Aniversário
Depois da comemoração da data nacional do Québec no dia 24 de junho, no dia 1 de julho é o dia do Canadá celebrar o seu aniversário. Data de aniversário? Coisa estranha para a gente. No Brasil, a data nacional é considerada como sendo o dia sete de setembro, data da independência. Mas não se fala em aniversário. Pelo menos é o que os astrólogos consideram na hora de fazer as previsões do país. O Brasil seria então do signo de virgem e o Canadá do signo de câncer.
Diferente da comemoração que aconteceu no Québec, o Canadá fez e faz questão de valorizar as comunidades de imigrantes. E o país inteiro valoriza as chamadas "minorias" - nem tão minorias assim. Por exemplo, o representante da rainha da Inglaterra no Canada, chamado de governador-geral, é uma mulher. Negra. O ministério do patrimônio canadense é chefiado por uma mulher. Japonesa. Dá para sentir que não se trata apenas de querer ou não valorizar. É um fato incorporado às características do país.
A governadora-geral esteve recentemente em visita ao Brasil. Ela é ex-apresentadora de TV e bastante carismática. Como é negra e de origem haitiana, ela é bastante simpática aos povos negros do terceiro mundo. Quando esteve no Mali foi recepcionada por uma multidão. No Brasil ela fez questão de ir à Salvador.
Quanto ao Québec, compreende-se que a província a todo tempo queira reafirmar a sua identidade e as suas origens. É a forma encontrada para se diferenciar do resto do país. Nas placas dos veículos do Québec existe a inscrição "Je me souviens", que quer dizer "Eu me lembro". O povo do Quebec não quer esquecer as tais origens francesas. E, fiel ao seu passado, acaba por dificultar a incorporação de novos elementos culturais. Faz até um certo sentido, pois os quebequenses conseguiram manter a língua francesa depois de dois séculos (!) de dominição inglesa.
Mas no desfile do aniversário do Quebec não havia praticamente referência às comunidades culturais de imigrantes presentes na província. Nos festejos que aconteceram em Ottawa, a capital do Canadá, o tema sempre esteve presente, do discurso do Primeiro-ministro aos shows que foram apresentados.
Achei interessante que durante a transmissão da festa, o canal de televisão fez a seguinte pergunta para várias crianças: "Para você, o que é o Canadá?". Uma das crianças dissse: "É um país para onde vem gente até do fim do mundo". Acho que o menino quis dizer que vem gente de todo o mundo.
É mesmo essa a impressão, depois de sair na rua e ver indiana vestindo sari, indiano sikh com o turbante enorme na cabeça (o cabelo e a barba não podem ser cortados), libanesa usando hidjab (o véu que cobre cabelos e orelhas), africanos usando túnicas coloridas e até canadenses de longa data, cheios de piercings e roupas pretas. Todos dentro do mesmo ônibus.
Bóia-fria
Uma mania nacional no Canadá é a farofada. Como assim? Claro que eles nao costumam consumir farofa, uma coisa que nem em sonho aparece por aqui. Os canadenses têm o hábito de levar lanches para todos os lugares. Um hábito que provavelmente herdaram dos ingleses, que se comportam da mesma forma, como pude conferir na minha viagem à Inglaterra, há alguns anos.
O lanche vai para todos os lugares e ocasiões. Para o parque, para a escola, para o passeio na beira do rio, para o curto intervalo de almoço de trabalho. Qualquer intervalo lá estão eles, os farofeiros (quantas vezes também encomendei a marmita durante o trabalho?) sacando sanduíches, bolos, sucos de caixa, frutas frescas e secas, biscoitos, barras de cereais e tudo mais que pode ser carregado dentro de uma bolsa ou mochila. Além de custar mais barato, o lanche é mais saudável do que comer hamburgueres ou pizzas e nem sempre há nos parques local disponível para comprá-los.
Não há vendedor de churrasquinho de gato, nem baiana de acarajé, nem ambulante com isopor oferecendo cerveja e refrigerante, nem barraca de praia com um monte de tira-gostos no cardápio, nem queijinho coalho com fogareiro causador de queimaduras. Aliás um dos mistérios mais intrigantes da Bahia é como o vendedor de queijo coalho consegue passar no meio de uma multidão, no meio de uma festa popular, e não queimar ninguém? Nunca consegui entender isso, e para evitar, sempre preferi me desviar quando algum vendedor desses aparece.
Para quebrar o galho com o lanche, aqui há sempre máquinas de bebidas e lanches. Colocou a moedinha, voilà, comida e bebida na mão. No Québec também existem os "depanneurs", que são correspondentes às lojas de conveniência. Depanneur é uma palavra que no francês da França tem um outro sentido. Lá a palavra significa o mecânico de carros que presta assistência a qualquer hora. O "depanneur" do Québec, por sua vez, presta os primeiros-socorros noturnos essenciais, como cervejas, vinhos, cigarros, chocolates, jornais, leite e lanches. Essas coisinhas sem as quais fica muito dificil viver em cidade grande. Em Montréal, a cada dois ou três quarteirões se acha um depanneur. Quase sempre de propriedade de imigrantes. Tem loja de chinês, árabe, indiano, libanês e por aí vai. Os depanneurs são típicos do Québec e são algo de que os quebequenses se orgulham.
Então, em vez de comprar mais caro no depanneur, o Canadense sabidamente leva na bolsa o seu lanche.
O Québec tem tradição de mais liberalidade do resto do Canadá inglês. Na província francesa, as bebidas alcoólicas podem ser vendidas nos mercados e nos depanneurs. No restante do Canadá inglês, não. Somente nas lojas especializadas em bebidas. Outra diferença é o horário das casas noturnas. Na parte inglesa, inclusive na metrópole Toronto, as casas noturnas fecham às 2 da manhã. No Québec a tolerância é maior, a lei permite o funcionamento até e a venda de bebidas alcoólicas até as 3 da manhã. Mas, em nenhum dos dois locais se pode sair às ruas bebida alcoólica, uma vez que a maior parte tem embalagens de vidro. Ok, tudo bem, até na nossa velha Salvador, a venda de cerveja em garrafa é probida nas festas de largo. Para prevenir aquela tradição ancestral de brigas e acidentes com cacos de vidro em forma de armas. O que acontece é que há o "jeitinho popular", como em qualquer cultura latina. Para disfarçar, o povo do Québec, quando está na rua bebe a cerveja enrolada no saco de papel marrom ou de plástico do supermercado.
Além do lanche, a mochila do quebequense carrega o capacete da bicicleta, a garrafa de água e o pulôver para a mudança do tempo, que pode ocorrer qualquer hora. E, de acordo com o gosto, algum trago de bebida quente ou qualquer outra substância para animar a festa.
Os carros de bebês
Para poder sair de casa, os canadenses que têm filhos pequenos não se apertam. Em um país em que não existem babás e que as avós normalmente estão viajando pelo mundo, com os seus novos namorados ou em seus programas com os grupos da terceira idade, os pais tem que levar as crianças, não importa o jeito. Os carrinhos de bebê estão por todos os lados. No início, depois de ver tantos carrinhos de bebês pelas ruas, pensei que essa história de baixa natalidade fosse conversa para boi dormir. Depois vi que os pais andam com os carrinhos por todos os lados. No metrô, nos ônibus, nas festas populares e nos shows. Para não perder o calor do verão e os eventos, vale tudo. Já vi carrinho de bebê rebocado por bicicleta. Já vi gente de patins empurrando o carrinho. Já vi bicicleta dupla, em que o pai vai pedalando na frente e o filho vai atrás, fingindo que também pedala. Já vi gente que carrega filho junto do corpo, enrolado em panos, como nas tribos africanas, como se fosse uma bolsa de canguru. Tudo vale a pena para poder sair de casa no verão.
Aí é que fui perceber um lado cruel da violência e da desorganização do Brasil. Simplesmente não e possível tomar um ônibus ou metrô com um carrinho de bebê ou se deslocar em grandes distâncias pelas ruas brasileiras empurrando o tal carrinho. Os pais não se atrevem a fazer isso. A calçada é esburacada e interrompida. Ok, aqui também, nas estações de metrô, faltam rampas para deficientes físicos e que também serviriam para os carrinhos de bebê. As mães precisam de braços fortes para subir os degraus com o peso duplo de bebês e carrinhos.
No Brasil, por sorte, as famílias permanecem um pouco mais compreensivas e de vez em quando aparece algum parente caridoso para dar uma força quando os pais quem sair. A avó e o avô, tradicionalmente encarregados no passado, talvez estejam com a agenda cheia de compromissos e não tenham muita disponibilidade. O âmbito familiar, no Brasil, ainda cumpre o papel de apoio que nem o governo, nem a rede de organização social, cumprem com eficiência.
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