16.5.07

O mico e a jiboia

Pela primeira vez vi um mico-leao-dourado. Aqui no Canada. O bichinho parece mesmo um pequeno leão. É minúsculo e tem um inacreditável pêlo brilhante. O mico fica pulando de galho em galho no Biodôme, um parque coberto e climatizado aqui em Montreal. Nesse parque, com a forma de uma grande cúpula, cabem varios ambientes. O polo sul e seus pinguins. Floresta tropical com capivara, papagaios barulhentos e micos do Brasil e da Colômbia. Passando pela floresta temperada canadense.

Biodome

O tempo quente faz os canadenses irem para as ruas praticar todos os esportes que nao podem no tempo frio. São patins, bicicletas, patinetes, motos. Tudo o que fica guardado nos cinco meses de inverno. Até o detestável costume de passear em fantásticos carros conversíveis. Os precos dos carros sao de chorar de inveja. Alguns daqueles jipes, fantasticos bebedores de combustivel, além de outros grandes e confortaveis carros japoneses (Honda, Toyota, etc.) estao disponiveis por 15 a 20 mil dolares, um pouco mais do que um carro popular no Brasil. Os financiamentos variam de acordo com o modelo, mas com 200 dolares canadenses de prestacao, durante 50 ou sessenta meses, compra-se um carro luxuoso para os padroes brasileiros. Dizem que o dificil eh pagar o seguro.

Uma loja que faz a festa dos brasileiros no Canada é a Dollarama. Tudo é vendido por um dolar. É a versão original das nossas combalidadas lojas de 1,99 do Brasil. Só que aqui, inacreditavelmente, é possível comprar praticamente todos os artigos de uma casa (artigos de cozinha, limpeza, além de presentes, papelaria, miudezas) por 1 dolar. Até pratos brasileiros, daquele tipo duralex, que no Brasil custam 4 ou 5 reais, aqui eu vi por CAN $ 1,14 (um dolar mais 0,14 de impostos). O que equivale aproximadamente a 2,14 reais. No Brasil, os impostos respondem por boa parte do preço dos produtos, que deveriam ser mais acessíveis à população. Quase todos os produtos da Dollarama vem da China. A diferença é que, ao contrário do que se acha nos camelôs do Brasil, os produtos tem mais qualidade.

As pêras que vem da Argentina tambem estão mais baratas aqui do que no Brasil. Vinhos chilenos e argentinos são facilmente encontrados nas prateleiras dos mercados e "depanneurs", como são chamadas as lojas de conveniência. As uvas chilenas estão por toda a parte. Frutas dos México, da Colômbia, da America Central. Enquanto o Brasil mantém preconceitos idiotas com o comércio com os Estados Unidos e Canada, os vizinhos do cone sul seguem na frente, entupindo as prateleiras. Outro produto brasileiro que orgulhosamente está presente aqui é a multinacional cerveja Brahma. E com propaganda em português na rua! Em um país multicultural, uma propaganda em uma linguagem pouco conhecida, mas relativamente possivel de ser lida (para quem fala francês, nao para os anglofonos), é um charme extra.

Uma coisa que gosto muito aqui sao os jornais. Alguns são distribuídos gratuitamente. O Canada é um dos maiores produtores de papel do mundo. Publicações em inglês e francês entopem as bancadas das estações de metrô. As notícias são as mesmas em todos os jornais. Na entrada do metrô ficam entregadores. As pessoas aceitam e vão lendo durante a viagem. Chegam atualizados no trabalho e na faculdade. Há inclusive cadernos culturais. A minha leitura em francês tem melhorado bastante em função dos minutos que ganho na leitura diária, enquanto aguardo chegar a estação onde irei descer.

No bairro em que estou morando há várias lojas temáticas de roupas. Tem loja de roupa punk-dark, onde quase todas as roupas são pretas, com motivos de aranhas, caixões, caveiras, esqueletos e tudo mais que faz a festa dos metaleiros e afins. Uma outra loja eh inspirada no Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, o famoso disco dos Beatles. Outra vende só chapéus e bonés. Outra só narguilés, aqueles apetrechos usados para fumar. Outra vende bonecos e artigos inspirados em personagens do cinema, como robôs e naves de "Guerra nas Estrelas". Muitos filmes americanos são rodados no Canadá, principalmente em Toronto. A filmagem é mais barata aqui. Sabe aquela cena em que o cara entra em um beco escuro, que tem escadas de incêndio e lixeiras grandes^ Aqui em Montréal tem um monte desses becos. De vez em quando paro para olhar e fico imaginando se já vi algum filme gravado ali.

Voltando a falar sobre vestuário, as pessoas pessoas estao acostumadas com as esquisitices que raramente olham para os lados. Isso parece ser coisa de gente menos acostumada com isso, como eu, que gosto de ficar reparando, mas disfarço para ninguem perceber. Mas no ultimo domingo eu vi uma coisa que tirou alguns canadenses do sério. Caminhando em direção ao parque, para onde seguiam varias outras pessoas, um rapaz portava um adereço inusitado em volta do pescoço e dos ombros: uma bela jibóia. Pela primeira vez eu vi canadenses se virarem para olhar alguma coisa. Talvez nem tanto pela curiosidade, mas pelo medo da cobra. E lá seguia o rapaz, com a cobra fazendo o papel de "foulard", o cachecol utilizado em volta do pescoço para vencer os dias frios.

Fiquei imaginando que, para uma cobra, mesmo não venenosa, ficar tao tranquila em volta de um suculento pescoço, ela deve estar muitíssimo bem alimentada. Que o cara não entre no parque Biodôme, aquele que tem o mico brasileiro. Provavelmente será impedido. A tal da cobra, saudosa dos sabores tropicais, pode querer matar a nostagia. O pobre do miquinho, quem sabe, iria se extinguir de vez, com tempero tropical e tudo, no estômago da jibóia.

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