17.2.05

Fotos de lambe-lambe

Fui tirar fotos 3x4 para uma nova carteira de identidade. A atual está chegando na maioridade: quase 18 anos de estrada. Hoje em dia, a cada dez anos é preciso tirar uma nova identificação. Acho meio exagerada essa medida, mas fazer o quê?

Sondei os preços nos stands das máquinas digitais. Caros. Lembrei daqueles fotógrafos antigos, os famosos lambe-lambes na Praça da Piedade, perto de onde trabalho. Será que eles ainda existem? Aquelas antigas máquinas suportadas em tripés, nas quais o retratista se escondia atrás de um pano escuro para registar as imagens, com várias pequenas fotos coladas pelos lados, esquecidas pelos clientes que pagaram e não voltaram para pegá-las. Pequenos pedaços de recordações desbotadas.

Depois que a Piedade foi cercada pelas belas grades com desenhos de Caribé, os fotógrafos ambulantes sumiram do local. Perguntei a uma colega de trabalho que sabe tudo sobre serviços no centro da cidade, uma verdadeira Sebastiana Quebra-Galho, se ela sabia se eles ainda existiam.

Ela me falou onde ele estão: em um beco na Avenida Sete, junto do Edifício Totônia (isso é lá nome de prédio?) quase em frente à praça, o antigo local de trabalho. Fui lá para conferir. Dezesseis fotos a cinco reais. Uma pechincha.

No pequeno estúdio montado com cortinas, lá fui eu posar de modelo 3 por quatro. Uma velha máquina fotográfica Pentax K1000, de lente levemente amassada. Igualzinha à que tenho, só que a minha está mais conservada, com certeza viu menos rostos sem graça pela frente. Por um instante, quase decido tirar uma foto de mim mesmo, recortar em formato 3 por 4 e levar para fazer o documento. Depois, em um lapso de sensatez, percebi que ia ser impossível fazer um serviço desse tipo e fui adiante na pose.

"Para identidade tem que tirar o brinco", disse o fotógrafo com cara emburrada. E eu, que estava contente de ter uma foto na identidade com o meu minúsculo brinco prateado, tive que tirá-lo imediatamente. Um outro fotógrafo, mais idoso, que parecia ter sido o verdadeiro lambe-lambe, muito mais simpático, sugeriu: "Não acha melhor tirar com o fundo preto? Você é branco, está de camisa clara, não vai sair nada!"

Por alguns instantes me imaginei flutuando na foto, minha cabeça pairando sobre uma nuvem. E aí logo pensei no fundo preto da foto. Alguém já viu foto de identidade com fundo escuro? Preto? Preferi não arriscar e continuei com a parede branca ao fundo. Para mudar de cor, bastaria baixar um dos vários panos coloridos que ficam enrolados junto da parede. Uma tecnologia avançadíssima.

Foto tirada, não doeu coisa alguma. No máximo um pouco de desconforto, com o fotógrafo ajeitando minha cabeça para lá e para cá, mas nada comparável a uma espetada de agulha em laboratório médico. Pagamento adiantado, o cliente recebe um cartão carimbado e assinado, no qual consta o valor pago. Se esquecer de voltar lá, o fotógrafo não fica no prejuízo.

Imaginei que na época dos lambe-lambes devia ser assim: aquelas fotos que ficavam perdendo a cor e enfeitando a máquina eram de clientes que haviam pago o serviço e esqueceram de - ou não puderam - ir pegar o resultado. E as pequenas fotos ficavam lá, divertindo os passantes, embelezando as ruas, perdendo a cor e marcando a passagem do tempo. Como pequenos tesouros, pequenas almas captadas e presas em um instante infinitesimal.

Quem quiser saber a origem do termo lambe-lambe, tem um texto bacana aqui.

1 comment:

Aline Santiago said...

parabéns danilo, adorei o texto.
venho pesquisando a tempos esses profissionais, quase que folcloricos.. rsrs

ahh, o link que vc deixou ai, está quebrado, me enteressei em ler mais não abriu..

se vc poder me enviar, ficaria grata em ler.

8)~~