4.5.12

Um taxi, a noite

Tomei um táxi que me levou até o monte das realezas. O táxi chegou no fim da noite, quando o transporte público ficou inacessível. Quando a espera era impossível do lado de fora, pelo frio. Quando as bicicletas dormiam sob a capa branca. O veículo me conduzia pela cidade com luzes cortando a noite, que seguia pela cidade que não queria dormir, para não esquecer as suas últimas alegrias. Havia uma impressão de conforto nunca experimentada nos trópicos. A introspecção do frio e os novos personagens da noite. O táxi, grande e confortável, aquecido, de estofamento macio, como um último afago da noite no corpo.

A noitada vinha se encerrando aos poucos no trajeto para casa, entre palavras emboladas e a beleza de apreciar o que estava calado pelas horas avançadas. Havia luzes de todas as cores, clareando os ultimos bêbados, os boêmios resistentes, os vendedores de o que quer que seja, os personagens malditos, as roupas colantes,os saltos mal equilibrados, o resto de perfume aprisionado, os gritos da histeria. Havia nomes sagrados despejados no vento sob forma de insultos. Havia o frio que envolvia todos os notívagos. Havia a neve que retinha o ar de pureza, mas que machucava os ossos. Havia o aquecimento do carro para compensar, ainda bem. A cidade dava os ultimos passos, em pernas trôpegas, antes dormir.

O transporte público, por sua vez, estava cheio de últimas chances, de tentativas frustradas, de derradeiras alegrias, da chamada final antes de o bar fechar. Antes que o frio congelasse totalmente os espíritos notívagos, os últimos estertores da juventude, os suspiros de alegria que fugiam com o tempo. A alegria que eles queriam reter a qualquer custo, os melhores momentos que não ficam quietos.  Aqueles instantes tão intensos, tão rápidos, tão transcendentes, que não se perdem na brisa gelada, que parecem não existir, que eram praticamente sonhos experimentados, que davam uma vontade intensa e quase incontrolável de parar o tempo, como em uma festa inacabada. Um iceberg gigantesco a esmagar o passado.

Eram novidades que pareciam eternas, disfarçadas de aprendizagem, de pessoas de fala estranha e de novas informações. Um aprendizado contínuo e sem fim, cheio de possibilidades e de quebras no tempo. Seriam caminhos que levariam a estradas lindas e cheias de sabedoria, que passariam pela beleza que não entraria no fogo do desejo nem poderia ser tocada.

O veículo cruzava ruas com nomes de santos e pecadores, em avenidas largas limitadas por calçadas e vitrines, onde o poder do dinheiro e da beleza se encontravam. Eu via bebidas ocultas em sacos de papel pardo, sob casacos escuros e pesados, via bolsos cheios de continuações. De alegria, de energia, de prazer, de ilusões, de perdas. Via novas portas que se abriam para a diversão enquanto outras iam se fechando. A noite continuava para alguns, começava para outros e terminava para uma grande parte. O táxi completa o caminho, para na esquina de nome elegante e segue em frente.

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