Termino dois dos melhores livros que já li: The Story of the Night, do irlandês Colm Toíbín, e Mi País Inventado, da chilena Isabel Allende. Nos dois casos, aconteceu algo que raramente faço. Volto a reler algumas partes, pelas quais passei muito rápido, na ânsia pelo desfecho.
Ambos são uma lição de que, para fazer um bom livro, não é preciso vocabulário complicado. O irlandês é reconhecido internacionalmente, recebeu vários prêmios. Escreve em um inglês leve, emotivo e cativante. E não me obriga a ir toda hora ao dicionário. Já Allende é a autora do famoso Casa dos Espíritos e de vários outros títulos que venderam milhões.
Mr. Toíbín me deixou com vontade de conhecer a Irlanda desde quando li outro livro dele, The Empty Family. Mesmo que o retrato traçado por ele do país não seja tão bonito assim.
Mi País Inventado, por sua vez, é um livro que gostaria de ter lido no final da adolescência ou início da fase adulta. Talvez tivesse tomado decisões mais rápidas sobre alguns caminhos a tomar. Ou, melhor, não. Talvez o melhor momento tenha sido agora, quando vivo na condição de imigrante. De qualquer modo, ler o livro naquela época seria impossível, pois ele foi publicado em 2003.
Por coincidência, os dois têm um largo foco nas ditaduras latino-americanas. The Story of the Night, na Argentina, enquanto Mi País Inventado, no Chile.
Isabel Allende faz uma espécie de autobiografia poética, colocando o Chile como pano de fundo. Ela descreve com leveza e humor as relações familiares, o gosto pela escrita, as caracteristicas do povo chileno, as reviravoltas da vida política no Chile, a condição de exilada na Venezuela, por causa da ditadura, e depois como imigrante nos Estados Unidos, após o casamento com um americano.
Impossível para mim não ter identificação com obra e vida de Allende. O gosto pela escrita, a nostalgia do país de origem, o olhar para a terra natal a partir de um local distante, como se fosse um estrangeiro. Talvez tenha sido melhor mesmo ter lido Allende já morando em outro país. Se não estaria sonhando em ser um exilado político para sair do Brasil.
Ela, filha de diplomatas, teve essa oportunidade desde cedo. Já eu lutei por isso. Quando eu era adolescente, via com olhos de desejo aqueles privilegiados
que conseguiam sair do país, via turismo ou estudos. Meus primeiros salários foram economizados para uma viagem ao exterior para estudar inglês. A língua inglesa sempre me atraiu, mas o estudo foi mais desculpa para uma longa viagem. Na volta, fiquei bastante entristecido, pois as minhas condições profissionais (e financeiras) haviam mudado e ficou difícil empreender uma outra aventura como aquela.
Os anos se passaram, outras pessoas chegaram e saíram da minha vida. Um amigo foi morar no Canadá e a minha vontade de viajar aumentou e persistiu. Mas, por que mudar, se existia o conforto de morar bem, carro, amigos, emprego estável? Vontade de jogar tudo para cima e recomeçar a vida. Aventura. Aprender outras línguas. Conhecer novas pessoas. Histórias para contar.
Considero um privilégio poder mudar de vida quase aos quarenta anos. Recomeçar tudo: nova língua, estudos, trabalho. Grandes desafios. Mas, como Isabel Allende anota no livro, o século XX foi marcado por migrações e exílios nunca vistos. E, pelo jeito, as coisas continuam fortes até hoje. Faço parte de um fluxo, não estou só.
Até um passado recente, o Brasil sempre esteve isolado, como se fosse uma ilha-continente na América do Sul. Havia poucos intercâmbios com os países vizinhos. Raras pessoas viajavam à Colômbia e Venezuela, por exemplo. Quando eu era adolescente, eu tinha impressão de que tudo que falava e lembrava o espanhol da América do Sul parecia extremamente cafona. Antiquado, perdido no tempo. Um pouco dessa atmosfera ainda não se perdeu, eu pude notar em Montevidéo, no Uruguai, quando estive lá há uns seis anos. A minha impressão na adolescência não era totalmente errada.
Mais tarde, durante a minha época de universidade, Peru e Bolívia me pareciam destinos de aventureiros, alternativos e hippies tardios. Hoje, Chile e Argentina fazem parte de pacotes turísticos da classe média brasileira. O intercâmbio cultural é bem maior. Aprende-se espanhol nas escolas do Brasil e é um idioma que cresce em importância no mundo.
Então ler as imagens poéticas de Allende me traz conforto. Como se me fizesse lembrar da emotividade latina. Ajuda a saber que estar distante das origens não é perder as suas caracteristicas. É como transportar uma árvore de um local para outro. Aquela terrinha que permanece entre as raizes é o que se leva e o que permite à árvore se readaptar. Essa terra está contida nas lembranças e na imaginação.
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