30.7.06

Vôo livre no sertão

Uma cidadezinha do sertão baiano, distante uns 220 quilômetros de Salvador possui o melhor local do país para salto de vôo livre, a conhecida asa delta. Melhor do que as pedras do Rio de Janeiro ou de qualquer outro lugar. O turismo esportivo vem movimentando a região. Até estrangeiros têm aparecido. A cidade chama-se Santa Terezinha. Fica no Vale do Jiquiriçá e a cidade mais próxima de lá, a uns dez quilômetros, é Castro Alves.

Na planície da caatinga erguem-se alguns morros de onde saltam os aventureiros. É a Serra da Jibóia. A subida, por uma longa estrada de barro morro acima, precisa ser feita com veículo de motor possante. Lá de cima, uma vista fantástica da região. Há um deck de onde se inicia o vôo e a planície logo abaixo tem vegetação rasteira e ventos amigáveis. As características permitem descidas tranqüilas e bom tempo de permanência no ar.

O motivo da viagem não foi pular de asa delta, mas conhecer uma fazenda de gado. A sede, um casarão de vidraças quebradas, mas em reforma, costumava receber a visita de Lampião e seu bando, em suas trajetórias pelos sertões. Procurei saber a quem pertencia a fazenda nessa época, mas não consegui obter a informação. A região faz um calor miserável, mesmo no inverno. No verão deve ser insuportável.

Ao fim do dia, um almoço na pensão da cidade com refeição caseira: ensopado de carne de bode e uma picanha que estava fan-tás-ti-ca. Por 6 reais por cabeça, com direito a refri. Barriga cheia, pé na estrada, ao som techno do clube Pachá, de Buenos Aires, lembrança da viagem do ano passado. Para espantar o sono.

23.7.06

Isso quer dizer alguma coisa

A cultura baiana de massas passa por uma fase de questionamentos. É significativo que existam dois espetáculos teatrais, Pague Pra Ver e Bloco dos Infames, com temáticas tão próximas. Ambos retratam e questionam a cena musical baiana popular.

Em Pague Pra Ver, um cantor (vivido por Igor Estefânio) quer fazer sucesso a todo custo. Texto e direção de João Sanches. Em Bloco dos Infames, uma cantora de axé music em decadência se vê abandonada pela sua empresária e produtora, que agora busca uma nova estrela, carne inédita no mercado, para disponibilizar aos leões, ou seja, às massas. Texto e direção de Filinto Coelho.

Pague Pra Ver
É muito bom que esse cenário artístico seja exposto. Como não poderia deixar de ser, as duas montagens têm bastante música e humor ferino, afiado, mais cortante do que um desaforo ou berro na cara. A discussão mais intensa recai sobre a comercialização e a banalização da arte. Onde fica o talento, se as tendências musicais são ditadas simplesmente pelo mercado? A culpa é de quem manipula ou de quem se submete às manipulações? O talento estará sempre sujeito à juventude e a uma bela figura física?

O teatro baiano está perfeito no papel de questionar essa realidade instituída pelo gosto medíocre, que resulta em atração de mais recursos financeiros, muitas vezes por motivos políticos. Afinal, a música popular tem um público bem maior. O que dificulta, na outra ponta, o direcionamento das verbas para outras formas de expressão artística.

Cada um com a sua parcela de culpa. A imprensa desastrada, especialmente a televisiva. Artistas com pouca capacidade, que só querem ir ao sabor das ondas e ganhar dinheiro, abrindo mão qualquer tipo de análise crítica do seu próprio trabalho. Produtores inescrupulosos.

Bloco dos Infames
No texto de Sanches, o personagem principal realiza os seus questionamentos internos. O texto de Filinto Coelho exibe personagens facilmente identi-ficadas com personalidades baianas. A cantora destronada é vítima da estrutura cruel do mercado artístico-cultural e procura dar um jeito de dar a volta por cima. Nem que seja apelando para um público de periferia. A sorte – para todos - é que, mudando ou não de público, sempre haverá algum trocado disponível.

E onde fica o talento, em uma terra onde existem “donos” de bandas, cujos componentes podem ser mudados pelos humores dos patrões, ao seu bel-prazer? Onde fica o direcionamento da carreira? Perde-se no vento.

Na vida real há um paradeiro nos ares criativos na música baiana. Não faltam cantores, músicos e bandas. Faltam composições de qualidade. Não são necessários mais personagens para estampar revistas de celebridades. Talentos são procurados. Alguns estão encobertos pelo desconhecimento do grande público, estão fazendo trabalhos menos comerciais. Ninguém agüenta mais lê lê lê lá lá lá, Vixe Mainha. Enjoou, encheu o saco.

Os elencos das duas peças são excelentes. Em Bloco dos Infames, Nadja Turenko, George Mascarenhas, Débora Menezes e Maria Marighella, com ótimos trabalhos corporais, baseados na técnica da Mímica Corporal Dramática. Em Pague Pra Ver, Igor Estefânio, Widoto Áquila, Mariana Freire e Virgínia Marinho.

Em se tratando de show de qualidade, vale a pena “pagar pra ver” o “bloco dos infames”. Mas só no teatro.

19.7.06

Pra que?

A guerra entre Israel e o Líbano é podre, ridícula e triste. Vários descendentes de imigrantes libaneses no Brasil me fazem ter uma certa afinidade com aquele país. Ainda tem a maravilhosa cozinha, que tanto admiro: quibe, esfirra, azeite, coalhada seca, hortelã, trigo, grão-de-bico e outras delícias. O que está acontecendo é lastimável.

Na telinha

Que composição interessante é o programa "A Diarista". Fico pensando na química que acontece entre aqueles que realizam um espetáculo ou produto audiovisual. Entre aqueles que fazem o texto, os que dirigem e os que atuam para conseguir um resultado tão bacana. Entre a idéia, a concepção, o desenvolvimento e a realização. Pessoas que acreditam em um sonho, um projeto, tiram do papel e o transformam. É tudo mágico.

No último programa, Marinete (Cláudia Rodrigues) vai trabalhar na casa de campo do Latino - o próprio cantor fazia o papel. A diarista fica tão enlouquecida pelo astro que começa a causar acidentes que o deixam todo estropiado. Acerta a cabeça, mãos, pernas. Deixa sabonetes no chão do banheiro. Ele escorrega, torce braços e pernas. Cláudia Rodrigues é impagável. De longe, é o seriado que gosto mais na TV brasileira.

8.7.06

Final fogoso

O final de Belíssima, novela de Silvio de Abreu, premiou personagens libertários: lésbicas, gays, mulheres maduras dispostas a pagar por momentos de felicidade, fogosas mulheres casadas. As lésbicas, que o autor teve que apagar do roteiro em Torre de Babel, surgem glamurosas em um iate. Mesmo que só no último capítulo.

Em entrevista na Veja, o autor se declarou impressionado com a aceitação do público brasileiro com personagens cafajestes. E não é que ele deixou a malvada Bia Falcão numa boa, em Paris, tomando champagne com o garotão de luxo? Mesmo depois de a vilã passar muita gente para trás, roubar e matar.

Era de se esperar um final mais duro com ela, mesmo com a sugestão de que, fugitiva da polícia brasileira, estaria com a polícia internacional em seus calcanhares. Para o público fica sempre a cara de impunidade no país, como se a isso fosse um reflexo da política nacional. Ora, a política é que é um reflexo da população.

Quem deu um show, como sempre, foi Fernanda Montenegro. No papel de uma senhora com mais de 70 anos, beijando um rapaz na casa dos 20 e ainda fazendo comentários do tipo: “Você tem mãos divinas”. Como anotou um colunista, provavelmente para fazer bom uso delas.

Mulheres que pagam pelo prazer: não há limites de idade. Se os homens podem, por que não as mulheres? Uma vez ouvi um relato de que mulheres idosas ou com menos atributos físicos procuram realmente garotos de programa. O mérito do autor foi mostrar o assunto no horário nobre da TV. Ponto para ele.