28.1.12

Diário offline

Eu já tinha visto o nome Moleskine em algum livro, mas não sabia bem o que era. Acho que foi em algum livro em francês. Como eu não tinha achado a tradução exata, fiquei pensando que era algum tipo de capa ou revestimento. Há alguns dias descobri que Moleskine é um caderno revestido de capa impermeável, com elástico fechando as páginas. Esse caderno, de origem italiana, ficou famoso por ser utilizado por escritores ilustres nos seus rascunhos.
 
O assunto chegou até mim via Facebook. Havia um artigo no qual o autor recomendava o uso do caderno Moleskine em lugar de ferramentas tecnológicas mirabolantes. A mensagem era exercitar a criatividade e reter as boas ideias, em vez de perder tempo com bobagens na internet ou com brinquedinhos futuristas, como tablets e smartphones.

Eu achei uma ótima sugestão, propor o Moleskine como ferramenta para exercitar a criatividade e estimular as ideias. Se bem que acho que, na falta de tal apetrecho, com certeza mais charmoso e caro, vale qualquer caderno de capa dura, caderneta portátil, bloco de notas, guardanapo de papel.

Mas eu sigo na outra direção. De tanto fazer rascunhos, rabiscos, deixar espalhados e não conseguir mais juntar, muito por falta de disciplina, prefiro manter as ideias online. A vantagem é encontrá-las mais facilmente e poder acessá-las de qualquer lugar. Isso para mim tem sido bem importante, pois tenho me mudado de casa e de cidade quase uma vez a cada ano, nos últimos cinco anos, carregando a mudança em malas. Este blog é o meu diário Moleskine há quase dez anos.

Além de poder acessar o blog de qualquer lugar, do computador mais lento ao mais avançado, do netbook pessoal ao smartphone emprestado, da lan house ao computador do trabalho, há possibilidade de correção e alteração. Em qualquer tempo, em qualquer momento.

Eu fiquei curioso com o tal caderno. Pode ser uma boa ideia voltar a rascunhar em papel novamente. Para variar um pouco, deixar o teclado de lado. Fui procurar na internet, existe uma rede de livrarias de Toronto que o vende. Nao é barato, mas quero conhecê-lo de perto.

Difícil vai ser inaugurá-lo. Eu me conheço. Vou ficar com pena enfeiá-lo, de riscar para alterar parágrafos, para reescrever frases. Nunca escrevo de primeira com letra bonita. Ninguém faz isso. Não vou poder arrancar páginas, o Moleskine não permite, as páginas são costuradas em formato brochura. Acho que vou arrumar um rascunho, depois passo a limpo no novo caderno. Depois digito no blog. Mas aí vai ser trabalho demais!

17.1.12

Poeira gelada

A janela e a varanda estão esbranquiçadas. Uma imensa nuvem de poeira fria cobre a cidade, anunciando que o inverno chegou e vai ficar. A neve cai sem parar, o vento piora o frio, os casacos se enchem de flocos gelados, os carros ficam lentos, os tratores passam urrando, espalhando sal grosso, como se estivessem espantando maus-olhados. Mas estão só fazendo derreter a neve acumulada, que vai mudando de cor e passando do branco imaculado para o marrom sujo e conturbado.

A noite continua a chegar cedo, as luzes estão acesas, é mais fácil ver os bares, lojas e restaurantes por dentro. Existem muitas surpresas, locais antes não notados, aconchegos agora revelados. Cozinhas do mundo inteiro convidam a novas experiências. O ser humano é hospitaleiro, ainda que tente provar o contrário. Casa, comida e conforto estão na essência de todas as tribos, de todos os povos e de todas as religiões.

Sigo na Parliament Street em direção norte. Vejo restaurantes tailandeses, indianos, jamaicanos, chineses, portugueses, gregos. Alguns me convidam para levar a comida para casa. Outros me chamam para entrar, fugir do frio, sentar e aproveitar os sabores com calma. Todos tem direito a algum instante privilegiado na vida cotidiana, como atrações envolventes, seduzindo um turista em sua própria moradia, explorador de banalidades e de maravilhas, em intervalos mais rápidos ou mais longos.

Os que convidam para levar têm sempre alguma mesa ou balcão apertado para a refeição rápida. Os que convidam para ficar têm sempre algum garçon atencioso, ou nem tanto, que ficará feliz com o adicional que irei pagar. Em cada um deles terei um momento privilegiado, talvez inesquecível. Economizarei trabalho e dispensarei dividendos.

Fico contente com a profusão de escolhas à minha frente. Alguns cafés e seus balcões parecem mais atraentes do que nunca, eram vistos pela luz do dia, que ofuscava e escurecia os interiores. Dá vontade de parar, de interromper o passo, de sentir a atmosfera, de esquentar o corpo, de perceber o que é oferecido, de conversar, de ler o jornal, de deixar o tempo passar. Mas estou com pressa. O frio não deixa ninguém parar, o frio me dá energia, um café poderia reiniciar tudo. É a pausa, é o recomeço. Mas estou com pressa.

11.1.12

Aquecimento

Na cidade ocorrem dias de primavera em pleno inverno. Estudantes caminham pelas ruas, sem neve, sem deslizes. Ciclistas enfrentam o vento e pistas úmidas. Até um lapso de verde aparece no parque, fingindo que é grama. A roda gira e as notícias correm. Onde fazia frio, agora tem seca. Onde fazia calor, agora chove sem parar. Onde havia a secura, agora existe a neve. Onde a água inundava, agora o chão estala. Em voltas a natureza reage. Em ciclos ela reclama. O calor faz a água subir e ela vem descendo em torrente, indefensável,  derrubando encostas e sonhos. Enquanto alguns realizam seus desejos de pedra, outros perdem tudo que empilharam. Alguns suspiram de alívio, outros respiram com dificuldade.  Alguns clamam aos deuses, outros esquecem de agradecer. Assim a vida vai andando, sem saber onde vai parar. Sem saber onde haverá limite. Sem saber quando se chegará a um acordo. Sem saber quando o futuro estará assegurado.

Mas futuro não se assegura. Futuro se deseja, se imagina, se cria em um canto da mente. No futuro se chega a crer. No futuro se chega sem perceber. Do desejo de futuro parte o impulso. Da vontade de criá-lo se chega ao oásis. Do entendimento e da boa vontade seguem as fluxos.

O futuro se assenta no presente criado a partir de um passado feito por acaso, diria aquele que não acredita. Sobre o passado que, não se sabe como, fez restar até hoje as idéias, as palavras impressas, as fotos e as cores.  E os limites geográficos. Aos contornos imprecisos do futuro, prefere-se então o pretérito imperfeito embaçado pelas brumas da lembrança.
The Sun



9.1.12

Cenário

Os astrólogos estão antevendo: Netuno sai de Aquário, entra em Peixes e traz grandes mudanças na cultura, mais uma vez. Isso acontece a partir de fevereiro de 2012. Ou seja, já. O culto à tecnologia e inovações tresloucadas perde força e o romantismo volta mais forte que nunca. A cantora Adele, com suas canções derramadas em lágrimas, parece ser uma amostra. Ela vem fazendo sucesso há alguns meses, não é de hoje. A configuração astrológica ainda não se estabeleceu, mas já vem alterando o cenário cultural. É apenas uma provinha. Será mesmo uma tendência para o futuro próximo? Será que essa corrente se confirmará? Vamos ver. E aguentar.
 

7.1.12

Toronto ou Montréal?

Ao travar contato com canadenses de longa data, gente que nasceu ou que vive aqui há muito tempo, sempre sai uma questão, depois que falo que morei antes em Montréal. É certo, pode esperar, essa pergunta vai sair: "Você prefere Toronto ou Montréal?". Há uma rivalidade histórica entre as duas cidades. Então os canadenses ficam sondando as preferências.

Até os anos 70, Montréal era a cidade mais importante do Canadá em termos econômicos. Após a instituiçao do francês como língua única, muitas empresas saíram da província de Québec, onde Montréal está situada, e vieram para Toronto. A imigração maciça ajudou a capital da provícia de Ontario a tomar a dianteira em número de habitantes.


Na província de Québec conheci o Canadá propriamente dito. Um pouco do país original e as construções antigas. A fundação do Canadá, pelos colonizadores franceses, com seus costumes, comidas, lendas, músicas. Tive uma boa ideia do que se trata este país, que algumas vezes parece acolhedor, outras vezes parece inóspito.

Para quem vem das cidades caóticas brasileiras, as cidades canadenses parecem calmas demais, até entediantes, principalmente durante o inverno.  Montréal é menor, mais tranquila, mais europeia. Às vezes parece perdida no tempo, com tantos prédios antigos. Toronto tem mais cara de metrópole, com edifícios gigantescos no centro da cidade, e com mais gente se esbarrando no metrô.
Centro de Montréal visto da Île de Sainte Helène (Parc Jean Drapeau)

Montréal tem ótimos parques, bem no centro da cidade. Isso possibilita um hábito muito agradável durante a estação quente. As pessoas saem do trabalho ou dos estudos e vão ao Parc Lafontaine ou ao Parc Mont-Royal para encontrar com os amigos e bater papo. Levam lanches e bebidas. O que a princípio nao é permitido, mas todo mundo faz. Tudo em nome da tradição europeia de comer com o acompanhamento de vinho ou outra bebida alcoólica. Aproveitando uma brecha na lei que proíbe o consumo de álcool em locais públicos e abertos. Um simples pacote de batatas fritas serve como desculpa para a garrafa de vinho durante o piquenique no parque.

Em Toronto não existe esse hábito. Ou os parques no centro da cidade não são convidativos. Ou os habitantes desta cidade nao têm tempo ou costume de simplesmente relaxar. Ou não têm o "savoir vivre" dos québecois. Ou preferem bares e restaurantes caros no final do dia, já que têm salários maiores.

Em Montréal muitos restaurantes convidam a "apportez votre vin", para que você traga o seu próprio vinho. E as pessoas fazem isso frequentemente. Os garçons abrem as garrafas e servem o vinho com boa vontade. Já em Toronto, levar o vinho não é comum, mas, em compensação, aqui se come sushi de boa qualidade por um preço ridiculamente pequeno. A depender do local, comer sushi pode sair mais barato que comer pizza ou hamburguer.

Em ambas as cidades existem parques no meio das águas: no lago (em Toronto) ou no rio (em Montréal). Para chegar na Toronto Island, a ilha no meio do lago, é preciso pegar um ferry-boat, a viagem dura uns dez minutos. Em Montréal o metrô desce por baixo d'água e você chega seco no parque, como se nada tivesse acontecido, desde que você saiu do centro da cidade. Dos parques rodeados de água, a gente tem vista do skyline, o panorama urbano das duas cidades.

Toronto tem menos neve e faz menos frio que em Montréal. Apesar de menor população, Montréal tem a noite mais animada, com mais casas noturnas e bares que só param de vender álcool às três da madrugada. Em Toronto, é bom correr. Às duas horas não há mais possibilidade de comprar bebida alcoólica.
Centro de Toronto visto da Toronto Island
Em Toronto posso praticar francês e em Montréal posso praticar inglês, mesmo que não sejam as línguas dominantes.

Montréal é uma cidade mais sexy e mais romântica. É comum ver casais se beijando nas ruas, nos parques, no metrô. Às vezes indo além dos beijos. Em Toronto isso é mais raro do que neve no Brasil.

Em Toronto vive-se uma sociedade multicultural, respeitosa das diferenças. Como em uma reunião contínua da ONU nas ruas. É difícil se sentir estrangeiro nessa cidade, pois todo mundo tem cara de que veio de outro lugar - e bem distante.

Em Montréal e em todo o Québec, a luta pela preservação do francês gera um tom levemente refratário às culturas estrangeiras. Esse sentido é um pouco menor em Toronto, o que, para mim, acaba por se mostrar como um pouco mais de receptividade à imigração.

De Toronto parte um voo direto para o Brasil, o que é uma boa vantagem.

Em Toronto tenho mais amigos brasileiros que em Montréal, alguns que já conheço desde o Brasil, são praticamente os primos ou irmãos no Canadá. Em Montréal tenho mais amigos iranianos e francófonos que em Toronto.

Então, pesando tudo, o que prefiro, Toronto ou Montréal? Sabe que não sei?!