Faz algum tempo que frequento o French Meetup de Toronto, um encontro mensal de pessoas que tem o francês como primeira língua ou que gostam de praticá-lo. A reunião acontece em um restaurante-bar na Bloor Street East perto da Yonge. Cada vez é uma experiência diferente. Cada vez tem gente diferente, com sua história de vida para contar.
Ontem conheci um holandês que veio criança para o Canadá. Os pais imigraram para Alberta e ele se mudou já adulto para Toronto, para trabalhar. A sua língua materna é o holandês, mas ele foi educado em inglês, no Canadá. Francês ele aprendeu na escola e em cursos. Apreciador de línguas, aprendeu espanhol, pois morou dois anos na Espanha, em Barcelona. Ele trabalha em um banco e já foi responsável pela área de negócios com a América Latina. Ele considera o espanhol a sua terceira língua. Como se nao bastasse, foi casado com uma brasileira, então fala português também. Somando tudo, ele fala 5 línguas e me disse que compreende um pouco de alemao, que tem alguma semelhança com o holandês. Ufa!
Revi uma conhecida (estou prestes a considerá-la uma amiga, pelas várias vezes que a encontro e é sempre muito agradável) nigeriana, com quem trabalhei durante um período curto, e que eu não sabia que falava francês. Depois de sermos apresentados no trabalho, acabei por reencontrá-la no French Meetup.
A língua oficial da Nigéria é o inglês, mas ela aprendeu francês durante os quatro anos que passou em Montréal estudando Contabilidade. Eu achava que ela era filha de imigrantes, que morava no Canadá há muito tempo, pelo menos desde criança. Mas ela revelou que chegou no Canadá aos 16 anos, que os pais ainda moram na Nigéria. E que ela viaja para lá todo ano. Fiquei surpreso porque ela faz um trabalho altamente qualificado, imaginei que tivesse sido totalmente educada no Canadá. Tudo bem, a universidade onde ela estudou é das melhores do país. Para mim, ela seria um caso de sucesso - existem vários - de estudos e trabalho de imigrantes no Canadá.
Quando converso com ela, a gente passa um bom tempo comparando as culturas da Bahia e da Nigéria. Ela fica surpresa com as coincidências. A cultura afro-baiana veio basicamente daquela região da África, principalemente dos povos Yorubá, Hauçá, Fon, Lgbo. Comida, hábitos, música, religião. Ela me contou que os nomes de pessoas na Nigéria são com frequência os mesmos nomes das entidades do candomblé brasileiro . Ou seja, existem vários oshuns, shangos, ifás e oguns circulando pelas ruas da Nigéria. Quando a nigeriana chegou, eu estava, por coincidência, conversando com um canadense filho de nigeriano e de mãe do Québec. O francês dele nao era grande coisa, às vezes ficava difícil compreendê-lo, mas ele era simpático e comunicativo.
Um pouco mais tarde, talvez a personagem mais interessante da noite se aproximou. Ela tinha o rosto redondo e largo, cabelo bem preto e comprido, os olhos bem puxados, a pele clara, mais de 40 anos, provavelmente. Ela me fez lembrar os inuits (esquimós) do Canadá. Mas ela era francesa e bastante simpática. Nativa da cidade de Nice, no Sul da França. Filha de alemão com vietnamita. Life coach, psicóloga, trabalha com comunidades francófonas em Toronto. Também trabalha em inglês. Ela morou em vários locais e contou as maravilhas de Vancouver. Ela também já havia morado nos Estados Unidos durante bastante tempo. Fiquei curioso e perguntei a ela em que local ela tinha a maior sensação de pertencimento. Curiosamente, uma vez que os franceses não morrem de amores pelo Tio Sam, ela falou que era nos Estados Unidos. Mas ela diz adorar o Canadá.
Mais tarde um outro rapaz, este do Benim, chegou e começou a conversar com a nigeriana. Acho que eles já se conheciam de outros encontros. O Benim é um país francófono e vizinho da Nigéria. A francesa foi embora e continuei o papo com os dois. O Benim tem a cultura bem parecida com a Nigéria e, por tabela, com as características afro-baianas. Acarajé, por exemplo, é conhecido como acará na África.
Lembrei que eu já havia experimentado comida do Benim em Salvador, no restaurante Casa do Benim, no Pelourinho. Também contei a ele a lenda que uma vez ouvi, talvez criada pelos próprios donos do restaurante, para aumentar a mística do local. A história dizia que, se as terras da África e a América se juntassem novamente - se é que isso aconteceu alguma vez -, Salvador iria coincidir com o Benim.
Comentando sobre questões da língua portuguesa, falei sobre a influência dos teleromances (novelas) brasileiros no modo de falar da própria comunidade de países lusófonos. Foi com surpresa que ele falou o nome em português "novela". E revelou que as novelas brasileiras são uma febre naquele país africano - e provavelmente em outros da região também. Depois lembrei que uma amiga minha do Québec, que havia passado um tempo fazendo trabalho humanitário no Benim, já tinha me falado disso. As famílias param na frente da televisão, no maior silêncio, quase hipnotizadas, para acompanhar a trama. Nada muito diferente das famílias brasileiras. O beninense (ou beninês) também conhecia a música de Carlinhos Brown.
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