19.5.12

Atores da vida urbana

Os dois seres subiram no ônibus em um intervalo rápido. O primeiro era um rapaz com várias tatuagens, inclusive no rosto. Ele usava um casacão vermelho e preto que mais parecia uma grande capa. Ele tinha a pele morena, mas os olhos claros, verdes. Quando ele abaixou o capuz, pude ver o cabelo crespo e curto, quase carapinha, tingido de vermelho. Ele tinha minúsculas tatuagens verticais nas maças do rosto, que lhe davam um ar triste, quase de choro, como se fossem lágrimas saindo dos olhos. O cabelo crespo e os olhos claros revelavam a mistura de raças que resultou naquele personagem sentado quase de frente para mim nos últimos bancos do onibus.

As tatuagems nos dedos e todos os outros apetrechos completavam o visual de rapper, com influências de punk: grandes anéis, colar de elos grossos, o cabelo descolorido e tingido. Parecia que a qualquer momento ele poderia pular do banco e comecar a cantar alguma coisa em um tom agressivo. O seu visual para mim queria dizer violência urbana e revolta. Desencaixe e incertezas. Talvez criatividade, com um pouco de sorte.


Ele só não era mais estranho do que a jovem que entrou logo a seguir. Pele bem branca, cabelo bem preto, unhas pintadas de preto. Ela entrou como um raio e se sentou no banco junto de um rapaz louro, que usava casaco de lã e boina e que continuou impassivelmente a escutar as suas musicas preferidas com os fones dentro do ouvido, sem dar a minima atenção a quem se sentava ao seu lado.

A garota parecia estar sob efeito de alguma substância alucinógena. Ela se contorcia, olhava para todos os lados, tremia as maos. O pescoço virava quase em 360 graus, ela olhava para todas as direçoes. O rapaz ao seu lado saiu do transe musical e passou a olhar desconfiado para o que estava acontecendo ao seu redor. Acho que ele comecou a ficar receoso de qualquer reaçao extremada da mulher transtornada que nao conseguia ficar quieta. Ou ficou com medo de tomar alguma cacetada. Mas a polidez canadense o impedia de qualquer reclamaçao pelo incômodo.

O ônibus continuava seu percurso na rua Sherbourne. Mais algumas paradas, a garota deu um salto do banco onde estava sentada, abriu a porta do veículo e ganhou a rua, correndo para encontrar um homem que estava sentado nas escadarias de um pequeno prédio logo ali perto do ponto de ônibus. Ela rapidamente chegou até ele e se sentou ao seu lado, calmamente iniciando uma conversa indecifrável para quem passase por perto. Um conversa de loucos.

O rapaz de cabelos vermelhos continuou o seu percurso. Possivelmente iria descer no ponto da estaçao do metrô. Talvez estivesse indo encontrar o seu grupo grupo musical. Ou sua gang. Nao pude conferir, nao poderia, mesmo se quisesse. Desci antes.

    

1 comment:

Camila said...

Eu realmente gosto de como você escreve. Suas palavras são história muito boa e muito atraente, eu queria escrever este tipo de texto. Eu gostei da descrição do cabelos descoloridos da menina, acho que ela se parece comigo! Obrigado por este post, é realmente extraordinário!