Os estudos de espanhol foram muito agradáveis. Optei pelo curso de extensão no Instituto de Letras da UFBA. Mais barato que nas escolas especializadas e de ótima qualidade. A primeira professora que tive foi uma espanhola da Cataluña. A proximidade entre português e espanhol possibilita um fato espantoso. Já no primeiro semestre, a professora falava inteiramente em espanhol. E a turma entendia tudo.
Ela não precisava passar para o português para dar explicações nem fazer malabarismos com as mãos para se fazer compreender.
No semestre seguinte, com o início dos estudos na Faculdade de Comunicação, passei para as aulas aos sábados, apenas uma vez por semana. Apesar de parecer pouco tempo, o conteúdo era bem rico. Eu fazia contorcionismos para conjugar trabalho, estudos acadêmicos, espanhol, análise e vida social. A turma era ótima e nós permanecemos juntos até o final do curso.
Tive mais três professores durante os seis semestres: uma brasileira (casada com um argentino, ela foi a mais fraca de todos), um peruano (um senhor gordo, com cara de índio, muito divertido) e outro brasileiro da Bahia. Este baiano talvez tenha sido o melhor professor. Ele fazia carreira acadêmica na área de linguística da UFBA e era apaixonando pelo espanhol. Passava longas temporadas no México, estudando teoria e, claro, praticando a língua com nativos.
Por conta de tantos professores com sotaques diferentes, não sei com qual vertente o meu espanhol com sotaque brasileiro se parece mais.
Lembrei de toda essa história depois que fui participar de um encontro linguístico (mais um!) de gente se revezando entre francês e espanhol. E fico surpreso como o espanhol chega fácil na ponta da língua. Se os brasileiros compreendem com certa facilidade o espanhol, não se pode dizer que a reciproca seja verdadeira. O português não é imediato para hispanos.
Uma professora de linguística me falou rapidamente que isso se deve a alguns sons extras que usamos no português, mas que não existem no espanhol. Daí a cara de espanto deles quando usamos palavras que parecem tão comuns aos dois idiomas, mas que, para eles, é algo irreconhecível.
Havia venezuelanos, colombianos, argentinos, canadenses e gente de outras partes do mundo. Conversar com os latinos não é nada difícil. Assim como os brasileiros, são falantes e têm aquela empatia rápida e forte que nos caracteriza.
Depois de quatro anos no Canadá e conhecendo um número cada dia maior de sul-americanos, como nunca aconteceu no Brasil, eu começo a perceber características que se repetem. Peruanos e venezuelanos são muitíssimo simpáticos. Os venezuelanos um pouco mais exuberantes, os peruanos mais tímidos. Colombianos são levemente esnobes, orgulhosos, medem bastante as pessoas. Mas, passado estranhamento inicial, são comunicativos e gentis. Colombianos e venezuelanos têm uma rixa histórica, coisa de vizinhos, mas não chegam a ser hostis entre si.
Brasileiros e argentinos têm em comum aquele irritante senso de humor piadístico-sarcástico. Aquela velha história de perder o amigo mas não perder a piada. Apesar de toda a pirraça, principalmente sobre futebol, brasileiros e argentinos não são inimigos. São países suficientemente inteligentes para ter noção da força um do outro.
Exemplo de "gracinha" feita por um site brasileiro |
Em uma prova bem recente, o trio ternura Brasil-Argentina-Uruguai aproveitou a suspensão do Paraguai, por causa da deposição do presidente, para incluir a Venezuela no Mercosul. O Paraguai era contra a inclusão.
Argentinos sonham com as praias brasileiras e os brasileiros adoram passar alguns dias de sonhos europeus, tomando vinho e café acompanhado de água com gás. Comendo carnes e massas em Buenos Aires. Sem esquecer de alfajores e empanadas.
O sotaque espanhol dos sul-americanos para mim é mais fácil de ser compreendido do que o sotaque mexicano e da Espanha. Tenho a impressão de que há ritmo e entonação semelhantes. Talvez, em terras europeias, portugueses e espanhóis compartilhem a mesma impressão quando conversam entre si. Coisa de hemisfério.
Uma coisa interessante que vim perceber ao mudar para o Canadá é a questão da imagem entre os vizinhos. Dentro do Brasil, a gente sempre acha que foi ou é vítima dos outros países, que fomos explorados por europeus e sofremos intimidações constantes da América do Norte.
Entre os vizinhos do Sul, pelo contrário, o Brasil chega a ter uma imagem de imperialista. Como uma amiga argentina uma vez reclamou: "Os brasileiros querem tudo!", falando das constantes disputas comerciais do seu país com o Brasil.
E se a gente for olhar na história, realmente o Brasil tem um lado forte de dominação e luta pelo território. Basta olhar a aquisição do Acre. Eram terras que pertenciam à Bolívia, mas que estavam cedidas aos Estados Unidos e ocupadas por fazendeiros brasileiros. Frente aos conflitos, o governo brasileiro acabou por adquirir a área e incorporá-la ao mapa do Brasil.
Não é preciso ir muito longe para ver atualmente uma situação semelhante. Produtores brasileiros dominando o cultivo de soja no Paraguai. Os famosos brasilguaios. Porém, na atualidade diplomática, as encrencas são resolvidas sem maiores danos, salvo um ou outro tiroteio por aquelas bandas.
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