Sem dar noticias há alguns dias, pois o tempo apertou mais ainda. Reta final do curso de francês e muita coisa para fazer. Só agora estou mais folgado.
Redação, apresentação oral, análise de texto, prova escrita. Optar por estudar francês no curso de extensão de uma universidade teve inúmeras vantagens. Aprendi muito sobre a cultura do Québec. A escrita se desenvolveu bastante, quase não consigo acreditar quando vejo a diferença nos primeiros textos. A grámatica foi esquadrinhada. Mas também há algumas desvantagens.
A parte de conversação fica em segundo plano - e ela é essencial para mim. Para compensar, ao mesmo tempo me matriculei em um curso somente de conversação. Foi aí que realmente consegui colocar em prática o conhecimento gramatical aprendido. A professora Tessa, francesa formada em Direito e Pedagogia, casada com um quebequense, que já morou e estudou na Alemanha e na Inglaterra (fala bem também inglês e alemão), me proporcionou (e tem me proporcionado, pois ainda não acabou) aulas muito agradáveis, nas quais a discussão sobre temas diversos corre livre.
Quando se viaja para estudar uma língua, normalmente compra-se o pacote de escola + hospedagem com família em alguma agência de viagem. As escolas sabem que os visitantes procuram conjugar estudos e diversão. O ritmo é menos exigente. Aprende-se muito bem, mas sem tantas minúncias de notas, informações históricas e avaliação detalhada de apresentação oral. Normalmente as testes são mais curtos e ocorrem cada semana, na sexta-feira, para evitar que os assuntos acumulem. E que os estudantes aumentem o fim-de-semana, dando prosseguimento à festa da quinta-feira. As escolas também são mais caras!
Bom, nas duas modalidades, em uma escola de línguas e em uma universidade, é inegável que aprende-se bastante.
Durantes as aulas de conversação aprendi coisas muito interessantes com os alunos que vêm de outros continentes, como os norte-africanos da Tunísia e da Argélia. Por exemplo, a colega muçulmana opta por não usar o véu, que se chama hidjab. Como, em uma cultura tão rígida, em que as mulheres não podem mostrar orelhas e cabelos, pode existir algo sensual como a dança do ventre? A colega da Argélia me disse que é uma religião muito contraditória, na qual existem pessoas que seguem do modo como acham correto. Tem gente que fuma, bebe, tem gente que não reza na hora exata e tem gente que não usa o véu. E eu que pensava que essas transgressões só eram comuns no catolicismo...
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O verão em Montréal. Depois do frio de abril, o verão se instala sem dó. Há um fenômeno que ocorre no verão, que se chama "canicule". Durante esse período faz um calor de rachar durante três semanas. Até agora, o canicule não chegou. Mas o calor atinge os 35 graus. Dentro de casa! a manteiga, coitada, teve que ir para a geladeira, pois corria o risco de sumir. Para piorar a situação, em Montréal não tem aquela brisa fresca do mar da Bahia. Mas o povo daqui não tá ligando muito, não. Quer mais é aproveitar, pois acaba logo e a neve em breve volta a cair durante um período de mais de quatro meses.
Montréal é uma cidade essencialmente turística. Os americanos vem para cá com a impressão de ter acesso a uma Europa mais próxima e acessível. Para animar a cidade, em julho acontecem inúmeros festivais. Depois do Festival Internacional de Jazz, ocorreram o Juste Pour Rire (de paradas e shows de humor), a Love Parade (festas e músicas), parada LGTB, festival de cinema, festival de música africana. Agora ocorre o FrancoFolies, festival de música francesa. Artistas e cantores do mundo inteiro se apresentam na cidade.
Teatro Pavana (da Itália) presente no Festival Juste pour Rire
Julho vai acabando e as aulas vão retornando. Os operários da construção civil voltam a trabalhar. Alguns restaurantes, que estavam fechados para as férias de verão, reabrem. Aliás isso é algo inconcebível para mim. Como, em uma cidade turística, os restaurantes podem se dar o luxo de fechar em plena alta estação? Claro que são restaurantes de pessoas do Québec. Um imigrante chinês, italiano, vietnamita ou polonês nunca fecharia o seu estabelecimento no verão. Os turistas precisam comer. E estão dispostos a pagar.
E os operários da construção? Eles formam uma das classes profissionais mais invejada do país. Além do bom salário (melhor do que muitos trabalhadores com diploma universitário), durante o inverno brabo, eles não trabalham, pois o clima não permite. O governo paga uma espécie de seguro-desemprego para eles, que não é muito abaixo do que normalmente recebem. No verão eles têm direito a duas semanas de férias, para que possam curtir o sol e viajar. Para que melhor?
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Existem muitas diferenças entre um país rico e um país em desenvolvimento. Comparando a vida das pessoas aqui no Canada, dá para se perceber algumas coisas interessantes. Os salários não são exageradamente altos. Mas o mínimo fica em torno de 1.200 dólares. Dá para a pessoa pagar aluguel, comida, transporte e viver com dignidade.
Como se não bastasse ganhar mais, as tarifas públicas ainda sao menores que no Brasil. O telefone custa somente 40 dólares com pulsos livres. Normalmente os prédios sao baixos de apenas três andares, não tem o custo dos elevadores. Nem o custo de porteiros, uma prática que a violência urbana obriga os condomínios brasileiros a manter.
Outro dia fui almoçar em um restaurante popular, de comida típica do Québec, em um bairro tido como "pobre" em Montréal. As casas são praticamente idênticas às do resto da cidade. Se eu não soubesse que se tratava de um bairro proletário, não saberia identificar a diferença. O professor canadense, que acompanhava o grupo no passeio, me disse: "Não dá para comparar com as favelas do Brasil, não é mesmo?".
O que distingue as pessoas que moram naquele bairro é que normalmente não trabalham e quase sempre têm problemas com drogas e álcool. Não trabalham. Como assim?
É. Vivem com o dinheiro do seguro-desemprego e com a ajuda de 100 dólares mensais que o governo paga por cada filho. Tem gente que vive com isso e só de vez em quando faz algum bico para complementar a renda. A escola das crianças é pública. Tudo bem, no Brasil a escola também é pública e existe a bolsa-escola para cada criança. Só que a ajuda ($$$) governamental brasileira não dá para quase nada.
E aqui nem há a desculpa que emprego é difícil, como no Brasil. O resultado é que há um certo comodismo. Vive-se de seguro-desemprego e de fazer bicos "por debaixo da mesa", como se diz por aqui.
E além disso, uma coisa que se percebe por aqui é que a rede de ação social é um artigo de primeira qualidade.
Vou explicar. No Canadá, assim como nos Estados Unidos e em boa parte da Europa desenvolvida, o trabalho voluntário faz parte da cultura. No Québec, talvez seja até um pouco menor do que no restante do Canadá inglês, onde esse aspecto parece ser mais intenso.
Parece que, quanto mais frio um povo (no sentido de relações pessoais), mais articulado socialmente ele se torna. Por aqui, vários eventos são feitos com a ajuda de voluntários ("bénevoles", em francês). Aqui existe um site no qual se fica sabendo em que projeto ou evento se tem necessidade de voluntários. E os canadenses reservam uma parte do seu tempo para isso. Desde a participação na organização da festa da escola do filho, até participação em "marchas" pela cidade, para protestar ou chamar a atenção sobre um tema.
Aliás o pessoal de Montréal adora fazer uma passeata para qualquer coisa. Principalmente no início do verão. Vi marcha para chamar atenção para o cancêr abaixo da cintura (em homens e mulheres), marcha para o câncer infantil, marcha para proteção dos animais de estimação, marcha dos ciclistas pelo respeito no trânsito, marcha pela liberação da maconha, marcha de ciclistas nudistas. Isso, os peladões desfilaram para chamar a atenção não sei para que motivo, talvez para incentivar a produção de bicicletas com selins mais confortáveis, digamos assim.
Quando Montréal sofreu, há alguns anos, um grave problema do "verglas", em que a chuva caía líquida e congelava sem virar neve, formando grandes blocos de gelo, que derrubavam árvores e destruíam toda a rede elétrica, em pleno inverno de -30 graus, a população se articulou. As pessoas mais abastadas acolhiam os outros em suas casas com lareiras. O trabalho voluntário chega a contar até como ponto extra no currículo profissional.
Eu mesmo participei de um curso de conversação de francês feito por voluntários canadenses para imigrantes de todas as nacionalidades.
No Brasil, a rede social começou a se articular há menos tempo. Diferente dos Estados Unidos ou Europa, dificilmente no Brasil se vê a figura do ricaço que doa uma parte do seu patrimônio para uma obra social, uma escola, museu ou universidade. O empresário brasileiro ainda acha que pelo simples fato de empregar pessoas está fazendo um "grande" papel social. Ele não lembra que é o empregado que gera a sua riqueza.
Pois bem, eu acredito que para um país se desenvolver, a sociedade tem que estar muito bem articulada. O tema social é tão complexo, que somente o governo não vai conseguir dar conta de tudo. Nunca.
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