30.12.11

Pelo mundo de Toronto

Andar pelas ruas de Toronto é dar uma volta ao mundo sem sair da cidade. Mesmo depois de um ano e meio morando aqui, ainda tem muita coisa para conhecer.

Peguei o metrô e fui na biblioteca do bairro português atrás de livros na língua de José Saramago e Jorge Amado. E minha também, claro. Trouxe para casa o brasileiro Bernado Carvalho, o angolano  José Agualusa e o famoso português Gonçalo M. Tavares, que Saramago uma vez disse que merecia "apanhar" por escrever tão bem aos trinta e cinco anos. 

A biblioteca Bloor/Gladstone, onde peguei os livros, é bem mais bonita do que a St. James Town, que fica a dois passos de minha casa. A biblioteca da região portuguesa deve ter sido reformada recentemente. Muito vidro e metal. Nem parece que foi fundada em 1914.

Comida etíope: ficou para a próxima vez
Com os livros na mochila segui pela Bloor West, em busca do Nazareth, um restaurante etíope recomendado por uma pessoa da Etiópia que conheci em um dos encontros linguísticos que frequento. O Nazareth é simples e bem cotado nas avaliações da cidade. Eu sabia que esse local só abre a partir da tarde, mas eu estava perto, resolvi arriscar. Era em torno das 14 horas e eu estava com fome. Dei de cara com as portas fechadas. Ainda não foi dessa vez provar a comida africana do leste. Continuei caminhando e fiquei surpreso com a presença de outros restaurantes etíopes na região, mas não quis arriscar.

Seguindo o caminho da fome (minha, não etíope), atravessei a rua para chegar em um restaurante caribenho. Há muitos deles em Toronto. Era um local bem pequeno, com cara simpática. Havia uma resenha de jornal afixada na vitrine. Os restaurantes aqui fazem isso. Mostram com orgulho, junto com o cardápio e preços, os comentários elogiosos publicados nos jornais. Para o cliente, serve como boa referência.

Foi assim, influenciado pelo artigo que dizia que lá serviam "not so fast food", que decidi entrar no Pam's Caribbean Kitchen, para experimentar o tal do famoso "Jerk Chicken with rice and peas".

Boa parte dos restaurantes da região central de Toronto tem um tamanho minúsculo. São locais onde a maior parte das vendas é feita "para levar", nas infames caixas térmicas descartáveis. Há somente  poucas mesas. Algumas vezes a surpresa com a comida é boa. Come-se bem e barato. Algumas vezes.

O restaurante estava vazio. Não havia ninguém, nem clientes, nem atendente no balcão. No buffet não havia comida. Quase resolvendo ir embora, uma senhora apareceu da cozinha e perguntou o que eu queria. Escolhi o prato, sentei em uma mesa e fiquei aguardando.

O Jerk Chicken chegou no prato já montado. É um frango frito com um gostoso molho escuro picante. O frango tinha um sabor forte de cominho. O "rice and peas" é o conhecido feijao com arroz, mas sem o caldo. Apenas alguns poucos grãos de feijao espalhados no arroz. O caldo deve ter sido útil  apenas para dar a cor levemente marrom ao arroz. Para completar, uma pequena porçao de "coleslaw", salada de repolho e cenoura picados com maionese.

O prato estava muito bom. A pimenta teve um efeito inesperado e benéfico. Limpou as minhas vias respiratórias, que andavam congestionadas.

Fiquei pensando por que motivo o Brasil não emplaca o bife-arroz-feijão-salada como prato típico nacional, em vez de ficar empurrando feijoada e churrasco rodízio nos turistas. Quando está bem feito, é saudável, bom e fácil de ser reproduzido. Acho que os empreendedores brasileiros preferem ir para África montar grandes negócios, em vez de abrir restaurantes em Toronto.

Pam, a dona do estabelecimento, e que me atendeu, vim saber depois, é proveniente da Guiana. Um país vizinho do Brasil, mas que a gente só sabe que existe pelos livros de geografia da escola, quando tem que decorar as capitais. Aliás, no Brasil nunca encontrei ninguém da Guiana. Aqui no Canadá encontrei alguns. Madame Pam é a mais recente.

Esse tigrão iluminado fica em Koreatown
Terminado o almoço, barriga cheia, continuo a caminhar, agora em busca de sobremesa: pastel de Belém e café na padaria portuguesa. Fui caminhando e passei por Koreatown, que nem sabia que existia. Vários restaurantes, lojas de produtos naturais, parque, mercearias, lojas de bonecas Hello Kitty e afins. Menos bagunçada que Chinatown, a região é simpática e ficou merecendo uma outra visita, desta vez de barriga vazia, para experimentar as iguarias.

Caminhei mais um bocado e notei que já estava muito longe do ponto de partida. Perguntei a uma ciclista - uma corajosa que pedalava em dia de neve e que estava parada no sinal -, onde ficava a região que eu procurava. Ela me disse que era perto da biblioteca onde eu estava antes e eu não percebera. O pastel de Belém ficou para outro dia. Cansado de andar, fui para casa.

Mídia meteorológica

Acabo de descobrir que o site em que vejo a previsão do tempo também traz informações do Brasil. Eu achava que havia só previsão para Canadá e EUA. Neste instante, Salvador faz sol de 31 graus. Com sensação térmica (fator umidade) de 44 graus! Em Toronto, -2 graus com nuvens dançando axé, descendo até o chão.
Não tá fácil pra ninguém.

28.12.11

Cantando na neve


O dia amanhece com sol discreto. Temperaturas baixas, uma onda de frio desce sobre o lado leste do país, atraindo temperaturas negativas, cancelando vôos e complicando a vida de quem dirige nas ruas e estradas. A chuva de ontem congela no chão e a neve vem caindo em flocos.


Os loucos canadenses e suas bicicletas indomáveis
Havia esquecido como é a sensação de andar com a neve caindo. Quando ela vem em flocos, desce devagar, suave, tentando romper a resistência do ar. É a melhor parte do inverno, enquanto a neve ainda não acumula no chão, enquanto não derrete, enquanto não vira gelo, enquanto é possível andar sem o risco de escorregar. A neve caindo em flocos é uma nuvem de confetes no Carnaval, que vem grudando no corpo. Mas sem a música.
 
As camadas de roupas protegem o corpo, não há desconforto ao andar na rua. A não ser que o vento traga o chicote do frio.  Quando a neve cai é sinal de que a temperatura não está muito baixa. Nem alta, com certeza. Ela não molha como a chuva, não encharca as roupas, não aumenta o terror do frio umido. O rosto arde, as poucas partes que ficam descobertas queimam pela tempeatura. Mas a natureza é sábia. Ela pôs olhos de vidro nos homens. Olhos que não sentem frio e que conduzem os passos apressados.

As pessoas caminham de cabeça baixa, para proteger o pescoço e a respiração. Os movimentos do corpo ficam reduzidos. Toucas e capuzes protegem orelhas mas diminuem a visão lateral. O pedestre tem que contar com a paciência e a atenção redobrada dos motoristas. Estes estão em situaçao privilegiada, protegidos pelos seus aquecimentos móveis e ambulantes.

25.12.11

Merry Christmas

A comemoração de Natal na América do Norte é praticamente igual à do Brasil. Ou melhor, a comemoração brasileira é copiada da norte-americana. Na mesa, peru de Natal, presunto, pernil. Pinheiros como árvores de Natal, completando a decoração. Neve e Papai Noel. Consumismo exacerbado. No cardápio, a mudança é só do purê de batata para a farofa brasileira.

Merry Christmas
Alguém daqui me perguntou como é a comemoração do Natal no Brasil. Eu respondi: exatamente igual à do Canadá. Talvez no Brasil a gente não se dê conta de como a nossa alimentação é influenciada pelos hábitos norte-americanos. O querido brigadeiro foi inventado com o leite condensado do hemisfério norte. Aliás, colocar um pouco de leite condensado em um café encorpado fica sensacional.

O peru que preparei, mais uma vez, modéstias à parte, ficou muito bom, temperado com bastante alho, suco de laranja, páprica e tomilho. Aprendi a fazer gravy com o caldo da assadeira e não vivo mais sem isso. O gravy fica uma delícia sobre a carne branca do peru, sobre o purê de batata, sobre a farofa, arroz ou o que mais houver. O stuffing compro semi-pronto no mercado, basta jogar o conteúdo dos pacotes na água quente com um pouco de manteiga.


A saudade do Brasil bateu forte ao assistir ao video da apresentação de Caetano, Gil e Ivete no especial de Natal da tv Globo. Ivete deu um show de emoção ao cantar "Atrás da Porta", imortalizada por Elis Regina. Uma grande responsabilidade. Quando ela começou "Se eu não te amasse tanto assim", tive que sair da frente da tv. Meu coração pediu trégua. Como os cantores baianos conseguem essa magia, é difícil entender.

Senti vontade de estar perto da minha família, dos meus amigos brasileiros, do sol, da praia, do calor, dos encontros cheios de conversas animadas com pessoas queridas. Mas sei que, logo depois, todo mundo viaja e a vida volta à normalidade das férias de verão, pelo menos até o Carnaval. Para mim resta todo um longo inverno pela frente.

10.12.11

Aposentadoria gorda

Nesta semana o jornal The Star noticiou que o famoso time de hóquei Maple Leafs trocou de donos. O fundo de pensão dos professores de Ontario, Ontario Teachers' Pension Plan, vendeu a sua parte, que correspondia a 79,5% das ações, para as empresas de telecomunicação Rogers e Bell. Pela operação, os professores vão embolsar a bagatela de 1,32 bilhão de dólares. Se a gente imaginar no Brasil, seria como se o fundo de previdência dos professores do Rio de Janeiro fosse dono do Flamengo e tivesse vendido o time para embolsar bilhões de reais.

Ontario é a província mais populosa do Canadá e onde Toronto está localizada. O fundo de pensão dos professores de Ontario foi criado em 1989. Tem, portanto, somente 22 anos e já é o maior fundo privado do Canadá.

Imagine como a carreira de professor deve ser disputada nesta província. Bom salário e a confiança que ele não sera reduzido na aposentadoria. Assim como em quase todos os países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, no Canadá apenas algumas grandes empresas e associações de trabalhadores têm fundos privados de pensão. Esses fundos formam o capital por meio de contribuições mensais dos associados e evitam a perda financeira que o trabalhador sofreria se tivesse que contar apenas com a aposentadoria do governo. Os fundos pagam mensalmente a diferença do salário.

No Brasil, o maior fundo de pensao é a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI), que também é o maior fundo da América Latina. A PREVI foi criada em 1904!

Imagine se no Brasil houvesse um fundo dessa envergadura também para os professores, para os policiais, para os bombeiros, para os funcionários públicos. Como o país teria melhores serviços, profissionais bem pagos e com aposentadorias gordas. E muito menos despesas para o governo e o contribuinte, ou seja, todos os brasileiros, que atualmente têm que arcar com a aposentadoria de todas esssas categorias de profissionais.

Mas nem sempre dá para contar com o apoio do governo, que é quem controla o fundo dos professores canadenses. Recentemente, na Argentina, durante a crise financeira, o governo federal meteu a mão em planos privados, para fazer caixa. É espantoso e animador ver que fundos como a PREVI, PETROS (Petrobrás) e FUNCEF (Caixa Econômica) venham durando tanto no Brasil, mesmo passando por tantos solavancos finaceiros e reviravoltas políticas.

Uma coisa é certa, o caminho da poupança, do desenvolvimento, da segurança e do bem-estar das famílias, no mundo todo, passa pelos fundos privados de pensão.





5.12.11

Dos sentidos

Acho que estou dentro de uma festa em que cheguei atrasado. Mas não foi atraso de minutos e horas. Foram anos. Uma festa da qual perdi os melhores momentos. Ou não. Eu me recuso a aceitar. Procuro pensar que foi uma festa para a qual eu não tinha sido convidado, mas que, na última hora, os convites apareceram. Agradecendo à sorte, entrei com os portões quase fechando, o melhor show havia terminado, ainda achei música e bebida, mas gente menos animada. É uma festa na qual terei que ficar até o final, para ajudar a empilhar mesas e cadeiras e varrer o pátio. Mas haverá sol e piscina no dia seguinte, com tudo incluído: comida, bebida e uma bela vista do mar do Caribe.

2.12.11

Quase Natal

Eu me sinto mais adaptado à vida canadense quando ando de bicicleta pela cidade no outono quase inverno, em temperaturas quase negativas, com o vento batendo no rosto semi-coberto, aumentando o frio, com sensação térmica de estar abaixo do zero. É uma sensação de poder, que quer me dizer que o frio não é impedimento para os esportes ao ar livre, que não há a tristeza do confinamento em ambientes aquecidos durante meses, que o inverno pode ser mais curto do que sempre ameaça. O calor do movimento do corpo provoca suor e estimula o bem-estar.

Rodando pela cidade, vejo as pessoas circulando pelo centro comercial, Yonge Street, turistas e nativos, impossível adivinhar, andando sob pesados casacos, monotonamente de cor preta, salvo a madame da Bloor Street, logo ali perto, entrando e saindo de lojas finas, em seu glamouroso casaco de peles, que mais imitava um pássaro ancestral, de penas brancas com reflexos de negro nas pontas. Estão todos alegres, quase confiantes, ricos e pobres, cafonas e modernos, pelas luzes das festas de fim de ano e pelos primeiros reflexos da neve.