As águas, os barcos, as luzes, as ladeiras e as baixadas. O jeito próprio de falar, com suas palavras que não chegam às últimas letras. O vocabulário pincelado de palavrões. Os poros, o suor, os olhares cheios de expressões. Está tudo lá, sob a visão de uma câmera que avança e se aproxima de malandros, barqueiros, marinheiros, prostitutas, travestis. Um microcosmo onde nada é completamente errado e nada é totalmente certo.
Os personagens estão expostos até as entranhas em Cidade Baixa, de Sérgio Farias, com os excepcionais Lázaro Ramos, Wagner Moura e Alice Braga. O jeito baiano atual de falar está na tela, como nunca mostrado antes. Algo somente possível pelo fato de ter os dois atores baianos como protagonistas.
É a Bahia refletida nas águas da Baía de Todos os Santos, talvez o seu maior espelho. Imagens próximas e queridas de quem é da terra. A Cidade Baixa com suas casas decadentes e cheias do limo que escurecem as paredes. Os prostíbulos, os botecos sujos e as prostitutas-dançarinas. Pobreza e falta de ocupação. Música tecno e axé-music. Personagens atualizados de Jorge Amado, que dançam sob um som possível em qualquer lugar do mundo. Uma moralidade diferente, mais próxima e menos perceptível do que a classe média-burguesa imagina.
Cidade Baixa é um filme tenso e pesado, com inserções constantes de violência, mas também com muita emoção e delicadeza, em desempenhos fascinantes dos atores, o que compensa o roteiro que precisaria de uma narrativa com mais a dizer. O que está por trás da concorrência dos dois amigos de infância pela prostituta-dançarina? Uma disputa de um homem pelo outro, em uma tensão sexual que só consegue fluir pela violência? O final aberto do filme deixa ao espectador a elaboração das respostas.
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