28.9.11

Os santos gêmeos

As lembranças sao intimamente ligadas aos sentidos: aromas, sabores, imagens, sons, sensaçoes táteis. Talvez as recordaçoes que restem mais intensas sao ligadas a comida. Cozinhar, ou mesmo ofertar alimentos para outras pessoas, é um ato de bondade e generosidade. A mae passa amor e proteçao aos filhos quando oferece o que comer. E essa impressao parece ficar registrada no cérebro indefinidamente. Quem oferece um banquete, além de ampliaçao de relaçoes diplomáticas e celebraçao do prazer de festejar, está abrindo as portas da casa e também da alma.

A cozinha da Bahia e os seus pratos dourados pelo dendê vao além do simples prazer. A maior parte das receitas tem origem nas oferendas aos deuses do candomblé. Cada orixá tem as suas preferências e cabe aos devotos agradar da melhor maneira possível. O sincretismo religioso expandiu a cultura do paladar. As promessas feitas aos santos católicos sao pagas com comidas aos seus respectivos orixás, os deuses das religioes que vieram da Àfrica.

Sao Cosme e Sao Damiao
O caruru completo dedicado a Sao Cosme e Sao Damiao vira um banquete: vatapá, caruru, xinxim de galinha, arroz branco, farofa de dendê, feijao fradinho, cocadas, acarajé, abará. A lista é grande e pode aumentar, de acordo com o gosto e a disposiçao de quem o oferta. A culinária do dendê, apesar de restrita à Bahia, tem ares de prato típico nacional. Popular entre todas as camadas sociais da naçao baiana, é uma cozinha refinada e específica. Como um simples exemplo, um dos temperos utilizados é o camarao seco e defumado, transformado em pó.  

Apesar de  parecer ser uma cultura dominante, os pratos feitos com dendê nao sao unanimidade em toda a Bahia. Ao viajar para o interior do Estado, além do clima mais seco do sertao, a culinária também vai mudando e os hábitos alimentares ficam mais parecidos com o nordeste brasileiro: carnes, queijos e manteiga entram no cardápio.   

Na época de Sao Cosme e Sao Damiao online, fica mais difícil esquecer da data e da comida especial. Um vídeo de Maria Betânia cantando e declamando a bela oraçao dos santos gêmeos virou sucesso na internet e suas redes sociais. Baianos exilados prolongam as lamúrias da saudade de casa.

Mas tem gente que nao se rende e continua cozinhando para relembrar e celebrar suas origens, as pessoas queridas e os sabores inesquecíveis. Para felicidade geral da naçao baiana em Toronto, um amigo meu tem preparado - já é o segundo ano da tradiçao - um caruru completo para Sao Cosme e Sao Damiao. Com azeite de dendê e camaroes secos trazidos da Bahia, o que é mais incrível. Aos baianos juntam-se outros brasileiros que nunca haviam provados pratos de dendê. Até canadenses se rendem àqueles pratos amarelos.

Que alegria poder desfrutar,a tantos quilômetros de distância da terra natal, os sabores deliciosos, que trazem tantas lembranças, que acariciam o coraçao e que fortalecem as relaçoes sociais e de amizade.






17.9.11

Personagens de Toronto

Personagens da vida de Toronto. A garota nos seus 15 ou 16 anos chega na sala de musculaçao com a bola de basquete debaixo do braço. Coloca a bola em um canto da sala e começa a se exercitar, sem se importar com a maioria da populaçao masculina ao redor. Ela tem a pele morena-escura, veste bermudao, camiseta de malha, tênis. Um grande lenço cobre cabelos, orelhas e pescoço. Muçulmana.

Comentário:
Há algumas coisas que me chamam a atençao na "cena" da garota muçulmana na musculaçao. A integraçao aos hábitos da sociedade ocidental (os esportes e as roupas esportivas, neste caso) de uma provável segunda segunda geraçao de imigrantes. A manutençao do vínculo com a cultura original - o veu. Será que ela usa só porque o pai obriga? Será que só por ela, ela continuaria usando? Será que ela acha que praticar esportes sem o véu nao seria mais confortável? E, a maior contradiçao que acho, o véu e as roupas longas serveriam para "proteger" a mulher dos olhares e da atraçao masculina, essa é a grande finalidade entre os muçulmanos. Na cena da garota, o véu é mantido, mas as roupas sao encurtadas, algo necessário para a prática dos esportes.

14.9.11

Por aí

Vou caminhando, olhando para os vivos e conversando com os mortos. As pedras cinzentas surgem à frente, presas entre grades, como se as impedissem de voar. Tenho a impressao que vi tudo, que o filme se repete, que o novo acabou, que a roda gira e tem que girar. Que novas mordidas serao possiveis na maça universal. A paz, tao esperada, aos poucos se instala, entre desafios, angústias e alegria. Dentro do verde que ajuda a respirar, do verde que tranquiliza, do verde ao lado do cinza louco e das cores berrantes. Tudo será revivido, para o prazer ou para a insatisfaçao. É tempo de sentir as pontas perfurantes da angústia. É tempo de buscar a energia onde ela insiste em se mascarar. É tempo de simplicidade e dos poucos caprichos. É tempo de canalizar a alegria. É tempo de ousar e de recuar. É tempo de refletir, de rezar, de sonhar, de pedir, de olhar para dentro, de fazer planos. É tempo de resgatar e de querer. É tempo de descer as maos na terra e esperar para ver. É tempo de Júpiter em fim de ciclo astral.

10.9.11

The Couchsurfing Experience: da gafieira aos sinos

Couchsurfing, que literalmente significa "surfar no sofá", quer dizer conseguir hospedagem gratuita, para passar uma noite ou alguns dias, em qualquer canto da casa de alguma alma bondosa que abra as portas do seu lar doce lar. Seja para dormir em cama, sofá, colchão ou qualquer outro local com mínimo de conforto.

Essa idéia inicial, gerada a partir de um site internet (www.couchsurfing.org), ganhou o mundo e se tornou um sucesso. O site tem mais de 3 milhões de participantes.

Em um universo de pessoas cada vez mais egocêntricas e fechadas, que vivem focadas em seus computadores, seus interesses e suas redes sociais, é esperançoso ver que existe tanta gente generosa e de cabeça aberta, que abre as trancas e cadeados de suas casas aos viajantes desconhecidos, com o simples intuito de fazer o bem, conhecer pessoas, conversar e intensificar o intercâmbio cultural, seja nacional ou internacionalmente.

Se não quiser hospedar ou conseguir hospedagem, o participante do Couchsurfing pode se disponibilizar apenas para sair para tomar um café ou um drink com o visitante. E, a partir daí, trocar informações sobre a cultura local, ir mostrar a cidade, ou apenas conversar. Ainda que não haja impedimento para isso acontecer, a princípio o Couchsurfing não é um site de paquera.

Existem tambem os grupos das cidades e de temas específicos. Participar em um desses grupos é uma ótima fonte de informações do que está acontecendo. Eventos, descontos, convites, etc. As pessoas combinam as mais diversas programações. Intercambios linguisticos, pique-niques, festas, cafés. Visitantes convidam os nativos para tomar uma cerveja ou um café. Pedem indicações de bons restaurantes, atrações turísticas, bares e casas noturnas. Os moradores da cidade combinam entre si jantares e passeios e aproveitam para ciceronear os visitantes.

A minha aventura Couchsurfing comecou ainda no Brasil, em 2007. Eu me cadastrei no intuito de praticar francês e inglês, durante a minha estadia em Ilhéus, enquanto aguardava o visto canadense. Cheguei a fazer alguns contatos, mas não aconteceu de sair para café, drinque e mostrar a cidade para ninguém.

Chegando no Canadá, a participação tomou corpo. O norte-americano é tido como frio e distante, muito focado em suas ações, mas adora se reunir em grupos, em torno de um objetivo em comum, seja atividade filantrópica ou diversão. Então algum tipo de objetivo é necessário para que os encontros sociais se realizem e as pessoas se aproximem.

Existe um outro site, chamado Meet-up (www.meetup.com), que também é bastante utilizado para organizar reuniões. E, olhe, tem gente se reunindo para tudo, desde caminhar no parque até aprender japonês.

Em Montréal, a partir de um convite para um evento linguístico francês-português do CS, eu, outros brasileiros e mais um grupo de québécois interessados em português e na cultura brasileira, começamos a frequentar um bar e casa de shows chamada Les Bobards, onde aos domingos sempre rola música do Brasil para dançar. A gente ficava tomando cerveja, enrolando a língua, ensinando um pouco da sua linguagem nativa e aprimorando a estrangeira.

Conheci pessoas muito interessantes, com as quais mantenho contato até hoje. Depois da sessão de trocas linguísticas era a hora de música e dança. Havia um outro grupo que aprendia e praticava gafieira, ao som de música mecânica ou do grupo que se apresentava. E que nos dava dicas de como dançar o samba em dupla. Depois de praticar português e francês, era hora de mexer o esqueleto.

Em Montréal, tambem tomei muitos cafes servindo de pretexto para praticar frances e ensinar portugues.

Em Toronto, com menos tempo disponível, a minha participação no Couchsurfing ficou reservada ao Toronto Babel Language, um evento que ocorre semanalmente em um bar e onde as pessoas sao convidadas ao intercâmbio linguístico. Neste evento, um retrato do que é Toronto, é possível conhecer gente do mundo todo e praticar línguas inimagináveis. Até inglês.

No último final de semana participei de um jantar organizado por um participante do Couchsurfing. Ele preparou o jantar, cobrou uma taxa mínima e cada um levou sua bebida. O risotto de parmesão estava uma delícia. Conheci gente bem interessante. Da China, da França, da Tunísia. Até do Canadá! Depois fomos para a despedida de um rapaz italiano que, depois de alguns meses em Toronto e muitos eventos Couchsurfing, estava voltando para o seu país.

Um dos canadenses que estava no jantar faz um trabalho genial. É professor de música e toca carrilhao (o conjunto de sinos) em uma grande igreja de Toronto. Ele promove, gratuitamente, um passeio pela igreja onde trabalha e uma apresentação musical naquele que é um dos 11 carrilhoes do Canadá. Para ser considerado um carrilhao, sao necessários pelo menos 50 sinos.

Por dentro da Metropolitan United Church

Entao na mesma semana, fui ver o pequeno show e conhecer a igreja, que fica em um ponto bem central da cidade. Para conferir a apresentaçao musical as pessoas sobem um monte de degraus em uma escada estreita e em caracol. Em outra etapa, o grupo sobe mais escadas e chega até o teto da Igreja, de onde se tem uma bela vista de Toronto. Depois o grupo saiu para jantar em um restaurante bem canadense. Como sempre, nessas ocasioes, peço a especialidade da casa. Hambúrguer de carne Angus com batatas fritas e salada. Simples e bom.

Vista da outra capela, a partir do teto

Os sinos

O aparelho que faz os sinos soarem

Crédito da foto da dança: Dioni Pereira.

3.9.11

Mercúrio e Urano em sintonia

No dia em que eu me deparei com a internet, ou em que me dei conta do seu poder, eu dei graças a Deus por ter nascido nesta época, para poder presenciá-la e por ter acesso a ela. Para quem está na faixa dos trinta, vinte anos, ou menos, a internet faz parte da rotina desde a infância. É algo dado por certo. Para quem veio ao mundo antes disso, nao era bem assim.

Os discos americanos e europeus demoravam a chegar no Brasil e eram caros. As letras das músicas só existiam nos encartes que vinham com eles. Nos dias atuais, os sons, as imagens e textos estao à distância de um curto clique. Pelo You Tube acontece a mágica de poder ver os videos de músicas que fizeram parte da minha história, infância e adolescência, e que só agora consigo vê-los. Na época, os videoclips eram exibidos muito esporadicamente na tv. A chegada da MTV ajudou bastante, mas o que veio antes dela ficou praticamente esquecido. O You Tube resgatou tudo. O You Tube resgatou a memória auditiva e visual da humanidade.

Um fato marcante para mim do poder da internet, ainda com poucos recursos, foi quando viajei pela primeira vez para fora do Brasil, em 1997. Antes de viajar, acessei o site da charmosa cidade de Brighton (www.brighton.co.uk), no Reino Unido, onde iria estudar inglês. Assim tomei conhecimento das várias opçoes de lazer da cidade e do que me esperava por lá. Saí do Brasil com lista cheia de endereços e dicas.

Eu já tinha e-mail! Enquanto vários colegas europeus da escola nao sabiam do que isso se tratava.

Ao voltar, depois de aproveitar quarenta dias de viagem entre França e Inglaterra, uma grande alegria foi ouvir "You got to show me love", que estava bombando em Londres, tocando no aeroporto de Salvador. E olhe que ainda nao havia ainda MP3, mas o intervalo de tempo para chegada das novidades era bem mais curto do que na década anterior.

Com o auxílio da internet e da comunicacao que ela proporciona, a nova geraçao é bem mais preparada. E, acredito também, mais inteligente, pela exposiçao ao grande volume de informaçoes. A garotada aprende inglês jogando videogames e vendo vídeos no Youtube. Falar mais de uma língua, que em um passado distante era privilégio de intelectuais e acadêmicos, hoje é comum. As pessoas (ao menos os nao-anglófonos) que gostam de aprender, ou que mudam de país, falam duas, três ou quatro línguas diferentes. Quanto aos anglófonos, coitados, permanecem no seu berço esplêndido limitado e nao fazem muito esforço para aprender outras línguas. Para que? A música, o cinema, a internet, as redes sociais, a comunicaçao internacional, tudo isso nao é em inglês? Entao por quê gastar energia e tempo aprendendo outra língua? Coitados.

A internet nao cansa de surpreender. Quando se acha que nao há nada mais para acontecer, surgem compartilhamento de arquivos, programas de bate-papo, os blogs, os livros eletrônicos, culminando com as redes sociais. E muita coisa ainda vem, pode crer. O Facebook, mais que o Orkut, me reaproximou de bons amigos com os quais tinha pouco contato. E me permite, a milhares de léguas de distância, em outra roça, ter notícia do que acontece, participar e me comunicar com pessoas queridas.

Os astros me proporcionaram um aspecto harmônico de Mercúrio(a comunicaçao) em Gêmeos com Urano (a inovacao tecnológica) em Libra. Acho que por isso gosto tanto desse assunto.