30.7.04

Da dificuldade de escrever

Escrever não é fácil. A gente começa arrumando umas palavrinhas bestas, escrevendo do jeito que se fala, tentando explicar aquilo que está sentindo. Depois vai lendo mais livros, vai melhorando o vocabulário e o estilo e pimba! Acha que já domina tudo, que qualquer coisa é possível no texto, que faz e acontece.

Que nada. Escrever é uma ralação danada. O pior de tudo é que escrever livremente nunca é considerado um trabalho. As pessoas perguntam: "Você ganha para escrever?". À resposta negativa se associa uma imagem que a escrita é só diversão, algo que não toma tempo nem energia. Como se fosse um passatempo. É o mais puro engano.

Em nosso país, o que acontece é que várias pessoas trabalham de graça, sim. Desde os trabalhadores-escravos das fazendas do nordeste até atores, cantores, escritores, que fazem um monte de coisa "em nome da arte", ou seja, sem ganhar quase nada. Atores precisam dar aulas de teatro para poderem encenar suas peças de pouco público. Cantores e músicos ganham um quase-nada em bares. Escritores publicam gratuitamente na internet. Pintores têm muita dificuldade em comprar material para novos trabalhos.

A vantagem em relação ao trabalho escravo é o prazer que se sente em realizar a obra. O que é uma grande coisa.
Botticelli

Detalhe
Do jornalismo cultural

Depois de cursar uma faculdade de Jornalismo, percebo que uma das atividades mais difíceis é a crítica cultural bem-feita. Trata-se de tentar exprimir uma idéia, tentando decifrar aquilo que foi visto, lido ou ouvido. Á facilidade de não ter que sair em busca das fontes, para fazer uma investigação, contrapõe-se a necessidade de embasamento teórico - pelo menos de boa quantidade de informações - e uma certa sensibilidade ou aproximação do tema.

O jornalista que trabalha com fatos e notícias tem, a depender da situação, dificuldade de obter dados sobre um assunto. Mas, quando consegue, e por ter fatos concretos à sua frente, a escrita, quase sempre em forma de narrativa, tem mais facilidade.

Já a crítica cultural tem que varrer todos os aspectos apresentados pelos produto cultural, tem que relacionar esses aspectos com a atualidade e relacionar o produto cultural com outros eventos semelhantes, para não ser acusado de meramente opinativo. É muito fácil cair no achismo do "gostei" ou "não gostei".

Se não me falha a memória, acho que foi João Ubaldo Ribeiro que relatou em uma de suas crônicas que morre de medo de fazer crítica literária. Tem receio de fazer mau juízo e prejudicar a carreira de alguém. Olha que responsa...

29.7.04

Alerta

Caramba. Um amigo meu foi assaltado em plena luz do dia nas escadarias de um edifício comercial de grande movimentação: o Fundação Politécnica, na avenida Sete, centro da cidade. Ele havia ido ao dentista, o elevador estava demorando de chegar, ele achou que estivesse quebrado e resolveu descer pelas escadas. Foi abordado por dois rapazes que portavam um revólver. Os assaltantes levaram relógio, celular e o dinheiro que estava na carteira.

O meu amigo ainda teve o bom senso - e a coragem - de negociar com os ladrões. Ele pediu para que não levassem os documentos que estavam na carteira. E não deixou que carregassem o seu tênis, que não era lá grande coisa, segundo ele. Disse que não ia ficar andando de pé no chão pelo centro da cidade. Nada como já ter tido a experiência de ter sido assaltado outras vezes, se é que isso vale alguma coisa. Os ladrões procuravam avidamente por algum cartão de crédito. Não encontraram, deixaram a carteira jogada alguns andares mais abaixo.

Os ladrões ainda queriam levar as chaves do carro, no que foram alertados pelo meu amigo: "Tem seguro". A explicação - eu não sabia disso - é que as seguradoras financiam as buscas da polícia de carros roubados. Acho que os assaltantes já sabiam disso. A procura por cartão de crédito deve ter sido para chegar na loja mais próxima e comprar um tênis novo, desses caríssimos que poucos dos trabalhadores assalariados andam ousando comprar. Não acredito que esses fdps passem fome em casa. Podem até já ter passado, mas quem tem energia para andar empunhando um revólver para cima e para baixo, com certeza tem capacidade para trabalhar, não tem desculpa para roubar.

É esse o nosso pacífico e cordial país. Cuidado ao andar no centro da cidade.

28.7.04

Explicando
Vou traduzir a receita do post do dia 24.07. Inventei de preparar um sarapatel de carneiro. O sarapatel é tradicionalmente feito com os miúdos do porco, mas o de carneiro também é excepcional, fica mais leve. Encontrei no mercado um kit congelado, do frigorífico Baby Bode, com os pedaços já limpos e cortados. Foi o suficiente para dar me coragem para o preparo, já que as etapas mais chatas, de limpeza e corte, estavam vencidas.

Recorri aos meus livros de receitas de cozinha baiana, que venho comprando desde o trabalho de conclusão de curso, que versou sobre o assunto. Encontrei quatro modos de preparado, relativamente parecidos. O que sempre acontece nessas situações, tomo a receita como um roteiro prévio, sigo alguns passos, mas acabo preparando ao meu modo.

Lá fui eu. Primeiro, lavei o sarapatel com bastante limão. O sangue veio separado, dentro de um saquinho plástico. Tudo organizado. Cortei os temperos, refoguei, adicionei os pedaços dos sarapatel, coloquei o vinagre necessário e pus o restante dos temperos. Achei que passei da conta no vinagre. Na próxima vez, menos.

Pus na panela de pressão, "só prá ver se eu cozinho mais depressa", como diz aquela música fajuta. Mesmo assim, demorou um tempão para cozinhar. Acho que em uma panela comum o sarapatel demoraria quase duas horas para amaciar.

O resultado foi ficando bom. Servi pequenas porções, fiz pequenos pratos, para ir provando aos poucos, acompanhado de farinha de mandioca. Cada hora que experimentava, pensava: "Ainda precisa cozinhar mais um pouco para ficar macio". Mais cozimento, mais um pratinho, experimentava novamente. "Só mais um pouco". Não deu tempo de cozinhar até o ponto ideal. Devorei tudo antes.

Antes que me achem com cara de glutão em excesso, a quantidade do sarapatel não era tão grande assim e ainda houve comensais adicionais, como sempre ocorre nessas ocasiões. Eles vêm flutuando pelos ares e se aproximando por causa do cheiro.

27.7.04


Filme-bomba
Nunca, na história do cinema, um filme teve tanto peso político como o documentário Fahrenheit 11 de Setembro (Fahrenheit 9/11, EUA, 2004), do cineasta e escritor americano Michael Moore (www.michaelmoore.com), que estréia em todo o país esta semana. O filme poderá ter importância decisiva na reeleição ou não de George W. Bush.

Ganhador da Palma de Ouro no Festival de Cannes, o filme-denúncia é um libelo anti-Bush, no qual são revelados fatos que parecem claros ao mundo inteiro, menos aos americanos. Ou não pareciam. A ligação de Bush com a família Bin Laden, riquíssima e proprietária de empresas nos Estados Unidos. Os interesses econômicos na Guerra do Iraque. A ocultação pela mídia americana de cenas como mortes dos soldados e seus funerais. O recrutamento de jovens desempregados para lutar na guerra. Os dramas familiares de quem perdeu parentes em combate.

O filme já rendeu 100 milhões de dólares nos Estados Unidos. É um recorde de bilheteria para um documentário. Michael Moore é autor dos livros Stupid white man: uma nação de idiotas e Cara, Cadê o meu país?, que relatam aspectos que desconstróem a imagem dos Estados Unidos como país democrático e igualitário.

Na primeira parte do filme, o foco recai em aspectos políticos do governo Bush, inclusive com a informação que o presidente passou de férias grande parte do tempo de governo antes do atentado de 11 de setembro. Do meio para o final, são mostradas as estratégias pouco eficazes para combater o terrorismo, além de dramas familiares, americanos e estrangeiros, relacionados à guerra do Iraque. Fahrenheit 9/11 traz tantas informações da política americana, que é necessário um certo tempo para serem digeridas por pessoas de outros países, menos acostumados àqueles personagens em seus noticiários.

26.7.04


Pregação

Levanta, vai, acorda, desliga o despertador, esfrega os olhos e olha para a vida. Deixa de lado o seu orgulho preguiçoso, aquele que faz você ter a realeza que não foi herdada, que o faz rolar na cama em busca de uma entrega duradoura.

Caminha, vai cambaleando sobre suas pernas inconstantes, vai tentando aumentar a circulação nas suas veias e na sua mente para diminuir a insatisfação das horas. Há de chegar o dia em que o horário não terá que ser respeitado. Há de haver o dia em que os horários serão tomados por limites estabelecidos pela própria vontade.

Vai, movimenta suas pernas e segue o seu caminho. Vai atrás da bebida quente que rola queimando membranas e desesperando para o novo dia. Vai, anda, caminha para o encontro com os seus pares dissimulados. Reserva mais da sua paciência para as horas que se aproximam. Acalma sua mente e controla o humor de bilis que te invade.

Regula todo o seu metabolismo para se encaixar nas notas musicais de uma orquestra que volta e meia desafina. Conecta os seus eletrodos nos fluidos que emanam de fontes prazeirosas, para que possam esquentar a máquina e deixar na função automática.

Caminha, segue em busca de sua fonte de comida. Faz valer o desejo de produtividade que impele os seus dias. Que lhe obriga a seguir o ritmo nos ponteiros do relógio e a sua necessidade ridícula de aprovação social. Realiza o seu desejo improvável de fazer os dias parecerem úteis.

Realiza o seu desejo de não depender do instinto criativo para sobreviver. E de ter a mente liberta para a transgressão de todas as horas. Ousa e desregra todas as instruções. Deixa emanar do seu centro a tênue fumaça da inquietação. Revela ao mundo o seu interior de liberdade e bem-estar, que é conseguido com o seu desligamento da atmosfera terrestre. Sai em busca de outras paragens.

24.7.04

Receita

O tempo continua frio, não consigo sair de casa, preparo algo para comer, prato nunca feito antes por mim, lá vou eu me arriscando a seguir receitas, busco em quatro livros, quatro procedimentos diferentes para o mesmo prato, para me aquecer num dia frio, o que faço agora?, sigo a intuição e elaboro meu próprio fazimento, lavo os pedaços, corto cebolas e alhos, refogo, ponho sal e pimenta-do-reino, ponho os pedaços, ponho os tomates, os temperos picados, hortelã, cebolinha, salsa e coentro e, quase estrago, ponho muito vinagre para fechar o sabor, colocar muito vinagre, eu já sabia, é arriscado, corrijo o sal, espera, espera, espera, dúvida do tempo, incerteza no cozimento, aspecto diferente, vai mais ingrediente, mais cozimento, a cara da comida vai melhorando, o sabor vai aumentando. Experimenta, vai, prova com farinha, preguiça de fazer arroz, come, come, o vinagre ficou a mais, o sabor ficou diferente do esperado, está bom, dá para passar, bota para tomar mais gosto, experimenta mais tarde, fica com curiosidade para provar agora, na próxima vez sai melhor.

23.7.04

Chuva e armas em potencial

Guarda-chuvas ao vento. Guarda-chuvas que se abrem a pedido e a contragosto. Frágeis guarda-chuvas que não aguentam e se abrem sob o vento forte. Guarda-chuvas que não guardam nada dos corpos. Em dia de chuva, os guarda-chuvas são vendidos aos berros pelos ambulantes do centro da cidade. Os preços aumentam.

As pessoas só lembram dos guarda-chuvas quando estão na rua, em dia de pé-dágua de surpresa. Mas nunca esquecem de largá-los nos lugares mais improváveis. Nas cidades em que há muito sol e pouca chuva, há pouca prática de uso de guarda-chuvas, como em Salvador. Pedestres passam a transitar pela rua porque as calçadas estreitas ficam cheias de armas em potencial, com as suas pontas sempre predispostas ao ataque. Os mais atenciosos levantam os guarda-chuvas para facilitar o trânsito. O menos educado, e mais apressado, se esconde atrás do seu escudo de nylon e sai quase derrubando tudo à sua frente.

Os ambulantes vendem guarda-chuvas de dois tamanhos. Os pequenos dobráveis, que não tem nada de notáveis - não protegem de nada. Os grandes com cabo de bengala e que parecem acessórios de lordes ingleses ou de dândis. Esses são os que a gente desejaria ter na chuva forte. Melhor ainda seria usar aquelas capas plásticas transparentes, de corpo todo, que não deixam molhar as pernas.

Aos homens falta o providencial auxílio do guarda-chuva guardado dentro da bolsa, que as mulheres prevenidas sempre sacam nas horas de necessidade. E elas ainda os chamam delicadamente de sombrinha, fazendo pouco caso do sexo dos guarda-chuvas, como se eles servissem somente para proteger a pele delicada do sol causticante. É uma expressão em completo desuso.

Seja fazendo uma "sombrinha" ou se protegendo da chuva, as mulheres nos matam de inveja ao sacar da bolsa o equipamento de proteção para a chuva inesperada. E lá se vão, incólumes chuva adentro, sem ter que esperar sob as marquises.

Melhor mesmo seria usar aquela roupa plastificada que os motoboys elegeram como traje de gala em dia de chuva. Além de proteger do frio, a água bate e escorre, sem molhar o protagonista da história. O problema é o aspecto levente associado a um ser extraterrestre, um astronauta ou mesmo uma formiga atômica. O capacete é que faz a faz a diferença.

22.7.04

O Mito dos Pornôs (Ou Sexo Técnico)

No filme Sedução, a atriz, dublê de cantora e ex-chacrete Rita Cadillac, 50 anos, retorna ao status de símbolo sexual, protagonizando cenas de sexo explícito. Ela faturou mais 100 mil reais pelo trabalho e ainda participação nas vendas do DVD. Na época em que atuou em pornochanchadas, nos anos 70 e início dos 80, o sexo era só simulado.

Em entrevista ao Correio da Bahia, ao ser questionada se sentiu prazer, ela afirmou: "Nenhum, foi uma coisa robotizada. Estava há sete anos sem transar e senti dor. Aliás, continuo em branco, sem namorado. Quem fez o filme foi a Rita Cadillac, não eu, Rita de Cássia. Eu não sou isso. Não existe o beijo técnico, no qual o ator beija e não sente nada? Pois existe o sexo técnico, também."

Ao contrário de outras dançarinas lançadas por Chacrinha nos anos 70, como Lia Hollywood, Gracinha Copacabana, Rosely Dinamite e Fátima Boa Viagem, a ex-chacrete não ficou esquecida. "Chegou a ser apontada por Rita Lee como "a bunda mais inteligente da tevê"', segundo a reportagem.

Tá pensando que é fácil ser atriz pornô? Leia a entrevista completa aqui.

Rita segue o mesmo caminho do ator Alexandre Frota, que já fez dois filmes na mesma "estética": Obsessão e A Bela e o Prisioneiro. Frota manda bem nos filmes e é ainda mais radical: transa sem camisinha. No segundo título, mesmo fazendo o papel de prisioneiro, ator se põe em postura dominadora das mulheres, praticamente subjulgando-as. As cenas não ficam nada a dever a outros atores pornôs.

Ou Frota assistiu a muitos filmes e fez uma boa "preparação" de ator ou realmente tem muita experiência no assunto, tal a sua desenvoltura frente às câmeras. Ou talvez tenha se acostumado a ter momentos calientes acertados previamente em sua agenda financeira.

Será que ele realmente precisa do dinheiro do cachê ou se trata de realização de fantasia sexual, em que ele tem a sua atuação "artística" e exibicionista admirada pelo público?

É interessante notar a expressão facial e o olhar do ator durante as performances. Em vários momentos, os olhos estão esbugalhados, avermelhados, meio fora de órbita. Parece que o bad boy andou consumindo alguma cosita para turbinar o funcionamento.

Nos Estados Unidos, onde há uma grande indústria pornô, alguns atores e atrizes começam fazendo sexo em frente às câmeras e depois ascendem profissionalmente. Alguns vão cantar ou participar de produções da televisão, cinema "normal" ou mesmo tentar alguma carreira profissional.

No Brasil está ocorrendo o movimento contrário. Figuras - nem tão jovens assim - que tiveram alguns momentos de fama na TV e/ou no cinema, estão partindo para ganhar alguns trocados na indústria pornográfica. O problema será a crise na aposentadoria pública?

21.7.04

Redação de pré-vestibular

"Como cheguei neste cursinho"

Meu nome é Rosinha. Eu vim morar em Salvador quando tinha 17 anos. Hoje estou com 21. Sou do interior do Estado, filha de uma família grande e amorosa, mas humilde, com crianças ainda para criar. Então eu tive que vir para a cidade grande me virar.

Eu sempre sonhei em ser dançarina de banda de pagode. Lá na minha cidade, eu não perdia uma festa. Eu era conhecida como Rosinha Pé de Pagode. Só saía no fim da festa, com as primeiras luzes do dia, depois de quebrar e requebrar muito, descendo até o chão.

Vim para Salvador para trabalhar e estudar. Pelo menos, foi a desculpa que dei aos meus pais. Quando cheguei na capital, aproveitei para realizar meu grande sonho: eu me inscrevi na seleção para dançarina do grupo "Destruidores do Samba". Era a minha hora e vez, eu tinha que aproveitar.

No dia do concurso, eu me vesti no maior capricho. Coloquei a microssaia azul com babado na ponta. Pus o top justo amarelo-limão, que deixava a minha barriguinha à mostra, e calcei o sapato emprestado por Juliete, minha prima querida: uma sandália de plataforma que me daria segurança, altura e elegância para destroçar qualquer concorrência.

Eu estava preparada. Tinha passado horas treinando na frente do espelho. As primeiras candidatas fizeram bonito, mas nada ia ser páreo para mim. Chegou a minha vez. Esquentei os motores. Incorporei a pombagira-pagodeira e lá fui eu sambando, sambando, até encostar o dedo no chão. Dancei com tanta energia, que o pior aconteceu. O sapato escapou do meu pé suado, caí no chão com todas as forças. O cotovelo esquerdo me salvou de esborrachar o nariz. Fui muito aplaudida, mas não fui classificada.

Foi depois disso que eu resolvi estudar. Percebi que a vida no pagode não ia durar muito tempo. Acabei vindo parar neste cursinho e agora concentro os meus esforços para passar no vestibular. Por isso estou ralando para escrever contando como cheguei até aqui. Maldito sapato de plataforma.

20.7.04

Classificados

Ababelado. Abale. Abafado. Abida. Aboletado. A criatividade nos jornais baianos anda em alta. Os nomes que começam por ab são fenômenos nas seções de classificados. São comuns os anúncios que iniciam com essas palavras estranhas, sejam verbos, particípios ou adjetivos. Parece que a classe gramatical pouco importa. Eu ficava imaginando o porquê de nomes tão, digamos, diferentes, nos anúncios. Depois é que fui descobrir que a utilização de palavras tão criativas era para puxá-los para o início da coluna, que é arrumada em ordem alfabética.

A moda parece que começou nos anúncios pessoais, de "massagistas". Abale, Ababelada, Abafe, todos nomes esdrúxulos ou, pelo menos, pouco comuns. Existe até massagista chamada de Abida! Os apelidos parecem não ajudar em nada a profissão mais antiga - e subversiva - da história. Só depois de longo exame nos jornais é que fui perceber a intenção velada: fazer o consumidor ávido pelo produto - e preguiçoso para a leitura - escolher a primeira oferta da lista. A estratégia parece estar dando certo. As demais colunas estão copiando. Agora já tem Abale, Abafe e Abaixamos (preços) vendendo carros, móveis e aparelhos de som usados.

Só não há, curiosamente, nas vendas de casas e apartamentos. Talvez pela maior quantidade de dinheiro envolvida, aqueles que procuram um teto para morar procurem com calma e cuidado até o final da listagem. Ou talvez porque, segundo a máxima de que "quem casa quer casa", a patroa controle o acesso à seção de massagistas.

Será que o baiano tem preguiça - ou é tão impetuoso - que não tem paciência para ler todas as ofertas do produto que está procurando? É algo a se repensar. Para usar os ditos populares mais manjados, o apressado pode comer cru, pode comprar gato por lebre. É o consumidor quem pode ficar abalado. Abafe. Mas também pode ter sorte e encontrar a melhor oferta.

Ababelado, fui consultar o dicionário. A palavra vem de Babel. Significa desordenado, embaralhado, confuso, babélico. Você compraria uma oferta deste tipo? Com essa criatividade toda? Haja imaginação para facilitar a visualização do anúncio entre as minúsculas letras dos classificados - e conseguir fechar a venda.

Agora é que entendo porque o nome das fantasias dos blocos de Carnaval se transformou de mortalha em abadá. Abadá significa camisolão folgado e comprido, usado pelos nagôs, semelhante ao traje nacional da Nigéria. Para vender, o nome fica mais fácil nos classificados. A-b-a-d-á. Difícil conseguir palavra que venha antes no dicionário. Não precisa nem recorrer ao abale ou abafe. Já fica em primeiro lugar.

19.7.04

Do tempo da poesia na música

Ah! Infinito delírio chamado desejo. Essa fome de afagos de beijos, essa sede incessante de amor. Ah! Essa luta de corpos suados, ardentes e apaixonados, gemendo na ânsia de tanto se dar. Ah! De repente o tempo estanca, na dor do prazer que explode. É a vida, é a vida, é a vida. E é bem mais. E esse teu rosto sorrindo, espelho do meu no vulcão da alegria. Te amo, te quero, meu bem não me deixe jamais.

Infinito Desejo, Gonzaguinha, na voz de Betânia.

Bunda quadrada

Ontem foi dia de sessão tripla de cinema. A tarde começou no Multiplex Iguatemi, às 13h30, único horário em que é possível assistir algum filme com tranquilidade no domingo. O primeiro filme foi A Batalha de Riddick, com o fortão Vin Diesel (O Vingador, Triple X) e Judi Dench (Hamlet e Shakespeare Apaixonado), uma ficção científica com muitas cenas de porrada.

Os efeitos especiais, que formam ambiente de videogame, não são suficientes para segurar o roteiro frágil, sem pé nem cabeça, que retrata batalhas entre planetas. Vin Diesel faz o papel de Riddick, bandido perseguido por caçadores de recompensas, que acaba escalado para ser a salvação geral.

Os críticos e resenhistas de cinema são eventualmente acusados de terem reservas com o cinema-pipoca. Mas quando uma grande produção tem qualidade, os elogios acontecem. Independentemente de ser filme de lutas, amor, drama ou aventura. O orçamento de A Batalha de Riddick foi de US$ 105 milhões, é uma superprodução. No entanto, o faturamento, em um mês, só chegou a US $60 milhões. Bem abaixo de Homem Aranha 2, por exemplo. Depois ainda dizem que o grande público não nota que um filme é ruim.

Já no Cinema do Museu, o segundo filme foi a comédia Falando de Sexo (EUA,2004), com James Spader, Melora Walters e Bill Murray. Engraçadíssimo. Um casal com problemas no relacionamento procura terapeutas que causam ainda mais confusão. Personagem neuróticos que lembram criações de Woody Allen, só que com humor um pouco mais escrachado.

Um filme que brinca com o envolvimento dos psicoterapeutas com os seus pacientes, aí incluídas as questões éticas de trabalho. Uma lembrança daquela velha e debochada máxima de que os terapeutas têm mais problemas que aqueles que os procuram. James Spader, como sempre, excepcional na atuação.

A terceira sessão, ufa, foi Jogo de Sedução (Inglaterra, Espanha, 2003), com Gael García Bernal, Natalia Verbeke e James Darcy. O filme começa meio água-com-açúcar: o draminha de uma noiva que se interessa por outro na véspera do casamento. A narrativa vai evoluindo, alguns segredos vão se revelando e o desfecho mistura ficção e realidade, dentro do próprio filme. É um trabalho bacana, mas que não fornece a Bernal a oportunidade de mostrar o melhor do seu talento, como em E Sua Mãe Também e Diários de Motocicleta.

No filme, falado em inglês, ele é um brasileiro de ascendência inglesa. A atriz Natalia Verbeke faz o papel de uma espanhola de Madrid radicada na Inglaterra. Por conta disso, há vários clichês da cultura da Espanha, que soam um tanto artificiais, sem carga emocional que dê veracidade. O problema parece ser da atriz. O ator James Darcy tem semelhança física com Rodrigo Santoro.

18.7.04

História do Teatro

Terminei de ler o livro Introdução ao Teatro ( Ed. Vozes, 2003, 183p.), da atriz, dramaturga e professora de teatro Monah Delacy. Para quem não sabia, como eu, ela é a mãe da atriz Christiane Torloni. A autora cursou a primeira turma da Escola de Arte Dramática, em São Paulo, em 1948.

Com longa carreira no teatro e na TV, Monah Delacy é também formada em Biblioteconomia. No livro, ela faz um breve apanhado do teatro ao longo da história, desde os gregos até o teatro brasileiro pós-ditadura. Em formato de aulas, como se fosse um dos cursos que ela ministra.

O livro é superficial, claro, pois é somente a introdução à arte milenar do teatro, mas suficiente para situar o leitor cronologicamente na ambiência teatral e dar provas da sua importância enquanto arte e meio de comunicação. É um ponto de partida para entender melhor a magia do teatro, sob a ótica apaixonada da atriz. No entanto, por conta de alguns probleminhas de revisão, algumas vezes o texto fica um tanto confuso. A revisão, gramatical e de estilo, é mais do que necessária.

A autora se deteve muito tempo na parte da Antiguidade, dos gregos, ainda que isso seja muito importante. A melhor parte do livro é sobre o teatro brasileiro. O texto foi escrito por alguém que efetivamente viveu muito do que foi citado e que parece ainda ter muito a relatar. Seria muito útil que ela concentrasse esforços para contar mais de uma época muito rica em termos teatrais. Talvez em um outro trabalho.

São interessantes as fontes de consulta e, portanto, indicações de leitura para quem deseja se aprofundar no assunto: Moderno Teatro Brasileiro, de Gustavo A . Dória; Panorana do Teatro Brasileiro, de Sábato Magaldi; O Anjo Pornográfico, de Ruy Castro (sobre Nélson Rodrigues).

17.7.04



Jazz e impressões no pátio alemão
O jazz tem novo palco em Savador. Toda sexta-feira, a partir das 18 horas, está rolando jam session no pátio do Icba (Instituto Cultural Brasil- Alemanha), na Vitória. No bar, estão disponíveis salgados e doces de influência alemã, junto com crepes (?) franceses. A sede do Instituto Gothe em Salvador volta a ter vida cultural movimentada. A próxima atração fixa será um show de salsa às quintas, segundo fui informado.

Havia muita gente bacana da terra, músicos, jornalistas, teatrais, turistas. Soube que os eventos no Icba estão sendo produzidos pela alemã Nehle Franke, diretora teatral. Foi ela quem fez a tradução para o português de Lágrimas Amargas de Petra Von Kant, de Fassbinder, a partir do texto original, para que Aninha Franco pudesse abrasileirar e construir o texto da montagem baiana.

Antes de ter visto quem era Nehle Franke, eu já tinha ouvido falar no trabalho dela, por intermédio dos jornais de Salvador. Não sei por que motivo imaginei-a bem "alemoa": uma senhora alemã de meia-idade, corpulenta, alta, com cara enfezada. Ela é bem diferente disso. Alta, magra, jovem, com rosto simpático e muito bonita. Ela veio para o Brasil há algum tempo e, segundo soube, se casou aqui na Bahia.

Entre as pessoas que estavam por lá, havia algumas que sei quem são por conta dos blogs e do Orkut, mas nunca fui apresentado. É interessante essa posição de notar sem ser notado. Uma das coisas que mais gosto na leitura dos blogs, especialmente naqueles mais pessoais, é ir construindo a história do autor: o que faz na vida, quem são os amigos e amores, que lugares frequenta, quais as percepções e gostos.

Quando me deparo com uma dessas pessoas, tenho a impressão de me tornar um observador privilegiado, por ter tantas informações sobre o seu cotidiano. Uma sensação de proximidade. Será essa a impressão que um leitor fiel tem de um jornalista ou de um escritor?

No Icba também está acontecendo a exposição "Um Austrícaco na Europa", que reúne fotografias, reproduções e documentos relacionados a Stefan Sweig, tido como o maior escritor austríaco, que foi perseguido pelo nazismo e passou anos exilado em Petrópolis.

A exposição foi montada em Salzburg e fica em Salvador até 11 de agosto. Na entrada do Icba, estão grandes baús de mudança, feitos em madeira, com os vários endereços de Stefan Sweig pelo mundo. O cartaz é belíssimo. Dentro do salão, textos e fotos foram colocados sobre móveis escuros e nas paredes de duas espécies de cabines de aço escovado. Os textos do escritor, que acompanham as fotos e documentos e que pude ler, são de qualidade excepcional.

É de Sweig a célebre frase "O Brasil é o país do futuro". No calçadão da Barra, em Salvador, em frente ao hospital Espanhol, há um monumento em homenagem ao escritor.

15.7.04

Welcome to Canada
Amigos meus, daqui de Salvador, que foram tentar a vida no Canadá, tiveram a notícia tão esperada: foram contemplados com o visto de permanência. Em menos de dois anos no país, eles conseguiram o que muitos levam muito mais tempo, mais de cinco anos. Quando conseguem.

Segundo informam os novos canadenses, naquele país há oportunidades de trabalho para quem tem nível superior e pelo menos 5 anos de experiência em sua área de atuação. O governo canadense disponibiliza 3.000 vagas por ano para brasileiros desse quilate, pois o país tem uma taxa de crescimento populacional baixíssima. E, ainda assim, no ano passado só metade dessas vagas foi preenchida.

Apesar de eles não terem ido com contratos de trabalho previamente combinados, todos estavam trabalhando por lá, em bons empregos, mesmo sem possuírem o visto definitivo.

O melhor do visto de permanência é poder entrar e sair no país sem problemas, quando houver vontade. Agora eles estão loucos para visitar Salvador para matar as saudades. É bacana poder passar a vida alternando entre nações.

Quem sabe um dia eu também irei para o exterior. Não penso em ir para ganhar dinheiro. Bastaria o suficiente para me manter com conforto. Adoraria a vivência cultural, estudar, conhecer os hábitos, a história de outros países. E a partir daí escrever e descrever as minhas impressões da nova terra e as lembranças da terra natal.

Não gostaria de ir para me matar de trabalhar, o dia inteiro. Gostaria de somente ter compromisso em meio período, para ler e escrever o restante do tempo. Porque isso eu já tenho por aqui.

13.7.04

Ratos na mídia

Um jornalista americano, Robert Sullivan, fez um livro-reportagem sobre um assunto um tanto quanto, digamos, diferente: ratos. O livro Rats é recém-lançado nos Estados Unidos e, segundo a revista Veja, ajuda a suprir a lacuna de estudos sobre o Rattus norvegicus, a popular ratazana de esgoto, uma praga que se alastra pelas cidades grandes.

A pesquisa foi feita em Nova York, num beco a dois quarteirões da Bolsa de Valores. Durante um ano, os ratinhos tiveram as suas vidas acompanhadas pelo corajoso e meticuloso jornalista, munido de óculos intravermelhos. Isso porque o animalzinho (o rato, não o jornalista, que fique registrado) tem hábitos noturnos. Se bem que há muito jornalista com hábitos de bicho noturno. Muitos gostam de ler até tarde, navegar na internet, ver filmes ou dedicar-se a badalações noturnas. Será que é isso que os aproxima?

É um tema útil, sem dúvida, conhecer mais sobre aqueles animais peludos e dentuços - não é nenhum daqueles jornalistas que você conhece, veja bem. O americano poderia ter retratado outros ratos, como políticos e policiais corruptos, executivos do mercado financeiro, operadores de bolsas, mas preferiu se concentrar nos roedores, pois, além de transmitir doenças, os ratos adoram roer cabos da rede elétrica e de linhas telefônicas. Aí eles provocam a ira dos profissionais da mídia, ao prejudicar o funcionamento dos amados telefones.

O jornalista verificou que os ratos prosperam nas cidades grandes devido à fartura de comida nas lixeiras. Bem, ele está falando de Nova York, próximo da Bolsa de Valores, local dos restos mortais das delícias que os mendigos e os executivos apressados adoram se servir: hambúrgueres, ovos com bacon, cachorros-quentes, donuts, e aqueles cafés em copos descartáveis. Um trabalho posterior do jornalista pode ser como os ratos de lá conseguem sobreviver com tanta comida de paladar duvidoso. Se os executivos sobrevivem, por que os ratos não conseguirão?

Na França, os ratos têm maior probabilidade de se servir bem. Conseguindo descobrir os endereços da alta gastronomia, podem até encontrar algum restinho de foie gras, salmão, coq au vin, ossinhos roídos de codorna, perdiz ou faisão. Melhor ainda se descolarem a lixeira dos agraciados com as três estrelas do guia Michelin. É a festa total.

12.7.04

Homenagem ao acarajé

Tá quase pronto. Quem quer?
Poderes de aranha

Um super-herói mais humano, nisto implicadas as contradições e os questionamentos comuns a qualquer pessoa. No filme Homem-Aranha 2, por conta de um amor e no desejo de uma vida mais tranquila, o herói tenta negar os seus poderes. E eles vão sumindo por conta própria. Ele tentou ser um humano comum, com trabalho, estudo, amor, tudo organizado. Mas o seu senso de aventura falava mais alto e ele voltou para a luta. Daí é possível tirar alguma lição interessante. Uma delas é que as escolhas que são feitas na vida, apesar de sabermos dos eventuais pontos negativos, foram feitas por cada um de nós, não existe nada imposto - afinal, são escolhas.

Por qual dimensão da realidade é possível optar na vida? Quantas das escolhas são feitas com a desculpa de que não há outra opção? Será que na verdade, a escolha pela "falta de escolha" não é aquilo que mais se deseja - e não conseguimos admitir isso?

Deixando os heróis de lado e passando para a nossa vida de pobres mortais, temos eventualmente vontade de jogar o emprego para os ares, sair pelo mundo, ir morar no campo, viver em uma barraca em uma praia. Reclamamos da violência urbana, dos engarrafamentos, da falta de dinheiro, do corre-corre, do cansaço. "Ah, gostaria que tudo fosse diferente, gostaria de viver um mundo de aventuras", diz o homem cansado da rotina. No entanto, esse mundo tranquilo, de casa-comida-roupa-lavada, fomos nós que escolhemos. Com o conforto do ar-condicionado, com as diversões urbanas, com o acesso à cultura, com os prazeres mais ou menos acessíveis.

Peter Parker (vivido por Tobey Maguire) envereda pelo caminho inverso, tenta viver uma vida normal, negando os seus poderes. A cidade sente falta, os índices de criminalidade começaram a aumentar. Mas não foram os clamores da população que o fizeram voltar a dar atenção às suas características de aranha. Foi o seu chamado interno. A sua satisfação em cumprir o papel de herói, salvando vidas.

Grande parte das coisas chatas da vida, que incluem contas a pagar, carências afetivas, relações amorosas asfixiantes, stress no trabalho, rotina, tudo que parece engessar a existência, são escolhas nossas. Bem lá no fundo da nossa consciência, pesamos tudo para ver se o que é bom ainda tem mais força que o lado negativo. Isso verificado, continua-se do mesmo jeito ou muda-se o que está incomodando. É um exercício sem fim.

Por isso a grande viagem da arte, seja da literatura, do teatro, do cinema, dos quadrinhos. As histórias nos dão a liberdade que realidade nega. Incluindo poderes de aranha, de sair esguichando teia por toda parte e pular fora rapidinho. Seria tão bom...

11.7.04

De acarajés e abarás
O sol vai baixando, é sexta-feira à tarde, o final de semana se aproxima. É quando o cheiro inconfundível do azeite-de-dendê começa a se espalhar por toda Salvador, principalmente pela orla marítima. Baianos e turistas dirigem-se à hora feliz: direto à cerveja e ao popular acarajé. Montados os tabuleiros, as baianas Dinha, Regina e Cira - a tríade das rainhas do acarajé no Rio Vermelho - recebem os clientes e as filas começam a ser formar. Os barzinhos em volta acolhem os consumidores em suas mesas, para cervejas, refrigerantes e drinques, atores coadjuvantes dos sabores do acarajé e do abará.

O acarajé e o abará são bolinhos salgados com receitas semelhantes, basicamente azeite-de-dendê, feijão-fradinho moído e cebola. A grande diferença é que, enquanto o acarajé é frito e o dendê fica concentrado na casca, o abará é cozido, envolvido em folha de bananeira, e o dendê fica distribuído na massa.

O acarajé saboroso é aquele que tem a massa fofa e macia. A fritura no dendê faz a parte externa do bolinho ficar dourada e crocante. A parte de dentro fica branquinha. Para obter este resultado, as baianas de acarajé não param de bater a massa na panela, com a ajuda de uma grande colher de pau.

Inteiros, para comer com guardanapo, ou cortados no prato, acompanhados de vatapá, molho de camarão, salada de tomate picado, molho de pimenta e até caruru, os acarajés e abarás servem de refeição completa, ou de tira-gosto a preço acessível. Ao mesmo preço, ou mais em conta que batatas fritas, carne-do-sol, filezinho ou caldos. Os clientes encaram filas demoradas para conseguir os petiscos democráticos. Algumas vezes, há algum um pedinte requisitando ajuda para comprar o seu almoço ou jantar - o próprio acarajé.

O acarajé e o abará são ícones da cozinha baiana. Dá para imaginar em uma grande cidade como São Paulo, na movimentada Avenida Paulista, uma senhora trajando trajes típicos, com ares majestosos, calmamente fritando ou cozinhando bolinhos de feijão? Em Salvador, em vários locais, existem baianas que vendem há mais de 30 anos. Trabalhando diariamente, fazem da venda de comida o sustento para suas famílias. E a tradição vai passando para as novas gerações.

10.7.04

Gato digital
A computação gráfica tem permitido novas produções culturais em formatos impensáveis há algum tempo. É o caso de Garfield (EUA, 2004), primeiro longametragem do famoso gato, gordo, barrigudo e preguiçoso, das tirinhas de jornais, livros e produtos no mundo inteiro. Agora em versão digital, ele contracena com atores de carne e osso.

O atrapalhado dono de Garfield é John Arbuckle (vivido por Breckin Meyer, de Caindo na Estrada e Kate & Leopold), que a pedido da veterinária Liz West ( Jeniffer Love-Hewitt, de Eu sei o que vocês fizeram Verão passado e O Terno de Um Bilhão de Dólares), adota um cãozinho, o famoso Odie, das tirinhas. Garfield resolve então se livrar do novo hóspede da casa.

Criado por Jim Davis, Garfield chega aos cinema com roteiro assinado por Alec Sokolow e Joel Coen, a dupla que criou Toy Story. Na versão americana, a voz do gato é dublada por Bill Murray (Feitiço do Tempo, Encontros e Desencontros). Na versão brasileira, o trabalho é do ator global e escritor Antonio Calloni.

O filme é engraçado e bem-feito. Além dos atores, o gato digital contracena com Odie, cãozinho de verdade, a quem ensina a dançar. O cãozinho exibe um ótimo trabalho de adestramento. Não é uma animação "para adultos", como Shrek 2, bem mais inteligente e crítica, mas é uma boa diversão. A estréia está prevista para a próxima sexta-feira, 16.

Fui na sessão de pré-estréia, na maior sala do Aeroclube. Estava lotada de crianças. Bom trabalho de marketing: mini pula-pula, boneco gigante de Garfield, distribuição de figurinhas, presença do animador Tio Paulinho, sorteio de prêmios. Quando vi aquela quantidade toda de gente imaginei que seria difícil assistir ao filme por conta do barulho, o que não aconteceu. As crianças se comportaram melhor que gente grande.

9.7.04

As camisetas marqueteiras

Arrumação no armário de roupas, separo várias camisetas, a maioria dessas de propaganda, para doar e esvaziar o armário. Eu creio naquela velha máxima que diz que a gente precisa se livrar das coisas antigas para que as novas cheguem até nós. Quando a gente demora mais tempo que o necessário procurando roupa, disco, livro ou documento, é hora de fazer arrumação.

Gosto muito de camisetas. Acho que por ter que trabalhar com camisas de tecido, sociais, com botões, faço questão de não usá-las quando estou em situações que não as exijam. Portanto, venham as camisetas! Para sair à noite, algumas de melhor qualidade. Para dormir, alguma mais larga.

As camisetas de propaganda parecem coelhos, vão se reproduzindo sem limites. Políticos, empresas, ONGs, organizadores de eventos e festas e marqueteiros de plantão adoram dar camisetas de lembrança. A camiseta se tornou parte substancial do marketing.

Daí a acumulação nos armários. Primeiro elas começam a se juntar para fazer parte do enxoval para dormir. Depois elas viram farda para ir à malhação. Quando me dou conta, o armário está cheio e tenho mais camiseta deste tipo do que roupa "apresentável" para sair. Ou seja, mais propaganda do que roupa domingueira, ou "para ir à missa", como se diz, brincando, no interior. E olha que faz tempo que não vou à missa.

Por isso estou promovendo a campanha "Doe a sua camiseta de propaganda". Tem gente que vai ficar mais contente do que você. Talvez. A princípio, a satisfação é ver o armário esvaziado de coisas inúteis. E notar que fica mais fácil encontrar aquela peça de roupa que nunca se acha quando se está com pressa.

8.7.04

Reconhecimento

"As discussões, especialmente entre homens, têm sempre o objetivo de provar que o outro é um idota ou, no mínimo, alguém menos inteligente ou menos merecedor de atenção. Os blogs permitem que a discussão flua sem essa diminuição do outro e as idéias tendem a se somar, não a se neutralizar". Umberto Eco, em reportagem da revista Veja, junto com a previsão do papel que os blogs terão no futuro, feita por Bill Gates.

Eco é um dos maiores intelectuais da atualidade.

7.7.04



Espelho de belezas
As populações e as paisagens que circundam o Rio São Francisco são refletidas em suas águas e captadas pelas lentes de um fotógrafo carioca (Fábio Assunção), que percorre o rio por terra, água e pelo céu, para registrar em forma de livro. A fotografia, não podia ser de outro modo, é ponto forte do filme Espelho D'água, do diretor Marcus Vinícius Cezar, com produção de Carla Camurati e a presença da atriz baiana Regina Dourado.

Enquanto o fotografo faz o seu trabalho, a namorada, que continua a morar no Rio de Janeiro, viaja para visitá-lo. Quando ela chega em Penedo (AL), sem avisá-lo, o fotógrafo já partira em busca de locações distantes. É o pretexto para ela também empreender a viagem pelo rio, em busca do amado.

A degradação do rio é lembrada a todo o momento pelos habitantes das populações ribeirinhas, mas não é mostrado nenhum ponto crítico de redução do volume de água. Há a notícia de que um líder ecologista da região é assassinado, mas não há nenhum tipo de investigação sobre o fato.

Durante toda a narrativa, o filme faz um ode à vida simples do sertão, com seus hábitos e tradições religiosas. Parece estar todo tempo a dizer que o povo sertanejo é bondoso e honesto.

O roteiro precisaria de maior carga dramática, o que só vai acontecer no final. O resultado é satisfatório. Durante maior parte da projeção, a preocupação parece ser mostrar as belezas do São Francisco e seus arredores, o que é conseguido plenamente.

Além da fotografia, o destaque fica com a ótima seleção musical, que tem participação do percussionista pernambucano Naná Vasconcelos em algumas faixas. Música moderna, que mistura temas e sons regionais com batida eletrônica. A cada dia dá mais prazer e satisfação ver o cinema nacional brilhar nas telas.

6.7.04

As cocadas da festa

Na feijoada do último domingo, para fazer as honras da sobremesa, foram servidas cocadas. Simples e deliciosas, cocadas de vários sabores: leite, chocolate, abacaxi, goiaba, maracujá e só de coco branco. As cocadas tinham uma textura genial. Não eram duras e quebradiças, eram macias. Uma coisa de louco. Gostei muito, especialmente das de chocolate e leite.

Esqueci de perguntar para a anfitriã onde ela havia comprado ou quem havia feito aquelas delícias de coco. O melhor de tudo foi saber, depois, por outras fontes, que as cocadas foram importadas. De Ilhéus, a minha terra natal. Na próxima vez que voltar à terrinha, já sei qual será a sobremesa que vou escolher.

Não sei se é comum em outros locais, mas na Bahia às vezes acontece de os anfitriões oferecerem um "pratinho", com doces e salgados da festa, para os convidados mais íntimos levarem para casa. Algumas vezes são os convidados que pedem - e aí à vezes falta bom senso, para dizer o mínimo.

O marido atencioso pede para levar para a esposa que não pôde ir à festa. A dona-de-casa solicita a sua porção para fazer um agrado ao marido e aos filhos. Tem gente que pede até para levar para o cachorro. Só não se sabe de quem é o cachorro. O cachorro do filho? O cachorro do marido? Ou seria o cachorro do namorado?

Depois da saborosa feijoada, as cocadinhas estavam tão atrativas que um senhor não se conteve: "Posso levar um pouco para minha esposa?", pediu ao aniversariante. Este, por sua vez, repassou o pedido para a anfitriã: "Minha filha, o desembargador está pedindo para levar um pratinho com as cocadas". Lá se foi a dona da casa preparar um pacotinho. "Fazer o quê? É pedido do desembargador", ela sussurou, dando risada com a situação, para os que estavam por perto - e fora da vista do pedinte, é claro.

Depois de passar pela fúria do consumo dos convidados e dos pedidos "para levar", das cocadas da festa, ansiosamente esperadas para o café da manhã do dia seguinte, não restou quase nada.

5.7.04

Música e dança popular
O ritmo Arrocha mereceu quadro especial no programa do Faustão do último domingo. Todas as estrelas da novidade baiana estiveram presentes e cantando. Foram mostradas imagens de Salvador e de Candeias, cidade da região metropolitana, tida como a pátria do Arrocha.

Todo o tempo, Faustão discursou tentando convencer ao público que o Arrocha é um movimento musical que veio do povo e merece respeito. Sim, tem origem popular, mas não é um movimento de raízes culturais antigas. É uma dança que foi criada em cima dos boleros tocados ao som de órgão eletrônico, daqueles com bateria. E a televisão - fiquei imaginando quem serão os produtores da Bahia que estão por trás disso - tenta agora vender como se fosse algo do quilate da música sertaneja, que tem uma tradição no país, desde o tempo da moda de viola. Houve uma convite à perda do preconceito com os ritmos "brega", amparado na opinião de Hermano Vianna, antropólogo, e no depoimento de Zezé de Camargo.

Não tenho nada contra, acho interessante para a divulgação do Estado. Há também o argumento que o Arrocha volta a valorizar a dança de casais. Sim, mas alguma vez o forró deixou de fazer isso? Só dá pena de cantores e músicos que têm um trabalho muito bacana, refinado, e que não têm o mesmo espaço na televisão. Nunca vi Lucas Santana, Paulinho Moska ou Zeca Baleiro no Domingão do Faustão.

O Arrocha veio do povo. É o ritmo mais ouvido por taxistas, caminhoneiros, vendedores ambulantes, etc. Basta ir no parque de camelôs que fica em frente à estação rodoviária de Salvador para sentir como faz parte do gosto popular. É interessante notar que o ritmo se espalhou naturalmente, sem nenhum tipo de divulgação comercial. De uma hora para outra, ao se constatar o alcance do novo ritmo, e junto com o declínio do axé, tem muito produtor correndo para colher dividendos com o Arrocha.
A fama dos pratos
No final de semana parti para reviver o caldo de polvo que experimentei - e com o qual delirei - no São João (leia post do dia 28.06). Fui no Caranguejo da Bahia, em Patamares, na orla de Salvador, bar que faz parte do "conglomerado" gastronômico do restaurante do Pelourinho. Que desilusão! O caldo não chegava nem ao dedo do pé daquele que havia experimentado antes. Estava ralo, com pouco gosto, poucos pedaços de polvo e ainda havia uma suave - e dispensável - maresia no sabor de fundo. Além de tudo, era o dobro do preço, R$ 6,90. Claro que desisti, junto com os amigos que me acompanhavam, de almoçar no local.

Também foi pedida uma porção de bolinhos de peixe que não tinham nada de especial. O caldo que provei no Pelourinho estava encorpado, com bastante leite de coco e rico em carne do polvo. Além do molusco, parece que havia também um pouco de peixe desfiado, o que conferia um sabor todo especial. No que provei no bar da orla de Salvador, a base era carne de siri. Não tinha o mesmo resultado.

Mariscos caros e sem corresponder às expectativas, fomos direto às carnes vermelhas. Destino: Ponte Aérea, na Pituba, um bar com tradição em Salvador. Picanha acebolada na chapa e o famoso escondidinho de carne de sol, acompanhados de cerveja. Para quem não conhece, escondidinho é a carne envolvida por um purê de aipim genial. Os dois pratos foram suficiente para três pessoas. Praticamente pelo mesmo preço dos caldos, bolinhos e das "roskas" de frutas do bar anterior. Nem sempre a fama faz o melhor prato.

4.7.04

Vício
As pizzas prontas que são vendidas em supermercados estão cada vez melhores. A de sabor quatro queijos de uma marca famosa é uma delícia. Não fica nada a dever às das melhores pizzarias da cidade.

Há pouco tempo, as comidas congeladas encontradas em supermercados eram terríveis. Todos os pratos com o mesmo gosto de tempero pronto. As pizzas vêm sofrendo modificações no sabor e melhorando a cada dia.

É interessante que cada semana há uma marca diferente em promoção, e isso já dura algum tempo. Será que é para viciar os consumidores? Pelo preço que a pizza é vendida no supermercado, que chega a 5 reais com o desconto, dá para imaginar o lucro absurdo das pizzarias - uma de tamanho grande, a depender do sabor, pode chegar a 30 reais. Mais os 10% do garçom.
Curativos
Ela está cuidando das feridas de uma relação tortuosa. De um caso de amor em que não faltaram os alertas de perigo, vindo de todas as partes. Professora universitária, mulher de bom coração, se deixou envolver com um homem infantilizado. Sofreu, viu as dores da agressividade chegarem bem perto. Ela permitiu que as chamadas de um mundo sombrio chegassem a seus ouvidos. E quase a arrastaram, como as águas bravas de um rio na enchente. Ela se recupera.

2.7.04

Feijão Maravilha
As festas que são realizadas para muitos convidados podem ser de várias formas. Há as festas de famílias simples, para uma quantidade nem tão grande de convidados, com fartura de comida. Há as festas daqueles que não querem gastar muito dinheiro e mesmo assim querem um grande evento. Nesse caso, muitos convidados e pouca comida.

E há aquelas com muita gente e muita comida. Foi a uma dessas que fui hoje, uma feijoada em uma bela casa, na orla de Salvador, de pessoas queridas. Garçom servindo bebidas à vontade, aí incluídos uísques, cervejas, batidas de frutas e refrigerantes. Também aperitivos para acalmar a fome e diminuir o efeito do álcool até a chegada do prato principal.

Foi uma feijoada sem preocupações, afinal tratava-se de festa familiar. Sem preocupações para comer bem, explique-se. Fila pequena para fazer o prato, carnes e linguiças à vontade. Frente à fartura, não houve a guerra que tradicionalmente ocorre em grandes eventos, das pessoas correndo para se servir dos melhores pedaços, quase enfiando o garfo, um na mão do outro, com toda a delicadeza.

Uma vez fui a uma feijoada de um amigo, em que cheguei um pouco atrasado. "Vá na cozinha se servir", os anfitriões me recomendaram. Marcho em direção às panelas, empunho a concha, mergulho no panelão. Só vem caldo e caroços de feijão. Mergulho novamente, mais caldo e caroços. Depois de umas três subidas e descidas e várias rodadas da concha, para lá e para cá no fundo da panela, desisto.

"Poxa, não sabia que a minha demora tinha sido tão grande", pensei, já imaginando que não teria direito a nenhum pedaço de carne. Acertei em cheio. As carnes acabaram nos primeiros 30 minutos de jogo, sem direito a prorrogação. Depois ainda fiquei desconfiando que as carnes nunca existiram realmente, pois não vi sombra no prato de ninguém. Elas tiveram a duração prolongada de uma lenda urbana, dessas que circulam na internet. Fiquei sem coragem de perguntar se alguém tinha visto um pedaço de lingüiça voando.

1.7.04

Sob o Sol da Toscana

Depois do divórcio, Frances (Diane Lane, de Infidelidade), uma escritora americana, faz uma excursão turística pela região da Toscana, na Itália. Disposta a mudar de vida, compra uma casa antiga no local. Reforma do imóvel, adaptação aos novos costumes, novos amigos e a expectativa de um relacionamento entram na agenda da recém-chegada. É o cenário de Sob o Sol da Toscana (EUA, 2003), dirigido por Audrey Wells e inspirado no livro homônimo da escritora Frances Mayers.

O filme faz um breve retrato do interior da Itália, com suas tradições religiosas, culinária, arquitetura e belas paisagens. O roteiro tem passagens inteligentes e humor leve, que não cai em clichês bobos. O filme brinca com algumas referências ao cineasta Federico Fellini, o que confere boas cenas. Uma comédia romântica acima da média das americanas, que não cai na obviedade de um final feliz. Pelo menos a curto prazo.

Outra opção de título para o filme poderia ser "Uma americana na Toscana", já que fica clara certa perplexidade dos americanos frente a costumes diferentes. Parece que eles só conseguem absorver facilmente a culinária e as roupas de griffes italianas.

Frances vai percebendo as dificuldades em conquistar um novo relacionamento. Aos poucos, ela se dá conta que o bem-estar pode estar contido em uma teia de relacionamentos de amizade, e não somente em um amor. Então fica mais fácil na Toscana, pela proximidade entre as pessoas em uma cidade pequena. Situação diferente da solidão de uma cidade grande.