principalmente em português, fruto do ensino deficiente da rede pública na cidade.

Eu disse que ele deveria investir nele e estudar mais, que ele era inteligente, que ele era capaz. Na época, ele me disse que não era preciso, que tinha um bom emprego, e que, pelos padrões da sua família, ele já havia conseguido muito, pois entre os seus pais e irmãos, ninguém havia estudado muito.

O tempo passou, mudei de cidade, a gente continuou a amizade. O rapaz acabou por perder o seu emprego, mas nunca ficou parado, sempre se virou bem. Foi a época em que veio a febre da instalação das universades particlulares pelo país adentro. A cidade já possuía universidade pública estadual, mas outras particulares se instalaram.

Ele decidiu voltar a estudar e entrou na Faculade de Administração. A cabeça se abriu mais e ele resolveu ser empreendedor. Com o dinheiro dos seus empregos anteriores, comprou alguns computadores, reformou a garagem da casa herdada dos pais - e compartilhada com os irmãos - e montou uma lan house. A localização da casa, no centro da cidade, ajudou para o sucesso do empreendimento.

Ele concluiu o curso e, não satisfeito, fez ainda uma pós-graduação. A sua pequena empresa vai bem, ele já montou uma casa para sua filha e a colocou em uma escola particular. Agora ele está pensando em estudar inglês para que, quem sabe, eu não duvido nada, ele possa fazer um mestrado.

Pela comunicação via MSN eu pude comprovar que o português do meu amigo melhorou de forma impressionante. Eu disse a ele que eu não tinha nenhuma responsabilidade no seu sucesso, que tudo era resultado do seu esforço. Mas ele insistiu que as palavras que eu tinha lhe dito fizeram mais sentido do que eu imaginava. Ele me disse que as palavras de encorajamento que a gente diz para uma pessoa ficam sempre marcadas na memória. Ele me disse ainda que, quando se deparava com dificuldade nos estudos, ele lembrava sempre: "não posso decepcionar o meu amigo, ele confia em mim". Confesso que fiquei alguns instantes sem respirar, com as lágrimas insistindo nos meus olhos.

E, para completar, ele disse que convenceu duas de suas irmãs a estudar. Elas agora também estão fazendo cursos superiores. Eu disse a ele que isso era resultado do círculo virtuoso da educação. Eu ganhei o dia.

7.4.10

Boulettes

Hoje Montréal amanheceu cinzenta e chuvosa. Peguei chuva nos cinco minutos - que pareciam uma eternidade - de caminhada da estaçao do metro até o meu destino. O guarda-chuva nao foi suficiente e fiquei com as canelas ensopadas.

O Canada sempre me traz novidades climáticas. No meu trajeto na chuva, vi pequenas bolas brancas se mexendo no chao. Pequenas e redondinhas, misturadas com as gotas de chuva que salpicavam a calçada. Meio lento como sou, início de manha, nao entendi nada, quase achei que era alucinaçao. Elas pareciam bolinhas de isopor. Depois percebi que elas vinham do céu e que o barulho da chuva estava mais forte sobre o meu guarda-chuva. Granizo!

2.4.10

Verde

Início de abril e a temperatura chega a 25 graus em Montréal. Melhor acolhida impossível para os turistas que vieram aproveitar o feriado de Páscoa. A cidade está em clima de festa. E pensar que, em abril de 2007, primeira vez no Canadá, as temperaturas estavam abaixo de zero. Algo está realmente acontecendo no planeta Terra. A neve demorou de chegar, só apareceu no final de dezembro e foi embora antes de março começar.

No parque Lafontaine a temperatura de 25 graus convive com as últimas barras de gelo que vão derretendo. Os patos saíram da toca e nadam pelas poças do grande lago, que só estará cheio quando o tempo se firmar.

As árvores começam a reviver e plantas vão brotando, mas ninguém espera. Todo mundo já está com a toalha, cobertor ou esteira estendida no que deveria ser um gramado, mas ainda é apenas terra e raízes. O verde brilhante da grama ainda está por aparecer.

Gente fingindo que está lendo um livro, mas está mais interessada no movimento. Gente jovem reunida em torno de garrafas de cerveja e vinho, devidamente escondidas em sacos de papel e mochilas. Restos de sanduíche fazendo a alegria dos esquilos. Gente jogando cartas, gente jogando jogos orientais, gente namorando, gente batucando, gente tocando violão. É primavera, n'est-ce pas?