17.11.11

O sorriso de boca fechada.

Brasil e Canadá têm inúmeras diferenças, todo mudo sabe: clima, línguas, colonização, etc, etc, etc. Ainda assim, são concorrentes em vários domínios econômicos: indústria de aviões, produção de petróleo, minerais, carne, produtos agrícolas. Mas, quando se trata de comunicação interpessoal, brasileiros e canadenses são quase opostos.

O brasileiro é muito falador, não dá para negar. Adora conversar, trocar idéias, opinar sobre o que sabe e o que não sabe. Ama fazer piadinhas, brincadeirinhas, quase sempre em uma tentativa de ser simpático. Ou como se não suportasse intervalos de silêncio nos diálogos. Algumas vezes exagera e cai na ironia e no "veneninho". O que era para ser uma gentileza, acaba sendo uma forma de humor mordaz e depreciativo.

A comunicação não fica só na conversa ao vivo. Em um exemplo bem atual, os brasileiros eram os mais presentes no Orkut. No Twitter, o Brasil consegue emplacar com frequência temas nacionais - às vezes bastante idiotas, como "Volte para cá, Justin Bieber" ou "Cala boca Galvao" - nos trending topics, os temas mais comentados mundialmente.

Já vi comentários de franceses no Twitter, com clara inveja, falando que "novamente, os brasileiros conseguem colocar os seus assuntos nos trending topics". E não existe a ajuda de portugueses, angolanos e moçambicanos, para ficar entre as nações mais populosas que falam português. Praticamente são só brasileiros soltando piados (twitters) na internet sobre temas nacionais. Para temas em inglês existem americanos, canadenses, australianos, ingleses e o escambau fazendo comentários sobre as celebridades, quase sempre americanas.

Quando eu morava no Brasil, achava que às vezes as pessoas falavam demais, até mesmo durante o trabalho. E que tinham dificuldade para parar e escutar. Muitas vezes, as frases não são ditas até o final, pois são cortadas pelo comentário da outra pessoa, que acha a sua posiçao mais interessante ou mais correta. O problema é quando todos pensam assim. Às vezes falam dois ao mesmo tempo em um pequeno grupo. Claro, os seus exemplos pessoais são a prova concreta da suas opiniões e generalizações. "Todo francês é metido. Minha prima é casada com um que é muito chato!"

Além disso, muitos brasileiros não tem a menor dificuldade para falar dos seus problemas pessoais na frente de estranhos. Claro, quer tema mais interessante do que este? Tipo assim, a caixa do supermercado em Salvador, conversando com alguém conhecido na fila, contando que só sairia às 10 da noite do trabalho e ainda teria que cozinhar e lavar roupa ao chegar em casa. Isso eu já vi.

Já o canadense tem um comportamento diferente. Os diálogos são bastante econômicos. Em algumas situações como ao entrar em um elevador, um "bom dia" ou "good morning" seria bem-vindo, mas nem isso acontece. O canadense tenta compensar com gentilezas ao abrir e segurar a porta do elevador, para que você possa entrar, principalmente se você estiver de mãos carregadas. E, em vez fazer algum comentário gentil, dará um sorriso de boca fechada. Como assim? Com os lábios arqueando para cima, como se escondesse os dentes.


O canadense parece que já nasceu politicamente correto, sem a fleuma dos ingleses e sem a impaciência, disfarçada de pragmatismo, dos americanos. Então nada de fazer piadinhas ou gozações, tão queridas aos brasileiros engraçadinhos. Se as pessoas não têm proximidade, não existe o tom de brincadeira ou ironia nas falas, tudo é levado ao pé da letra. Não poderia ser de outra forma, para acolher tantos imigrantes, de tantas culturas tão distintas. As coisas têm que ser ditas de modo direto, senão correm o risco de não serem entendidas.

No ambiente de trabalho, as diferenças na comunicação ficam bem claras. No Canadá há um silêncio nos escritórios que seria impossível no Brasil, com todo o blá-blá-blá durante o cafezinho. O silência reina e pode ser entediante. Já vi brasileiro reclamando do tédio no trabalho.

Mas tudo tem uma contrapartida e, se a rádio corredor parecia excessiva entre os brasileiros, ela faz falta por aqui. Às vezes, percebo que há pouca comunicaçao nas empresas. Temas simples, bobagens, muitas vezes são tratados a portas fechadas, como se fossem secretos e de extrema importância. Os canadenses tentam compensar a falta de informação com boa sinalização e instruções escritas de forma clara. Para tudo tem ordem impressa, nos quadros de aviso ou nas portas.

Lá na piscina do clube existe instrução até de como fazer ultrapassagem na raia, caso a pessoa na sua frente estiver nadando em uma velocidade menor do que a sua. E olhe que cada raia tem sua própria velocidade (alta, média ou baixa). Algo assim: "Toque o pé da pessoa à sua frente e espere ela reduzir o ritmo, só entao ultrapassse".

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