29.5.07

Diversos

Montréal é uma cidade que finge falar francês, mas na verdade fala muitas línguas. As pessoas se restringem ao francês no restante do Québec, mas Montréal faz concessões à pujança econômica do Canadá inglês. Isso tem explicações históricas, não começou agora. Montréal sempre foi um porto de intenso comércio .

Na atualidade existem duas universidades na cidade com os cursos totalmente em inglês. Muitos estudantes estrangeiros também vêm fazer cursos de francês e inglês aqui, nas escolas de línguas. Os orientais que atendem nos restaurantes praticamente só conseguem falam inglês. Aliás, a razão pela qual o inglês se tornou uma língua mundial vai além da questão econômica. O inglês é um pouco mais simples do que as demais linguas ocidentais. Mais fácil do que português, francês, espanhol, italiano, alemão e demais variações. A razão é simples: no inglês não há conjugação de verbos. Nem modos verbais, como o famigerado subjuntivo.

O tenebroso subjuntivo, que também existe no francês, é complicado de ser aprendido -e utilizado. No português quase nunca é falado corretamente. Desconfio que no francês é a mesma coisa.

Em Montréal as pessoas primam pela facilidade com que transitam pelo francês e inglês. Ao menor sinal de dificuldade do ouvinte, mudam logo para o inglês. E com pouco sotaque, pois desde crianças aprendem as duas línguas na escola e cedo adquirem facilidade em passear pelas duas.

Todo o tempo se discute a questão da multiculturalidade por aqui. Dos imigrantes que chegam no país, a maior parte é composta de trabalhadores qualificados e vem de todos os continentes. Há muitos muculmanos, a maior parte vem do norte da Africa. As mulheres portam o hidjab, o véu que cobre os cabelos. Há tambem refugiados, que o Canadá acolhe quando eles que conseguem provar as dificuldades em seus países de origem. Mas a maior parte dos imigrantes é mesmo de trabalhadores, de nível superior ou técnico, que vêm em busca de melhores salários.

São engenheiros, medicos, enfermeiros, analistas de sistema que chegam ao pais com o aval do governo, mas nem sempre conseguem emprego em suas profissões. O motivo? Quase sempre são as restrições das associações profissionais. O caso mais famoso é o dos médicos. O país tem carência dos trabalhadores da saúde, mas o conselho de profissionais nao permite que pessoas formadas em outros paises exerçam a profissão no Canadá.

Alguns acreditam que é mais fácil começar do zero, voltar para a faculdade - com bolsa do governo -, do que conseguir a validação do diploma para exercer a atividade profissional no Canadá. Outro dia, a polêmica sobre foi tão intensa que o ministro da saúde foi à televisão para falar sobre o assunto. Junto com o presidente do conselho dos médicos e o representante da associação dos médicos graduados no exterior. Aqui tem todo tipo de associação, até essa.

Na revista L´Actualité, a Veja aqui do Quebec, há uma grande reportagem sobre a integracao dos latinos na Provincia. Latinos são todos os paises da America Central e do Sul. A integracao dos latinos é muito bem vista. A proximidade da língua, o comportamento amigável, a culinária, os ritmos musicais e as danças são aspectos que facilitam a incorporação ao país. Os orientais tem um pouco mais de dificuldade, pela diferenca da língua e dos costumes. Com os muçulmanos, não dá nem para comentar, pois a rigidez dos seus hábitos fazem com que permaneçam afastados.

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Parlamento
Fui conhecer Ottawa, a capital do Canada, durante feriado nacional, o Dia do Patriota. Ottawa - ou Outaoais em francês - fica a 150 km de Montreal, mas faz parte da Província de Ontário, onde também fica Toronto, a maior cidade do país. Ottawa fica na divisa entre Ontário e Québec. No lado do Québec fica a cidade de Gatineau. Do outro lado do rio, também chamado de Ottawa, fica a capital do país. De um lado da ponte fala-se francês. Do lado lado, mais inglês do que francês.

Fiquei surpreso com a beleza da cidade, não esperava tanto. O dia estava ensolarado, perfeito para o passeio. Fui, junto com o grupo da escola, ao museu das civilizações canadenses, uma construção bela, moderna e funcional, na beira do rio. O museu reconstitui parte da história e da arte das tribos indígenas do Canada, particularmente da região da costa Oeste, do lado do Pacífico.

Da área externa do museu dá para ver o belo Parlamento, que seria a nossa próxima parada. Na colina em que o imponente prédio do parlamento fica instalado, centenas de turistas tiveram a mesma idéia de visitá-lo. Fotos e mais fotos para eternizar um momento fugidio. A parada seguinte foi o Festival de Tulipas. Não é só a Holanda que possui muitas tulipas. Aqui no Canadá, essas flores são muito comuns.

A história das tulipas no Canadá remonta a época da Segunda Guerra Mundial, quando o país acolheu a família real holandesa. Em retribuição à hospedagem, a realeza da Holanda enviou milhares de bulbos de tulipas de presente. O festival, que ocorre todos os anos, celebra os laços de amizade entre os dois países. Depois da guerra, muitos holandeses imigraram para o Canada.


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A existência e utilização duas línguas tão diferentes no mesmo país proporciona o movimento interessante de mudanca fácil de uma coisa para a outra. O que não é fácil para quem mora em um país em que só se fala uma língua. Percebe-se isso claramente no trabalho da cantora Celine Dion, canadense do Québec, que ficou conhecida mundialmente pela música-tema do filme Titanic, "My heart will go on". No feriado, um dos canais de televisão (em francês, existem outros em inglês) transmitiu o show do lançamento do disco D'Elles, de Celine Dion. O disco, todo cantado em françês, tem as música compostas somente por mulheres.

Algumas escritoras e poetas do Quebec tiveram suas palavras e versos musicados e transformados em emoção crescente na voz de La Dion. A união da literatura e da música. Olha que coisa bacana.

Fiquei babando e imaginando como seria interessante ver isso no Brasil, em uma época em que as letras das músicas soam tão vazias. Que tal Gal, Betânia ou mesmo Daniela Mercury cantando versos de Miriam Fraga, de Aninha Franco, de Mabel Veloso? No show televisionado, as escritoras deram os seus depoimentos sobre a alegria de verem suas palavras na voz da cantora que é um dos orgulhos da nação quebequense.

Em minha opinião Celine Dion canta melhor em francês do que em inglês.

16.5.07

O mico e a jiboia

Pela primeira vez vi um mico-leao-dourado. Aqui no Canada. O bichinho parece mesmo um pequeno leão. É minúsculo e tem um inacreditável pêlo brilhante. O mico fica pulando de galho em galho no Biodôme, um parque coberto e climatizado aqui em Montreal. Nesse parque, com a forma de uma grande cúpula, cabem varios ambientes. O polo sul e seus pinguins. Floresta tropical com capivara, papagaios barulhentos e micos do Brasil e da Colômbia. Passando pela floresta temperada canadense.

Biodome

O tempo quente faz os canadenses irem para as ruas praticar todos os esportes que nao podem no tempo frio. São patins, bicicletas, patinetes, motos. Tudo o que fica guardado nos cinco meses de inverno. Até o detestável costume de passear em fantásticos carros conversíveis. Os precos dos carros sao de chorar de inveja. Alguns daqueles jipes, fantasticos bebedores de combustivel, além de outros grandes e confortaveis carros japoneses (Honda, Toyota, etc.) estao disponiveis por 15 a 20 mil dolares, um pouco mais do que um carro popular no Brasil. Os financiamentos variam de acordo com o modelo, mas com 200 dolares canadenses de prestacao, durante 50 ou sessenta meses, compra-se um carro luxuoso para os padroes brasileiros. Dizem que o dificil eh pagar o seguro.

Uma loja que faz a festa dos brasileiros no Canada é a Dollarama. Tudo é vendido por um dolar. É a versão original das nossas combalidadas lojas de 1,99 do Brasil. Só que aqui, inacreditavelmente, é possível comprar praticamente todos os artigos de uma casa (artigos de cozinha, limpeza, além de presentes, papelaria, miudezas) por 1 dolar. Até pratos brasileiros, daquele tipo duralex, que no Brasil custam 4 ou 5 reais, aqui eu vi por CAN $ 1,14 (um dolar mais 0,14 de impostos). O que equivale aproximadamente a 2,14 reais. No Brasil, os impostos respondem por boa parte do preço dos produtos, que deveriam ser mais acessíveis à população. Quase todos os produtos da Dollarama vem da China. A diferença é que, ao contrário do que se acha nos camelôs do Brasil, os produtos tem mais qualidade.

As pêras que vem da Argentina tambem estão mais baratas aqui do que no Brasil. Vinhos chilenos e argentinos são facilmente encontrados nas prateleiras dos mercados e "depanneurs", como são chamadas as lojas de conveniência. As uvas chilenas estão por toda a parte. Frutas dos México, da Colômbia, da America Central. Enquanto o Brasil mantém preconceitos idiotas com o comércio com os Estados Unidos e Canada, os vizinhos do cone sul seguem na frente, entupindo as prateleiras. Outro produto brasileiro que orgulhosamente está presente aqui é a multinacional cerveja Brahma. E com propaganda em português na rua! Em um país multicultural, uma propaganda em uma linguagem pouco conhecida, mas relativamente possivel de ser lida (para quem fala francês, nao para os anglofonos), é um charme extra.

Uma coisa que gosto muito aqui sao os jornais. Alguns são distribuídos gratuitamente. O Canada é um dos maiores produtores de papel do mundo. Publicações em inglês e francês entopem as bancadas das estações de metrô. As notícias são as mesmas em todos os jornais. Na entrada do metrô ficam entregadores. As pessoas aceitam e vão lendo durante a viagem. Chegam atualizados no trabalho e na faculdade. Há inclusive cadernos culturais. A minha leitura em francês tem melhorado bastante em função dos minutos que ganho na leitura diária, enquanto aguardo chegar a estação onde irei descer.

No bairro em que estou morando há várias lojas temáticas de roupas. Tem loja de roupa punk-dark, onde quase todas as roupas são pretas, com motivos de aranhas, caixões, caveiras, esqueletos e tudo mais que faz a festa dos metaleiros e afins. Uma outra loja eh inspirada no Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, o famoso disco dos Beatles. Outra vende só chapéus e bonés. Outra só narguilés, aqueles apetrechos usados para fumar. Outra vende bonecos e artigos inspirados em personagens do cinema, como robôs e naves de "Guerra nas Estrelas". Muitos filmes americanos são rodados no Canadá, principalmente em Toronto. A filmagem é mais barata aqui. Sabe aquela cena em que o cara entra em um beco escuro, que tem escadas de incêndio e lixeiras grandes^ Aqui em Montréal tem um monte desses becos. De vez em quando paro para olhar e fico imaginando se já vi algum filme gravado ali.

Voltando a falar sobre vestuário, as pessoas pessoas estao acostumadas com as esquisitices que raramente olham para os lados. Isso parece ser coisa de gente menos acostumada com isso, como eu, que gosto de ficar reparando, mas disfarço para ninguem perceber. Mas no ultimo domingo eu vi uma coisa que tirou alguns canadenses do sério. Caminhando em direção ao parque, para onde seguiam varias outras pessoas, um rapaz portava um adereço inusitado em volta do pescoço e dos ombros: uma bela jibóia. Pela primeira vez eu vi canadenses se virarem para olhar alguma coisa. Talvez nem tanto pela curiosidade, mas pelo medo da cobra. E lá seguia o rapaz, com a cobra fazendo o papel de "foulard", o cachecol utilizado em volta do pescoço para vencer os dias frios.

Fiquei imaginando que, para uma cobra, mesmo não venenosa, ficar tao tranquila em volta de um suculento pescoço, ela deve estar muitíssimo bem alimentada. Que o cara não entre no parque Biodôme, aquele que tem o mico brasileiro. Provavelmente será impedido. A tal da cobra, saudosa dos sabores tropicais, pode querer matar a nostagia. O pobre do miquinho, quem sabe, iria se extinguir de vez, com tempero tropical e tudo, no estômago da jibóia.

8.5.07

A primavera chegou para ficar

Enfim o sol chegou. A primavera colocou a cara para fora. As pessoas estão mais alegres e com roupas mais leves, os casacos mais pesados foram para o armário. Prédios, casas, parques e jardins agora possuem mais detalhes do que possuiam antes. Ou que o frio não possibilitava ver, pois o passo tinha que ser apressado. As cores apareciam menos. Os brotos nascem nas árvores e cercas-vivas. Em breve as flolhas de plátano revelarão os seus tons avermelhados.

Mudei de casa. Saí do bairro onde cheguei inicialmente e agora estou na região central da cidade, em um bairro chamado Plateau Mont-Royal. Há muitas lojas, bares, cafés e restaurantes. É a região plana aos pés do Mont Royal, a colina que deu origem ao nome da cidade.

Montréal é a união dos palavras "mont" e "real". Em português e inglês, o nome da cidade é falado como uma só palavra, pois o "t" é pronunciado e une as duas partes. Em francês é diferente. O nome é dito na forma de duas palavras separadas: "mont", que se pronuncia "mon", pois o "t" é mudo; e "réal", pronunciado da mesma forma que em português. Coisas das línguas.

Pois bem, aos pés do Mont-Royal há um belo parque gramado, no qual acontece acontece todos os domingos a festa do tam-tam. Um bocado de gente se reúne para tomar sol, jogar algum esporte, fazer piquenique e ouvir som. Muita gente mesmo. Desde o final na manhã já passava um bocado de gente pelas ruas em direção ao parque. O povo se resfestela como pode: em toalhas, edredons, esteiras de palha e o tudo mais que pode ser estendido na grama.

A música vem de varios cantos. São batucadas de pequenos tambores (os "tam-tams"). Alguns grupos são mais organizados, possuem bateria, saxofone e alguém tentando reger aquela confusão. Para quem está acostumado com a batida vigorosa dos tambores afro-baianos, a batucada dos canadenses é apenas um "barulhinho bom", como diria Marisa Monte. Mas que serve de animação para um bocado de gente.

E chega gente de bicicleta (a cidade tem vários quilômetros de ciclovias), de patins, de skate, a pé, de carro, de ônibus, de metrô. Vários carrinhos de bebês de todos os modelos. Até rebocado por bicicleta. Muitas pessoas com cachorros. Os cachorros aqui são de todos os tamanhos, dos minúsculos aos que parecem grandes bezerros. Todos parecem dóceis, mesmo os grandões. Criados em apartamentos, eles não tem a função de seguranças de casas, diferente do que normalmente acontece no Brasil.

Se o Québec tem clima latino, em Montréal as manifestações culturais nas ruas são ainda mais intensas. Dizem que no verão as apresentações musicais acontecem por todos os lados. O festival de jazz é um dos mais famosos do mundo. A atividade circense faz parte do espírito local. A cidade é a sede do Cirque du Soleil, que acaba de estrear um novo espetáculo, "Kooza", lançado com estardalhaço e bajulado pela mídial. A tenda do circo fica armada no cais do velho porto, na parte antiga e histórica, chamada "Vieux-Montréal". Quem foi ver disse que há momentos de chegar às lágrimas pela emoção.