29.8.11

Bichos urbanos

Para os turistas, especialmente os vindos de países de clima diferente, eles sao quase seres mágicos, saídos de algum desenho animado. A pelagem é bela, eles parecem dóceis. Principalmente quando querem um pedaco do seu lanche. Chegam a fazer cara de menor abandonado e carente, de maos unidas, como se implorassem a sua ajuda. Estao em praticamente todos os parques e arvores do Canadá, nas pequenas e grandes cidades. Estou falando dos esquilos.

Os esquilos de Montréal sao diferentes dos de Toronto. Os esquilos que falam francês sao mais peludos e de cor marrom em varias tonalidades. Os esquilos que falam inglês, pelo menos os do centro de Toronto, sao totalmente pretos. E bem mais ariscos. Assim como o homem-aranha, eles escalam prédios. A técnica é a seguinte: eles abrem as patas para aumentar a fixaçao no concreto e, com as garras afiadas, lá vao eles subindo as paredes parecendo aranhas, em uma velocidade impressionante.

Eu moro no decimo primeiro andar e de vez em quando ha um visitante dentuço e peludo na varanda. No princípio achei interessante, cheguei a espalhar uns amendoins para atrair os simpáticos invasores. Ate que vaso da mini-arvore, que fica junto da porta de vidro da varanda, começou a ter a terra toda revolvida.

Os esquilos passaram a achar que a minha mini-árvore é o seu habitat natural. Um dia um deles ainda me deixou um presente! Uma noz inteira em cima do sofá da sala. Primeiro achei que tinha sido o meu roomate (co-locatário) que havia esquecido a noz ali, mas ele negou de pés juntos. Ninguém nunca comprou uma noz inteira, com casca, desde que moro aqui nesta casa. Acho que o esquilo quis fazer uma gracinha como se fosse por aluguel do uso da mini-árvore. Engraçadinho.

O meu roomate, um dia vendo a tv, presenciou a explicaçao da terra revolvida. O esquilo sobe, apoia a noz na borda do vaso para tentar quebrá-la e em seguida devorar a amêndoa. Entao, desde que a finalidade da invasao foi descoberta, ou a porta de vidro ou a tela de proteçao sempre ficam fechadas, para impedir a entrada dos escaladores dentuços.

Hoje acordei e vi uma das minhas preciosas maças, salvaçao dos intervalos famintos de trabalho, que normalmente repousa no prato sobre a mesa da sala, toda roída no batente da varanda. A porta da varanda tinha ficado aberta durante a noite! Putz. O esquilo ainda deixou metade da casca de um amendoim e a terra do meu caqueiro revolvida e espalhada pelo chao ao redor. A mini-árvore, da qual orgulhosamente reconheci exemplares completos e adultos em ruas de Salvador, pelo menos continua intacta.

Uma professora de francês em Montréal, Mme. Laframboise, contou uma vez na sala que um esquilo a deixou em uma situacao, digamos, engraçada. Para nao dizer vexatória. A sua vizinha plantava cuidadosamente vários bulbos de papoula no jardim, esperando com ansiedade a primavera seguinte e o espetáculo das cores. Um esquilo vinha, cavava, retirava o bulbo e enterrava em outro local. Onde? No jardim da minha professora, que viu o seu jardim florescer sem nenhum trabalho. Difícil foi explicar para a vizinha que havia sido o esquilo-jardineiro o autor do projeto de paisagismo.

22.8.11

A bicicleta e a carroça

O movimento de incentivo ao uso de bicicleta nas grandes cidades me traz um gosto de passado. Passado porque é um retorno à época em que o automóvel não existia ou era algo a que a população ainda não tinha acesso. Quem poderia imaginar que após décadas sonhando em ter um veículo motorizado, as pessoas voltariam a desejar poder passear ou se locomover de bicicleta pelas ruas da cidade?

Os benefícios todo mundo já sabe, e os governos, pelo menos os mais esclarecidos, têm incentivado e criado condições, leia-se ciclovias, "bike lanes" ou "pistes ciclables" para o uso das magrelas. Em Toronto e Montréal há inclusive biclicletas públicas, alugáveis por qualquer pessoa. Os resultados são: melhoria das condiçoes de saúde da população, com a consequente economia de recursos da saúde pública, diminuição da poluição e dos engarrafamentos, socialização, economia doméstica do valor pago ao transporte ou ao combustível.

O passe mensal de metrô e ônibus em Toronto custa 121 dólares. Com esse valor compra-se uma bike usada ou nova em promoção na loja. Se a distância entre casa e trabalho permite o deslocamento via duas rodas, em um mês a bike já se pagou. Além de tudo isso, ainda há a diminuição do stress do trânsito para quem dirige.

Circular de bicicleta faz parte da minha história. Desde a pré-adolescência, quando o "camelo" ficava hospedado na casa dos meus avós, porque a minha casa era localizada em um morro com uma ladeira enorme, impossível de ser vencida com a força do pedal. Depois, com a ida para Salvador, outra terra de imensas ladeiras, onde o uso da bike só é possível na parte atlântica, as duas rodas viraram parte do passado.

Quando morei em Barreiras, no Oeste da Bahia, onde trabalhei por quatro anos e meio, retornei ao prazer de pedalar e passei muito tempo me deslocando de bicicleta. Nada se comparava ao sabor do vento, à sensação de liberdade e de relaxamento que o ciclismo trazia. A cidade é plana e eu vivia rodando para cima e para baixo. Pegava estradas vicinais e ia fazer trilhas em busca dos inúmeros rios de água cristalina que se espalham pela região.

Mas nem sempre as pessoas entendem os gostos pessoais, preferindo os gostos médios ditados pela sociedade de consumo. Em Barreiras, eu tinha um amigo de El Salvador (ou seria Nicarágua, nao lembro mais), um agrônomo e professor universitário, que se locomovia, inclusive para ir às aulas, em uma bike bem velhinha. Dessas que hoje faria o maior sucesso entre os hipsters. Veja aqui o que é isso.

A tal bicicleta não era bem vista pelos alunos. Era quase detestada.

Eles, principalmente as garotas, achavam que o mestre deveria ter um carro, algo mais compatível com o seu status de professor universitário. E de solteiro, diga-se de passagem. Mas ele nem ligava, gostava mesmo era de pedalar. Ou de economizar dinheiro e, de quebra, ter mais saúde e boa forma física.

Naquela cidade, eu usava a bicicleta para ir a todos os locais, mas nem precisava para ir ao trabalho. Eu morava perto, então ia andando. Tambem não saía à noite de bike para festas, como já vi várias pessoas fazendo em Montréal e Toronto, quando o clima e a temperatura permitem.

Sempre que eu saía para algum bar ou festa, voltava de carona, ou mesmo a pé. Cidade pequena, tudo perto. Eu até gostava, pois acabava fazendo novas amizades com quem me dava carona. Só uma vez, eu me lembro, o transporte foi bem diferente.

A festa tinha acabado, o dia já estava claro. Em Barreiras, a rodovia federal corta a cidade pelo meio. Eu e mais duas amigas estávamos na beira dessa estrada, sem transporte público ou carona disponível. Então nós pedimos ajuda a um carroceiro que ia passando.

Ele foi gentil e nos permitiu o acesso ao seu veículo movido a suor animal, de potência 1 HP. Lá fomos nós, voltando para o centro da cidade em cima da carroça, rebocada por um cavalo. Cavalo não, certamente um burro ou jegue. E a gente se divertindo um bocado, dando risada da cena, com o teor alcoólico talvez ainda alto, achando tudo engraçado. Rindo até das mercadorias, das frutas e verduras que dividiam o espaço conosco, e que nos olhavam desconfiadas. O carroceiro provavelmente estava indo para a feira.

15.8.11

Gourmet ou gourmand?

Comentario na publicacao do Facebook de AF sobre a manicoba de Cachoeira.

Soh para esclarecer (ou aumentar rss) a discussao sobre os termos gourmet/gourmand, eterna duvida que tambem me acompanha desde a Faculdade de comunicacao. Segundo a Wikipedia (em ingles, curiosamente nao ha verbete em frances), o termo gourmet estaria relacionado aa pessoa com gosto refinado ou que tem bastante conhecimento sobre alimentos e sua preparacao. Ja gourmand significa aquele que gosta de comida em grande quantidade, ou seja, o glutao. Gourmand vem de gourmandise, isto eh, glutonaria, gula. Quando se trata da deliciosa manicoba, acho que nao tem gourmet ou gourmand que resista. Para mim, os dois termos se aplicam.

12.8.11

Ligante

Nao tenho do que me queixar da minha fase pós-adolescente. Antes de completar dezoito anos, já estava na universidade, morando na capital. Tive todo o apoio da família para estudar e tinha uma vida confortável, mas sem luxos. Além disso, ainda tinha uma ótima turma de amigos da minha cidade natal, Ilhéus. Depois que a escola terminou, alguns continuaram morando lá, estudando na universidade da própria cidade. Outros, como eu, foram estudar em Salvador. Outros foram para Sao Paulo. Outros nao quiseram saber de estudar e foram trabalhar.

Os amigos tinham muito em comum, apesar de nao pertencerem à mesma sala de aula. Havia diferenças de idade, mas também havia laços familiares. Talvez o que mais nos ligassse fosse a irreverencia à cultura e ao status quo da nossa cidade, engessada por muito conservadorismo, tradicionalismo e exibiçao da riqueza gerada pela monocultura agrícola do cacau, naquela época com um altíssimo preço no mercado internacional e com pouca produçao mundial. Isso sem contar que era final dos anos 80, ainda havia resquícios da ditadura e forte papel da Igreja Católica, mantenedora do colégio em que estudávamos.

Se por um lado, essa curiosa estrutura social e financeira gerou obras fundamentais da literatura brasileira, principalmente pela criatividade de Jorge Amado, ela causava outros tantos de desconforto pela exibiçao de riqueza e distanciamento entre pessoas. Muitos se consideravam pertencentes a classes distintas e elevadas. O distanciamento atingia todas as faixas etárias, inclusive no colégio em que estudávamos.

Mas a nossa turma nao se reverenciava àquela estrutura, mesmo porque ninguém pertencia à alta classe. Havia gente que nao queria nada com o estudo. Tinha gente que era pobre e se esforçava para ter sucesso no colégio e na vida. Havia gente com a veia artística acentuada. Tinha gente que só queria uma vida alternativa. Havia gente que tentava encontrar o seu papel e o seu caminho. Enfim, adolescentes.

Cada um escolheu a sua área de estudos e trabalho, mas, nas férias, a gente sempre voltava para Ilhéus e fazíamos farras e festas deliciosas. Eu tinha a impressao que aproveitava mais da minha cidade natal quando já nao morava mais lá.

Passada a época da universidade, os caminhos se distanciaram ainda mais. Os trabalhos, estudos aprofundados e os amores mudaram as pessoas de cidade, de estado, de país, de continente. No entanto, as relacoes nao foram perdidas. Eventualmente os astros ajudam e os amigos se encontram. O carinho e a alegria do reencontro continuam intactos.

Felizmente, a tecnologia evolui e surgiram as maravilhas da redes sociais na internet. A turma volta a se reunir, cada um teclando do seu canto, por intermédio do Facebook.

Toda essa introduçao foi para contextualizar um bate-papo regado a lembranças que tivemos nos últimos dias, iniciado pela publicaçao de uma foto da nossa antiga escola.

Em Ilhéus havia um pequeno comércio de batidas (coquetéis, se quisermos chamar assim), chamado Ligante do Almirante. Lembro que o meu pai falava que conhecia desde a juventude. Uma delicia, cremoso, feito de várias frutas. E subia a cabeca de tal jeito que a gente achava que o Almirante, o proprietário e fabricante, adicionava alguma substância extra e misteriosa, nao informada, talvez nao permitida pela saúde publica. O Almirante resolveu expandir o seu negócio, levando o seu Ligante para as festas, shows e eventos. A nossa turma descobriu a bebida e curtimos muito, tomando porres e mais porres.

Com o sucesso nas festas ilheenses, o Almirante montaria barracas nas festas de largo de Salvador e o sucesso foi imediato. A criatividade do soteropolitano logo se destacou para dar nome às novas batidas de frutas. Surgiram o Colante, o Excitante, o Pegante, entre outros. Claro que nenhum do Almirante. O tempo passou e so agora, via internet, fico sabendo que o Almirante faleceu. Imediatamente fiquei com pena de que ele nao tenha deixado nenhum herdeiro para continuar a tradicao dos deliciosos coqueteis, uma vez que nao ouvi mais falar no tal Ligante.

Foi entao que uma das amigas, que continua morando em Ilhéus, me disse que eu estava enganado. O Ligante continua a ser fabricado por um filho do Almirante. Mas sem o mesmo sucesso. Talvez sem aquele extra na receita, que tanto embalou os festeiros no passado, que fazia a diferença e que ninguém conseguiu descobrir o que é. Alguns se arriscam a dizer que é um famoso xarope que causa esquecimento no dia seguinte. Ou um comprimido que reduzia o apetite e fazia perder o sono. Mas isso parece ser lenda urbana.

11.8.11

Pas diplomatique ce monsieur

Voici Leonie Rouleau ce que Le Devoir dit au sujet de M. Harper au Bresil.

Incident diplomatique à Brasilia? | Le Devoir

Leonie Rouleau - et un philosophe a répondu : «Mal élevé».
Les Brésiliens ont découvert le Stephen Harper que les Québécois connaissent: inflexible, intraitable, mesquin et revenchard. Comme un petit gars en culottes courtes, un enfant gâté qui fait des crises chaque fois qu'il n'obtient pas ce qu'il désire. Bientôt on ne souhaitera plus du tout recevoir la «visite canadienne» un peu partout. «Mal élevé» est le terme employé par la presse brésilienne.

Danilo Menezes - Em bom português: malcriado.

7.8.11

Línguas que seduzem

Ainda há muita estrada à minha frente quando se trata de inglês. Apesar de ter estudado e experimentado mais a língua inglesa do que a francesa durante a vida escolar e profissional, o mergulho no francês foi mais profundo. Vários cursos intensivos, sessoes sobre a cultura do Québec, treinamento de francês escrito, um ano de curso técnico com sete horas por dia de convívio na língua de Molière. Várias leituras de autores franceses e quebequenses durante invernos cinzentos em Montreal.

A decisao de vir para Toronto foi rápida e nao sobrou muito tempo para a dedicaçao ao inglês. O convívio em português também nao ajuda muito. Estudo de inglês no Canadá, em sala, foram apenas os quatro meses de aulas diárias em Montreal.

Com a leitura de jornais e livros, o meu vocabulário vem aumentando consideravelmente. Já consigo ler sem precisar ir toda hora ao dicionário. Às vezes um adjetivo ou advérbio fica incompreendido, mas dá para pegar o sentido geral. À medida que a lista de livros aumenta, o entendimento fica mais firme.

Mas é questao de tempo para acostumar o ouvido. Tem uma hora em que nao adianta estudar mais, pois a língua que as pessoas falam nas ruas é muito mais rápida do que a do professor na sala de aula. Entao o tempo, a convivência com os falantes e a exposicao à uma língua serao os grandes professores. Ouvir rádio e tv ajudam muito também.

Em um mundo altamente conectado, a vontade de aprender mais uma língua sempre fica martelando. Seja pela vontade de fazer uma viagem, seja pela influência de um amigo vindo de outro país, seja pela culinária, seja por uma música, seja por uma atraçao qualquer.

Quando eu morava no Brasil uma das minhas grandes vontades era poder praticar outras línguas, poder entender, falar e ler fluentemente. Esse sonho se realiza duplamente no Canadá, em inglês e francês. E, para mim, essa é uma das grandes riquezas deste país, uma das coisas que mais adoro aqui.

Mas o comichao da superficialidade está sempre à espreita. Entao, pensar em estudar mais uma língua? Calma, nada de longos estudos, pois a prioridade agora é o inglês. Mas no futuro poderá ser italiano. Ou alemao. Ou russo. Cada uma dessas línguas tem os seus atrativos e as suas dificuldades. Vejamos.

Italiano. A proximidade com o português é um grande facilitador. Há o fascínio pela culinária do país, a beleza das cidades e do seu povo. A vontade de rodar toda a bota. Como ponto negativo, a restriçao a um único país. Como uma língua tao bonita nao se expandiu mais pelo mundo?

Alemao. A língua mais falada da Europa, mas que também se restringe à Alemanha e Áustria. Ouço falar que o alemao da Suiça é quase outra língua, os suiços dizem que se chama "suiço-alemao". Tenho muita vontade de conhecer o país, mas tenho a impressao de que os alemaes mais articulados e interessantes sabem falar inglês e vao querer praticá-lo, principalmente com uma pessoa vinda do Canadá (olha eu aí me achando...). Além disso, a língua nao é fácil, tem várias declinaçoes (masculino, feminino, neutro).

Russo. O alfabeto cirílico é lindo, parece um código secreto em um filme de aventura. Está aí um grande desafio: aprender um outro alfabeto. Além disso, há várias declinacoes, conjugaçoes verbais e pouca coisa do francês ou do inglês que possa ajudar na aprendizagem do novo vocabulário. Vantagens: os russos, pelo menos os do Canadá, sao pessoas bem legais, simpáticas, gostam de conversar. Vários países do leste europeu e da Ásia falam a língua russa. Muita vontade de viajar pela Rússia, conhecer Moscou e Sao Petersburgo. E também conhecer a Ucrânia.

Entao, o que decidir? Bom, é coisa para o futuro, para daqui a alguns anos.