Os punks sao figurinhas fáceis em Montréal. Vindos de todos os cantos do Canadá, às vezes do outro lado do país, do Oceano Pacífico, lá vem eles para passar o verao na metrópole francófona e curtir os festivais gratuitos de música e teatro.
Eles sao facilmente reconhecíveis. Tatuagens, piercings, cabelos coloridos ou de corte moicano, coturnos, roupas pretas ou de estampa militar, sempre rasgadas. Correntes, couro e tachas em profusao. Quase sempre acompanhados dos seus cachorros.
Mudando de cenário para Toronto, eu tinha acabado de pegar um ônibus. Fiquei feliz de encontrar assentos vagos, o que nao é nem tao difícil de acontecer. Escolhi rápido um local e me sentei. Eu estava cansado, saindo do trabalho.
Nao tive tempo nem de esperar a respiraçao normalizar, quando senti um cheiro forte. Olhei para a o outro lado, em direçao à outra fileira de assentos e vi um punk bem jovem, com boné, piercings em todos os apêndices da cara e cabelos moicanos tingidos de amarelo-ouro. Ao lado dele um filhote de cachorro dormia tranquilamente. Cansado como eu estava, olhei para o bicho (o cachorro!) com uma ponta de inveja. Fiquei imaginando de quem vinha o cheiro, do punk ou do cachorro. Ou dos dois, depois de tao longa e próxima convivência.
Olhei mais à frente e em outro banco também havia um punk, também de boné, cabelo azul e infinitos piercings. E outro cachorrinho, este mais inquieto. O dono-punk tratava de acalmá-lo para nao incomodar as vizinhas do banco da frente, uma indiana e uma chinesa, ou que talvez fosse uma filipina. A diferença é que os filipinos têm a pele mais bronzeada que os chineses.
No desejo pela brincadeira, o cachorro balançava o rabo para os lados e eu conseguia ver a mistura entre os pelos do bicho e as madeixas das orientais, que, tendo absorvido calma e fleuma canadenses, eram incapazes de reclamar, apenas viravam o pescoço e olhavam com leve reprovaçao.
O dono foi fazendo carinho e o cachorro foi acalmando. Os punks também amam. Os seus cachorros.
Crianças e cachorros no Canadá sao os mais dóceis que já vi. As maes circulam por todos os lados, empurrando os carrinhos com as suas crias e estas quase nao choram. Já os cachorros quase nao latem. Seria por causa do frio? Será que se os cachorros canadenses fossem para o calor do Brasil continuariam tao silenciosos?
Pois bem, o cheiro forte continuava. De onde viria? Os cachorros tinham pelo curto e brilhante, indicando bom tratamento. A nhaca parecia vir mesmo dos outsiders. Jovens de pele e olhos claros, canadenses de longa data, possivelmente consumidores de drogas pesadas e defensores de um estilo de vida sem amarras.
Aí eu lembrei da Bahia. Aqui nada de vendedores de balinha, nada de mendigos, de deficientes, nem daqueles performers que vao para a frente do ônibus contar a tragédia das suas vidas nos minutos entre duas paradas e pedir ajuda financeira. Tipo: ''Eu poderia estar roubando, eu poderia estar matando, mas estou aqui pedindo ajuda a vocês...'' Os dramas sao diferentes, mas sao dramas.
Gostaria de estar com a máquina fotográfica para registrar o momento. Mas eu acho que nao arriscaria. Tenho amor à pele, melhor mesmo nao fazer isso. Nao quero saber de punk irado correndo atrás de mim. Tomando satisfaçao, querendo saber se eu o havia confundido com alguma atraçao turística local, talvez algum personagem do Cirque du Soleil.
1 comment:
Ahahahahahahah
Muito bom! Eu, como punk, ri muito. E tive curiosidade de conhecer o Canadá. Não posso imaginar que tipo de drama viva alguém no Canadá. Você poderia escrever sobre isso num futuro próximo?
Voltarei para ver a quantas anda o seu blog.
Abraço!
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