19.4.10

A força da palavra

Há vários anos, eu trabalhei em uma cidade do interior da Bahia. Meu primeiro emprego, eu estava feliz da vida em trocar a vida da cidade grande, no litoral, por uma cidade distante, perdida no mapa e sem praias.

Fiz vários amigos, as pessoas daquela cidade me surpreenderam pela simpatia e facilidade de fazer a aproximação. Vários conservo até hoje, me comunicando à distância, via MSN, Orkut, ou qualquer outra facilidade da informática.

Ontem conversava com um dos melhores amigos que fiz naquela época. E ouvi - quero dizer, li - pela tela do computador, coisas que não imaginava.

Ele atualmente possui uma lan house na cidade e possui a sua graduação e pós-graduação em uma Faculade local. Ele me disse que devia tudo a mim. Fiquei surpreso e perguntei por que ele atribuía isso à minha pessoa.

Ele me disse que eu o havia incentivado a estudar. Na época eu ensinava inglês na cidade e estava mais consciente do que nunca do valor da educação. Eu notava que ele era um rapaz inteligente e trabalhador, mas tinha uma deficiência enorme, principalmente em português, fruto do ensino deficiente da rede pública na cidade.

Eu disse que ele deveria investir nele e estudar mais, que ele era inteligente, que ele era capaz. Na época, ele me disse que não era preciso, que tinha um bom emprego, e que, pelos padrões da sua família, ele já havia conseguido muito, pois entre os seus pais e irmãos, ninguém havia estudado muito.

O tempo passou, mudei de cidade, a gente continuou a amizade. O rapaz acabou por perder o seu emprego, mas nunca ficou parado, sempre se virou bem. Foi a época em que veio a febre da instalação das universades particlulares pelo país adentro. A cidade já possuía universidade pública estadual, mas outras particulares se instalaram.

Ele decidiu voltar a estudar e entrou na Faculade de Administração. A cabeça se abriu mais e ele resolveu ser empreendedor. Com o dinheiro dos seus empregos anteriores, comprou alguns computadores, reformou a garagem da casa herdada dos pais - e compartilhada com os irmãos - e montou uma lan house. A localização da casa, no centro da cidade, ajudou para o sucesso do empreendimento.

Ele concluiu o curso e, não satisfeito, fez ainda uma pós-graduação. A sua pequena empresa vai bem, ele já montou uma casa para sua filha e a colocou em uma escola particular. Agora ele está pensando em estudar inglês para que, quem sabe, eu não duvido nada, ele possa fazer um mestrado.

Pela comunicação via MSN eu pude comprovar que o português do meu amigo melhorou de forma impressionante. Eu disse a ele que eu não tinha nenhuma responsabilidade no seu sucesso, que tudo era resultado do seu esforço. Mas ele insistiu que as palavras que eu tinha lhe dito fizeram mais sentido do que eu imaginava. Ele me disse que as palavras de encorajamento que a gente diz para uma pessoa ficam sempre marcadas na memória. Ele me disse ainda que, quando se deparava com dificuldade nos estudos, ele lembrava sempre: "não posso decepcionar o meu amigo, ele confia em mim". Confesso que fiquei alguns instantes sem respirar, com as lágrimas insistindo nos meus olhos.

E, para completar, ele disse que convenceu duas de suas irmãs a estudar. Elas agora também estão fazendo cursos superiores. Eu disse a ele que isso era resultado do círculo virtuoso da educação. Eu ganhei o dia.

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