22.8.11

A bicicleta e a carroça

O movimento de incentivo ao uso de bicicleta nas grandes cidades me traz um gosto de passado. Passado porque é um retorno à época em que o automóvel não existia ou era algo a que a população ainda não tinha acesso. Quem poderia imaginar que após décadas sonhando em ter um veículo motorizado, as pessoas voltariam a desejar poder passear ou se locomover de bicicleta pelas ruas da cidade?

Os benefícios todo mundo já sabe, e os governos, pelo menos os mais esclarecidos, têm incentivado e criado condições, leia-se ciclovias, "bike lanes" ou "pistes ciclables" para o uso das magrelas. Em Toronto e Montréal há inclusive biclicletas públicas, alugáveis por qualquer pessoa. Os resultados são: melhoria das condiçoes de saúde da população, com a consequente economia de recursos da saúde pública, diminuição da poluição e dos engarrafamentos, socialização, economia doméstica do valor pago ao transporte ou ao combustível.

O passe mensal de metrô e ônibus em Toronto custa 121 dólares. Com esse valor compra-se uma bike usada ou nova em promoção na loja. Se a distância entre casa e trabalho permite o deslocamento via duas rodas, em um mês a bike já se pagou. Além de tudo isso, ainda há a diminuição do stress do trânsito para quem dirige.

Circular de bicicleta faz parte da minha história. Desde a pré-adolescência, quando o "camelo" ficava hospedado na casa dos meus avós, porque a minha casa era localizada em um morro com uma ladeira enorme, impossível de ser vencida com a força do pedal. Depois, com a ida para Salvador, outra terra de imensas ladeiras, onde o uso da bike só é possível na parte atlântica, as duas rodas viraram parte do passado.

Quando morei em Barreiras, no Oeste da Bahia, onde trabalhei por quatro anos e meio, retornei ao prazer de pedalar e passei muito tempo me deslocando de bicicleta. Nada se comparava ao sabor do vento, à sensação de liberdade e de relaxamento que o ciclismo trazia. A cidade é plana e eu vivia rodando para cima e para baixo. Pegava estradas vicinais e ia fazer trilhas em busca dos inúmeros rios de água cristalina que se espalham pela região.

Mas nem sempre as pessoas entendem os gostos pessoais, preferindo os gostos médios ditados pela sociedade de consumo. Em Barreiras, eu tinha um amigo de El Salvador (ou seria Nicarágua, nao lembro mais), um agrônomo e professor universitário, que se locomovia, inclusive para ir às aulas, em uma bike bem velhinha. Dessas que hoje faria o maior sucesso entre os hipsters. Veja aqui o que é isso.

A tal bicicleta não era bem vista pelos alunos. Era quase detestada.

Eles, principalmente as garotas, achavam que o mestre deveria ter um carro, algo mais compatível com o seu status de professor universitário. E de solteiro, diga-se de passagem. Mas ele nem ligava, gostava mesmo era de pedalar. Ou de economizar dinheiro e, de quebra, ter mais saúde e boa forma física.

Naquela cidade, eu usava a bicicleta para ir a todos os locais, mas nem precisava para ir ao trabalho. Eu morava perto, então ia andando. Tambem não saía à noite de bike para festas, como já vi várias pessoas fazendo em Montréal e Toronto, quando o clima e a temperatura permitem.

Sempre que eu saía para algum bar ou festa, voltava de carona, ou mesmo a pé. Cidade pequena, tudo perto. Eu até gostava, pois acabava fazendo novas amizades com quem me dava carona. Só uma vez, eu me lembro, o transporte foi bem diferente.

A festa tinha acabado, o dia já estava claro. Em Barreiras, a rodovia federal corta a cidade pelo meio. Eu e mais duas amigas estávamos na beira dessa estrada, sem transporte público ou carona disponível. Então nós pedimos ajuda a um carroceiro que ia passando.

Ele foi gentil e nos permitiu o acesso ao seu veículo movido a suor animal, de potência 1 HP. Lá fomos nós, voltando para o centro da cidade em cima da carroça, rebocada por um cavalo. Cavalo não, certamente um burro ou jegue. E a gente se divertindo um bocado, dando risada da cena, com o teor alcoólico talvez ainda alto, achando tudo engraçado. Rindo até das mercadorias, das frutas e verduras que dividiam o espaço conosco, e que nos olhavam desconfiadas. O carroceiro provavelmente estava indo para a feira.

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