4.11.12

O humor pirracento de brasileiros e argentinos

Antes de começar a estudar espanhol, no Brasil, há vários anos, alguns fatores influíram na minha escolha pela língua de Cervantes. O Mercosul estava muito em destaque, a língua espanhola começava ser ensinada nas escolas brasileiras, havia a proximidade com o português e a possibilidade de adquirir fluência em pouco tempo, uma vez que o aprendizado de uma língua muito diferente da sua língua materna é mais longo. E nada assegura que um dia você terá capacidade de se comunicar com facilidade nela. Além tudo disso, havia a possibilidade de praticar viajando dentro da própria América do Sul ou conversando com turistas no Brasil.

Os estudos de espanhol foram muito agradáveis. Optei pelo curso de extensão no Instituto de Letras da UFBA. Mais barato que nas escolas especializadas e de ótima qualidade. A primeira professora que tive foi uma espanhola da Cataluña. A proximidade entre português e espanhol possibilita um fato espantoso. Já no primeiro semestre, a professora falava inteiramente em espanhol. E a turma entendia tudo.

Ela não precisava passar para o português para dar explicações nem fazer malabarismos com as mãos para se fazer compreender.

No semestre seguinte, com o início dos estudos na Faculdade de Comunicação, passei para as aulas aos sábados, apenas uma vez por semana. Apesar de parecer pouco tempo, o conteúdo era bem rico. Eu fazia contorcionismos para conjugar trabalho, estudos acadêmicos, espanhol, análise e vida social. A turma era ótima e nós permanecemos juntos até o final do curso.

Tive mais três professores durante os seis semestres: uma brasileira (casada com um argentino, ela foi a mais fraca de todos), um peruano (um senhor gordo, com cara de índio, muito divertido) e outro brasileiro da Bahia. Este baiano talvez tenha sido o melhor professor. Ele fazia carreira acadêmica na área de linguística da UFBA e era apaixonando pelo espanhol. Passava longas temporadas no México, estudando teoria e, claro, praticando a língua com nativos.

Por conta de tantos professores com sotaques diferentes, não sei com qual vertente o meu espanhol com sotaque brasileiro se parece mais.

Lembrei de toda essa história depois que fui participar de um encontro linguístico (mais um!) de gente se revezando entre francês e espanhol. E fico surpreso como o espanhol chega fácil na ponta da língua. Se os brasileiros compreendem com certa facilidade o espanhol, não se pode dizer que a reciproca seja verdadeira. O português não é imediato para hispanos.

Uma professora de linguística me falou rapidamente que isso se deve a alguns sons extras que usamos no português, mas que não existem no espanhol. Daí a cara de espanto deles quando usamos palavras que parecem tão comuns aos dois idiomas, mas que, para eles, é algo irreconhecível.

Havia venezuelanos, colombianos, argentinos, canadenses e gente de outras partes do mundo. Conversar com os latinos não é nada difícil. Assim como os brasileiros, são falantes e têm aquela empatia rápida e forte que nos caracteriza.

Depois de quatro anos no Canadá e conhecendo um número cada dia maior de sul-americanos, como nunca aconteceu no Brasil, eu começo a perceber características que se repetem. Peruanos e venezuelanos são muitíssimo simpáticos. Os venezuelanos um pouco mais exuberantes, os peruanos mais tímidos. Colombianos são levemente esnobes, orgulhosos, medem bastante as pessoas. Mas, passado estranhamento inicial, são comunicativos e gentis. Colombianos e venezuelanos têm uma rixa histórica, coisa de vizinhos, mas não chegam a ser hostis entre si.

Brasileiros e argentinos têm em comum aquele irritante senso de humor piadístico-sarcástico. Aquela velha história de perder o amigo mas não perder a piada. Apesar de toda a pirraça, principalmente sobre futebol, brasileiros e argentinos não são inimigos. São países suficientemente inteligentes para ter noção da força um do outro.

Exemplo de "gracinha" feita por um site brasileiro
Existiram algumas guerras entre Brasil e Argentina, por influência e disputa de terras. Mas os dois foram aliados, ainda com o apoio do Uruguai, contra o pobre do Paraguai, em uma guerra bem sangrenta, a Guerra do Paraguai. Essa aliança parece não ter mais terminado.

Em uma prova bem recente, o trio ternura Brasil-Argentina-Uruguai aproveitou a suspensão do Paraguai, por causa da deposição do presidente, para incluir a Venezuela no Mercosul. O Paraguai era contra a inclusão.

Argentinos sonham com as praias brasileiras e os brasileiros adoram passar alguns dias de sonhos europeus, tomando vinho e café acompanhado de água com gás. Comendo carnes e massas em Buenos Aires. Sem esquecer de alfajores e empanadas.

O sotaque espanhol dos sul-americanos para mim é mais fácil de ser compreendido do que o sotaque mexicano e da Espanha. Tenho a impressão de que há ritmo e entonação semelhantes. Talvez, em terras europeias, portugueses e espanhóis compartilhem a mesma impressão quando conversam entre si. Coisa de hemisfério.

Uma coisa interessante que vim perceber ao mudar para o Canadá é a questão da imagem entre os vizinhos. Dentro do Brasil, a gente sempre acha que foi ou é vítima dos outros países, que fomos explorados por europeus e sofremos intimidações constantes da América do Norte.

Entre os vizinhos do Sul, pelo contrário, o Brasil chega a ter uma imagem de imperialista. Como uma amiga argentina uma vez reclamou: "Os brasileiros querem tudo!", falando das constantes disputas comerciais do seu país com o Brasil.

E se a gente for olhar na história, realmente o Brasil tem um lado forte de dominação e luta pelo território. Basta olhar a aquisição do Acre. Eram terras que pertenciam à Bolívia, mas que estavam cedidas aos Estados Unidos e ocupadas por fazendeiros brasileiros. Frente aos conflitos, o governo brasileiro acabou por adquirir a área e incorporá-la ao mapa do Brasil.

Não é preciso ir muito longe para ver atualmente uma situação semelhante. Produtores brasileiros dominando o cultivo de soja no Paraguai. Os famosos brasilguaios. Porém, na atualidade diplomática, as encrencas são resolvidas sem maiores danos, salvo um ou outro tiroteio por aquelas bandas.

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