13.9.12

Encontrando Monsieur Lazhar

Pessoas que chegam de todos os cantos e de origens as mais diversas se encontram no French Meetup de Toronto. É como se fosse um pequeno retrato do que é a cidade. Com um drinque, água ou chá na mão, seja para desinibir ou para molhar a garganta, os participantes deixam a língua solta.

O último encontro foi bem rico. A primeira pessoa de quem me aproximei foi uma senhora com cara de francesa. Cabelos claros e curtos, um grande nariz aquilino, ela segurava um copo de chá quente fumegante. Não era francesa, era canadense. E o seu francês não era grande coisa, às vezes eu tinha dificuldade de entender ou escutar, pois ela falava baixo. O seu nariz, tão marcante, me pareceu uma herança árabe ou espanhola. Não quis perguntar, fiquei com medo de parecer indiscreto.

Acabei descobrindo que ela trabalha por conta própria operando com açoes na bolsa. Conversamos sobre aplicaçoes financeiras no Canadá e no Brasil e ela me convenceu que os títulos da Petrobras, atualmente em baixa, vão subir em pouco tempo, assim como os de outras petrolíferas, por causa das confusões no Oriente Médio e no Norte da África.

Logo a seguir conheci um franco-canadense originário de Winnipeg, capital da província de Manitoba, vizinha de Ontario. Eu sabia que existem comunidades francófonas em Manitoba e foi muito bom saber mais sobre o assunto. Uma das grandes escritoras do Canadá chama-se Gabrielle Roy, é originária de Manitoba e escreveu sua obra em francês.

O rapaz aparentava ser bem jovem, mora e trabalha em Hamilton, uma cidade que fica a uns 70 quilômetros de Toronto. Cabelo preto, pele clara, óculos redondos, não parecia descendente de ingleses ou irlandeses. Para chegar no French Meetup ele pega o carro e dirige uns 40 minutos. O sotaque dele era um pouco mais brando, menos nasal, do que o dos québecois. Ele me falou que considera o francês a sua língua materna. pois estudara em escola  francófona, apesar de ter feito universidade em inglês.

Perguntei por que optar por se alfabetizar em francês. Ele me falou que é a língua da sua família.Que a população da cidade de onde ele veio, na região metropolitana de Winnipeg, que não lembro o nome, também fala francês. Ele ainda me disse que algumas cidades francófonas de Manitoba têm nomes de santos. Religião Católica e língua francesa são inseparáveis.

Comentei que eu acho enriquecedor uma criança estudar em francês no Canadá. Pois vai aprender inglês de qualquer modo, pela televisão, computador, videogame ou nas ruas. Ele fez uma observação interessante, que, além disso, o inglês ensinado na escola francesa é de boa qualidade, o que facilita tudo.

A situação inversa não costuma acontecer com crianças e jovens que estudam em inglês. Os canadenses que moram fora do Québec aprendem francês na escola como segunda língua, mas quase não têm oportunidade de praticá-la e acabam esquecendo. Do mesmo modo como ninguém aprende a falar inglês no Brasil só estudando na escola.

Depois foi a vez de bater papo com um senhor da Argélia. Gorducho, pele morena, cabelos grisalhoso cacheados. Vi de cara que era árabe. Ele mora e trabalha em Brampton, na região metropolitana de Toronto, e ensina matemática e ciências em uma escola francesa. Lembrei imediatamente de Monsieur Lazhar, o filme do Québec que concorrreu ao Oscar de filme estrangeiro neste ano e que ganhou o prêmio de melhor filme canadense no Festival de Toronto 2011.

O filme conta a história de um professor argelino que vai ensinar francês em uma escola de Montréal. Na sala de aula ele se depara com diferenças culturais, com o novo método de ensino e com a carga emocional causada pelo suicídio da professora anterior. Ele me falou, entre risadas, que quando foi ver o filme, também se reconheceu na tela. A arte copia a vida, não é? Conversamos mais um pouco sobre assuntos polêmicos do Oriente Médio, mas o tema é bem espinhoso, melhor seria não provocar mais.

O professor foi embora e eu fiquei decidindo se tomaria mais uma cerveja. Sim, decidi ficar mais um pouco.

Ao lado estava um grupo conversando animadamente. Achei o sotaque diferente e perguntei se eles estavam falando francês com sotaque italiano. Um rapaz mais comunicativo, de olhos claros e cabelo curto e espetado deu risada e disse que não. Disse que era russo, que morava há muito tempo em Toronto, que tinha chegado aos dez anos de idade no Canadá. Falou que tinha aprendido francês enquanto estava estudando na Espanha. Ou seja, era daqueles que falam uma quantidade de línguas que podem superar o números de dedos de uma mão.

Ele era bem jovem, não aparentava nem 25 anos e falava francês com ótimo vocabulário. Em minha experiência aqui neste país, tenho visto que alguns russos têm uma capacidade inacreditável de aprender novas línguas. Eu tenho a impressão de que, como a língua deles é muito complexa, cheia de variaçoes, e o alfabeto cirílico mais extenso, com sons que nem todas as línguas possuem, os russos devem achar o resto fácil de aprender.

Os últimos personagens da noite não foram menos interessantes. Eu tinha reparando antes, um cara completamente careca, pele morena, óculos modernos de aros grossos e uma "mosquinha" branca logo abaixo do lábio. Quando eu falei que era brasileiro, ele falou em francês que também falava português. Achei que mais alguém capaz de falar algumas frases de português misturado com espanhol. Mas ele revelou logo a seguir que era angolano.

Ele falava um francês excelente. Perguntei onde tinha aprendido e ele me disse que havia morado durante oito anos na França. Comentou que havia uma brasileira no evento. Ela chegou logo depois. Olhos amendoados, cabelo bem preto, liso e comprido. Feições orientais. Descendente de japoneses, de São Paulo, pensei e acertei no alvo. O primeiro brasileiro que encontrei no evento que frequento há alguns meses.

Muito simpática, ela tinha ido apenas acompanhando o angolano, pois não falava nada de francês. Eles trabalham juntos no mercado imobiliário em Toronto e estão tentando convencer canadenses a comprar imóveis no Brasil. Conversamos um bocado - em português. O sotaque do angolano não era difícil de compreender. Falei da grande quantidade de imóveis no litoral  do nordeste brasileiro adquiridos por europeus, que os possuem como casas de veraneio. Desejei boa sorte à dupla na empreitada, mesmo sabendo que canadenses e americanos não costumam ir além do Caribe e da América Central.

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