Nao tenho do que me queixar da minha fase pós-adolescente. Antes de completar dezoito anos, já estava na universidade, morando na capital. Tive todo o apoio da família para estudar e tinha uma vida confortável, mas sem luxos. Além disso, ainda tinha uma ótima turma de amigos da minha cidade natal, Ilhéus. Depois que a escola terminou, alguns continuaram morando lá, estudando na universidade da própria cidade. Outros, como eu, foram estudar em Salvador. Outros foram para Sao Paulo. Outros nao quiseram saber de estudar e foram trabalhar.
Os amigos tinham muito em comum, apesar de nao pertencerem à mesma sala de aula. Havia diferenças de idade, mas também havia laços familiares. Talvez o que mais nos ligassse fosse a irreverencia à cultura e ao status quo da nossa cidade, engessada por muito conservadorismo, tradicionalismo e exibiçao da riqueza gerada pela monocultura agrícola do cacau, naquela época com um altíssimo preço no mercado internacional e com pouca produçao mundial. Isso sem contar que era final dos anos 80, ainda havia resquícios da ditadura e forte papel da Igreja Católica, mantenedora do colégio em que estudávamos.
Se por um lado, essa curiosa estrutura social e financeira gerou obras fundamentais da literatura brasileira, principalmente pela criatividade de Jorge Amado, ela causava outros tantos de desconforto pela exibiçao de riqueza e distanciamento entre pessoas. Muitos se consideravam pertencentes a classes distintas e elevadas. O distanciamento atingia todas as faixas etárias, inclusive no colégio em que estudávamos.
Mas a nossa turma nao se reverenciava àquela estrutura, mesmo porque ninguém pertencia à alta classe. Havia gente que nao queria nada com o estudo. Tinha gente que era pobre e se esforçava para ter sucesso no colégio e na vida. Havia gente com a veia artística acentuada. Tinha gente que só queria uma vida alternativa. Havia gente que tentava encontrar o seu papel e o seu caminho. Enfim, adolescentes.
Cada um escolheu a sua área de estudos e trabalho, mas, nas férias, a gente sempre voltava para Ilhéus e fazíamos farras e festas deliciosas. Eu tinha a impressao que aproveitava mais da minha cidade natal quando já nao morava mais lá.
Passada a época da universidade, os caminhos se distanciaram ainda mais. Os trabalhos, estudos aprofundados e os amores mudaram as pessoas de cidade, de estado, de país, de continente. No entanto, as relacoes nao foram perdidas. Eventualmente os astros ajudam e os amigos se encontram. O carinho e a alegria do reencontro continuam intactos.
Felizmente, a tecnologia evolui e surgiram as maravilhas da redes sociais na internet. A turma volta a se reunir, cada um teclando do seu canto, por intermédio do Facebook.
Toda essa introduçao foi para contextualizar um bate-papo regado a lembranças que tivemos nos últimos dias, iniciado pela publicaçao de uma foto da nossa antiga escola.
Em Ilhéus havia um pequeno comércio de batidas (coquetéis, se quisermos chamar assim), chamado Ligante do Almirante. Lembro que o meu pai falava que conhecia desde a juventude. Uma delicia, cremoso, feito de várias frutas. E subia a cabeca de tal jeito que a gente achava que o Almirante, o proprietário e fabricante, adicionava alguma substância extra e misteriosa, nao informada, talvez nao permitida pela saúde publica. O Almirante resolveu expandir o seu negócio, levando o seu Ligante para as festas, shows e eventos. A nossa turma descobriu a bebida e curtimos muito, tomando porres e mais porres.
Com o sucesso nas festas ilheenses, o Almirante montaria barracas nas festas de largo de Salvador e o sucesso foi imediato. A criatividade do soteropolitano logo se destacou para dar nome às novas batidas de frutas. Surgiram o Colante, o Excitante, o Pegante, entre outros. Claro que nenhum do Almirante. O tempo passou e so agora, via internet, fico sabendo que o Almirante faleceu. Imediatamente fiquei com pena de que ele nao tenha deixado nenhum herdeiro para continuar a tradicao dos deliciosos coqueteis, uma vez que nao ouvi mais falar no tal Ligante.
Foi entao que uma das amigas, que continua morando em Ilhéus, me disse que eu estava enganado. O Ligante continua a ser fabricado por um filho do Almirante. Mas sem o mesmo sucesso. Talvez sem aquele extra na receita, que tanto embalou os festeiros no passado, que fazia a diferença e que ninguém conseguiu descobrir o que é. Alguns se arriscam a dizer que é um famoso xarope que causa esquecimento no dia seguinte. Ou um comprimido que reduzia o apetite e fazia perder o sono. Mas isso parece ser lenda urbana.
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