Querida amiga,
Estou lendo um livro cuja primeira - e acho que única - indicação para mim foi sua:
Afrodita, Cuentos, Recetas y Otros Afrodisíacos, de Isabel Allende. Eu estava na época do trabalho de conclusão de Jornalismo, que tratava da comida da nossa região, e você viajava comigo. Sei que o tema também lhe é muito querido. Então a gente conversava muito nos intervalos de trabalho e você sempre me trazia ideias e sugestões de temas, detalhes, personagens. Nós viajávamos juntos.
Eu creio que, naquela época, o livro da escritora chilena servia de inspiração para a sua criatividade culinária e talvez amorosa, provavelmente. Sei que, naquele tempo, você não era muito próxima das panelas, mas adorava o assunto e adorava viver rodeada de bons resultados no fogão, seja lá de quem viessem. Livros e panelas (ou, melhor, o produto delas) sempre nos atraíram.
Outro dia li um comentário seu sobre o reencontro com amigos de longa data. Sobre o carinho existente, sobre como é bom não precisar medir as palavras, para não correr o risco de ser mal interpretado. Os velhos amigos cumprem bem esse papel, tenho certeza.
Aqui neste país de línguas estranhas eu vivo uma realidade que adoro. Comidas do mundo inteiro ao alcance fácil das mãos - e do bolso. Livros que nunca imaginei poder ler. E, o que é melhor, em suas línguas originais. O sistema de bibliotecas da cidade me dá acesso a livros em um número inacreditável de títulos em inglês, francês, espanhol e português.
Depois de quatro anos aqui e de bastante esforço - uma tarefa agradável, no entanto -, aprendi a ler sem muita dificuldade em francês e inglês. Com o aumento do vocabulário, entranhamente, até o espanhol ficou mais fácil. Por isso preferi ler Afrodita na versão original, sem recorrer a traduções.
Mas, sabe, acho que o que mais me motivou a escrever esta missiva foi saudade da nossa troca de informações. Algo muito presente entre mim e os meus amigos, algo que sempre tive ao meu alcance. Lembro que você sempre chegava com uma novidade, um detalhe inesperado, um filme inédito, uma peça de teatro estreando, um plano de viagem, fosse ela mental ou a um local distante.
Graças ao céus, aqui também conheço pessoas bacanas e generosas, capazes de grandes gestos de ajuda e companheirismo. Aqui também tenho pessoas instruídas e cultas ao meu redor. Seres de culturas, de origens e línguas diferentes. Mas falta um pouco da viagem. Não aquela aos locais distantes, um gosto compartilhado por todos. Mas a viagem das ideias.
A sobrevivência em um mundo estrangeiro induz ao pragmatismo. E a um certo consumismo, infelizmente. Trava-se uma busca incessante por segurança, pelo aluguel do próximo mês, por realização profissional. Totalmente compreensível. Aqui não se conta com a rede familiar. Aqui parte-se do zero para a construção de uma nova vida. O que é muito bom, mas também tira muito da energia para fruição, do prazer de aproveitar e debater pequenos e grandes detalhes da cultura e dos hábitos em que fomos criados e nutridos. Ou do local em que estamos inseridos e que é a nossa casa atual.
Querida amiga, esta carta é algo de crônica de uma bela lembrança. De um pequeno desabafo, talvez. Somos felizes por poder transformar em letras os pensamentos e sentimentos. E de poder ter com quem compartilhar.
Se isso for apenas mais uma incumbência para transportar, nessa frágil existência humana, que o fardo seja leve, alegre e traga boas palavras ao mundo.
Um beijo.