30.12.11

Pelo mundo de Toronto

Andar pelas ruas de Toronto é dar uma volta ao mundo sem sair da cidade. Mesmo depois de um ano e meio morando aqui, ainda tem muita coisa para conhecer.

Peguei o metrô e fui na biblioteca do bairro português atrás de livros na língua de José Saramago e Jorge Amado. E minha também, claro. Trouxe para casa o brasileiro Bernado Carvalho, o angolano  José Agualusa e o famoso português Gonçalo M. Tavares, que Saramago uma vez disse que merecia "apanhar" por escrever tão bem aos trinta e cinco anos. 

A biblioteca Bloor/Gladstone, onde peguei os livros, é bem mais bonita do que a St. James Town, que fica a dois passos de minha casa. A biblioteca da região portuguesa deve ter sido reformada recentemente. Muito vidro e metal. Nem parece que foi fundada em 1914.

Comida etíope: ficou para a próxima vez
Com os livros na mochila segui pela Bloor West, em busca do Nazareth, um restaurante etíope recomendado por uma pessoa da Etiópia que conheci em um dos encontros linguísticos que frequento. O Nazareth é simples e bem cotado nas avaliações da cidade. Eu sabia que esse local só abre a partir da tarde, mas eu estava perto, resolvi arriscar. Era em torno das 14 horas e eu estava com fome. Dei de cara com as portas fechadas. Ainda não foi dessa vez provar a comida africana do leste. Continuei caminhando e fiquei surpreso com a presença de outros restaurantes etíopes na região, mas não quis arriscar.

Seguindo o caminho da fome (minha, não etíope), atravessei a rua para chegar em um restaurante caribenho. Há muitos deles em Toronto. Era um local bem pequeno, com cara simpática. Havia uma resenha de jornal afixada na vitrine. Os restaurantes aqui fazem isso. Mostram com orgulho, junto com o cardápio e preços, os comentários elogiosos publicados nos jornais. Para o cliente, serve como boa referência.

Foi assim, influenciado pelo artigo que dizia que lá serviam "not so fast food", que decidi entrar no Pam's Caribbean Kitchen, para experimentar o tal do famoso "Jerk Chicken with rice and peas".

Boa parte dos restaurantes da região central de Toronto tem um tamanho minúsculo. São locais onde a maior parte das vendas é feita "para levar", nas infames caixas térmicas descartáveis. Há somente  poucas mesas. Algumas vezes a surpresa com a comida é boa. Come-se bem e barato. Algumas vezes.

O restaurante estava vazio. Não havia ninguém, nem clientes, nem atendente no balcão. No buffet não havia comida. Quase resolvendo ir embora, uma senhora apareceu da cozinha e perguntou o que eu queria. Escolhi o prato, sentei em uma mesa e fiquei aguardando.

O Jerk Chicken chegou no prato já montado. É um frango frito com um gostoso molho escuro picante. O frango tinha um sabor forte de cominho. O "rice and peas" é o conhecido feijao com arroz, mas sem o caldo. Apenas alguns poucos grãos de feijao espalhados no arroz. O caldo deve ter sido útil  apenas para dar a cor levemente marrom ao arroz. Para completar, uma pequena porçao de "coleslaw", salada de repolho e cenoura picados com maionese.

O prato estava muito bom. A pimenta teve um efeito inesperado e benéfico. Limpou as minhas vias respiratórias, que andavam congestionadas.

Fiquei pensando por que motivo o Brasil não emplaca o bife-arroz-feijão-salada como prato típico nacional, em vez de ficar empurrando feijoada e churrasco rodízio nos turistas. Quando está bem feito, é saudável, bom e fácil de ser reproduzido. Acho que os empreendedores brasileiros preferem ir para África montar grandes negócios, em vez de abrir restaurantes em Toronto.

Pam, a dona do estabelecimento, e que me atendeu, vim saber depois, é proveniente da Guiana. Um país vizinho do Brasil, mas que a gente só sabe que existe pelos livros de geografia da escola, quando tem que decorar as capitais. Aliás, no Brasil nunca encontrei ninguém da Guiana. Aqui no Canadá encontrei alguns. Madame Pam é a mais recente.

Esse tigrão iluminado fica em Koreatown
Terminado o almoço, barriga cheia, continuo a caminhar, agora em busca de sobremesa: pastel de Belém e café na padaria portuguesa. Fui caminhando e passei por Koreatown, que nem sabia que existia. Vários restaurantes, lojas de produtos naturais, parque, mercearias, lojas de bonecas Hello Kitty e afins. Menos bagunçada que Chinatown, a região é simpática e ficou merecendo uma outra visita, desta vez de barriga vazia, para experimentar as iguarias.

Caminhei mais um bocado e notei que já estava muito longe do ponto de partida. Perguntei a uma ciclista - uma corajosa que pedalava em dia de neve e que estava parada no sinal -, onde ficava a região que eu procurava. Ela me disse que era perto da biblioteca onde eu estava antes e eu não percebera. O pastel de Belém ficou para outro dia. Cansado de andar, fui para casa.

Mídia meteorológica

Acabo de descobrir que o site em que vejo a previsão do tempo também traz informações do Brasil. Eu achava que havia só previsão para Canadá e EUA. Neste instante, Salvador faz sol de 31 graus. Com sensação térmica (fator umidade) de 44 graus! Em Toronto, -2 graus com nuvens dançando axé, descendo até o chão.
Não tá fácil pra ninguém.

28.12.11

Cantando na neve


O dia amanhece com sol discreto. Temperaturas baixas, uma onda de frio desce sobre o lado leste do país, atraindo temperaturas negativas, cancelando vôos e complicando a vida de quem dirige nas ruas e estradas. A chuva de ontem congela no chão e a neve vem caindo em flocos.


Os loucos canadenses e suas bicicletas indomáveis
Havia esquecido como é a sensação de andar com a neve caindo. Quando ela vem em flocos, desce devagar, suave, tentando romper a resistência do ar. É a melhor parte do inverno, enquanto a neve ainda não acumula no chão, enquanto não derrete, enquanto não vira gelo, enquanto é possível andar sem o risco de escorregar. A neve caindo em flocos é uma nuvem de confetes no Carnaval, que vem grudando no corpo. Mas sem a música.
 
As camadas de roupas protegem o corpo, não há desconforto ao andar na rua. A não ser que o vento traga o chicote do frio.  Quando a neve cai é sinal de que a temperatura não está muito baixa. Nem alta, com certeza. Ela não molha como a chuva, não encharca as roupas, não aumenta o terror do frio umido. O rosto arde, as poucas partes que ficam descobertas queimam pela tempeatura. Mas a natureza é sábia. Ela pôs olhos de vidro nos homens. Olhos que não sentem frio e que conduzem os passos apressados.

As pessoas caminham de cabeça baixa, para proteger o pescoço e a respiração. Os movimentos do corpo ficam reduzidos. Toucas e capuzes protegem orelhas mas diminuem a visão lateral. O pedestre tem que contar com a paciência e a atenção redobrada dos motoristas. Estes estão em situaçao privilegiada, protegidos pelos seus aquecimentos móveis e ambulantes.

25.12.11

Merry Christmas

A comemoração de Natal na América do Norte é praticamente igual à do Brasil. Ou melhor, a comemoração brasileira é copiada da norte-americana. Na mesa, peru de Natal, presunto, pernil. Pinheiros como árvores de Natal, completando a decoração. Neve e Papai Noel. Consumismo exacerbado. No cardápio, a mudança é só do purê de batata para a farofa brasileira.

Merry Christmas
Alguém daqui me perguntou como é a comemoração do Natal no Brasil. Eu respondi: exatamente igual à do Canadá. Talvez no Brasil a gente não se dê conta de como a nossa alimentação é influenciada pelos hábitos norte-americanos. O querido brigadeiro foi inventado com o leite condensado do hemisfério norte. Aliás, colocar um pouco de leite condensado em um café encorpado fica sensacional.

O peru que preparei, mais uma vez, modéstias à parte, ficou muito bom, temperado com bastante alho, suco de laranja, páprica e tomilho. Aprendi a fazer gravy com o caldo da assadeira e não vivo mais sem isso. O gravy fica uma delícia sobre a carne branca do peru, sobre o purê de batata, sobre a farofa, arroz ou o que mais houver. O stuffing compro semi-pronto no mercado, basta jogar o conteúdo dos pacotes na água quente com um pouco de manteiga.


A saudade do Brasil bateu forte ao assistir ao video da apresentação de Caetano, Gil e Ivete no especial de Natal da tv Globo. Ivete deu um show de emoção ao cantar "Atrás da Porta", imortalizada por Elis Regina. Uma grande responsabilidade. Quando ela começou "Se eu não te amasse tanto assim", tive que sair da frente da tv. Meu coração pediu trégua. Como os cantores baianos conseguem essa magia, é difícil entender.

Senti vontade de estar perto da minha família, dos meus amigos brasileiros, do sol, da praia, do calor, dos encontros cheios de conversas animadas com pessoas queridas. Mas sei que, logo depois, todo mundo viaja e a vida volta à normalidade das férias de verão, pelo menos até o Carnaval. Para mim resta todo um longo inverno pela frente.

10.12.11

Aposentadoria gorda

Nesta semana o jornal The Star noticiou que o famoso time de hóquei Maple Leafs trocou de donos. O fundo de pensão dos professores de Ontario, Ontario Teachers' Pension Plan, vendeu a sua parte, que correspondia a 79,5% das ações, para as empresas de telecomunicação Rogers e Bell. Pela operação, os professores vão embolsar a bagatela de 1,32 bilhão de dólares. Se a gente imaginar no Brasil, seria como se o fundo de previdência dos professores do Rio de Janeiro fosse dono do Flamengo e tivesse vendido o time para embolsar bilhões de reais.

Ontario é a província mais populosa do Canadá e onde Toronto está localizada. O fundo de pensão dos professores de Ontario foi criado em 1989. Tem, portanto, somente 22 anos e já é o maior fundo privado do Canadá.

Imagine como a carreira de professor deve ser disputada nesta província. Bom salário e a confiança que ele não sera reduzido na aposentadoria. Assim como em quase todos os países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, no Canadá apenas algumas grandes empresas e associações de trabalhadores têm fundos privados de pensão. Esses fundos formam o capital por meio de contribuições mensais dos associados e evitam a perda financeira que o trabalhador sofreria se tivesse que contar apenas com a aposentadoria do governo. Os fundos pagam mensalmente a diferença do salário.

No Brasil, o maior fundo de pensao é a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI), que também é o maior fundo da América Latina. A PREVI foi criada em 1904!

Imagine se no Brasil houvesse um fundo dessa envergadura também para os professores, para os policiais, para os bombeiros, para os funcionários públicos. Como o país teria melhores serviços, profissionais bem pagos e com aposentadorias gordas. E muito menos despesas para o governo e o contribuinte, ou seja, todos os brasileiros, que atualmente têm que arcar com a aposentadoria de todas esssas categorias de profissionais.

Mas nem sempre dá para contar com o apoio do governo, que é quem controla o fundo dos professores canadenses. Recentemente, na Argentina, durante a crise financeira, o governo federal meteu a mão em planos privados, para fazer caixa. É espantoso e animador ver que fundos como a PREVI, PETROS (Petrobrás) e FUNCEF (Caixa Econômica) venham durando tanto no Brasil, mesmo passando por tantos solavancos finaceiros e reviravoltas políticas.

Uma coisa é certa, o caminho da poupança, do desenvolvimento, da segurança e do bem-estar das famílias, no mundo todo, passa pelos fundos privados de pensão.





5.12.11

Dos sentidos

Acho que estou dentro de uma festa em que cheguei atrasado. Mas não foi atraso de minutos e horas. Foram anos. Uma festa da qual perdi os melhores momentos. Ou não. Eu me recuso a aceitar. Procuro pensar que foi uma festa para a qual eu não tinha sido convidado, mas que, na última hora, os convites apareceram. Agradecendo à sorte, entrei com os portões quase fechando, o melhor show havia terminado, ainda achei música e bebida, mas gente menos animada. É uma festa na qual terei que ficar até o final, para ajudar a empilhar mesas e cadeiras e varrer o pátio. Mas haverá sol e piscina no dia seguinte, com tudo incluído: comida, bebida e uma bela vista do mar do Caribe.

2.12.11

Quase Natal

Eu me sinto mais adaptado à vida canadense quando ando de bicicleta pela cidade no outono quase inverno, em temperaturas quase negativas, com o vento batendo no rosto semi-coberto, aumentando o frio, com sensação térmica de estar abaixo do zero. É uma sensação de poder, que quer me dizer que o frio não é impedimento para os esportes ao ar livre, que não há a tristeza do confinamento em ambientes aquecidos durante meses, que o inverno pode ser mais curto do que sempre ameaça. O calor do movimento do corpo provoca suor e estimula o bem-estar.

Rodando pela cidade, vejo as pessoas circulando pelo centro comercial, Yonge Street, turistas e nativos, impossível adivinhar, andando sob pesados casacos, monotonamente de cor preta, salvo a madame da Bloor Street, logo ali perto, entrando e saindo de lojas finas, em seu glamouroso casaco de peles, que mais imitava um pássaro ancestral, de penas brancas com reflexos de negro nas pontas. Estão todos alegres, quase confiantes, ricos e pobres, cafonas e modernos, pelas luzes das festas de fim de ano e pelos primeiros reflexos da neve.

29.11.11

As atualizações constantes

As redes sociais da internet me trazem frequentes alegrias. Poderia citar vários exemplos dos motivos. Acho fantástico poder saber das novidades de quem está longe. Para quem mora distante da terra natal, como no meu caso, é muito bom receber atualizaçoes de pessoas conhecidas. Tenho a impressão de que tenho mais interação com alguns amigos brasileiros do que quando morava no país.

Os familiares, amigos ou conhecidos que fazem algum tipo de trabalho criativo mostram as suas novidades. Além das viagens, as fotos e vídeos mostram criações culinárias, projetos arquitetônicos, peças publicitárias, cultivos de flores, pinturas, esculturas. Os textos estão nos blogs, acessíveis por links. As opiniões e discussões estão nos comentários. As festas são combinadas nos eventos.

O bom é que, ao encontrar ao vivo, quase sempre em rápidos momentos, há um sentimento de atualização, como se estivéssemos conversando em vários momentos durante o tempo que passou. Tive essa impressão da última vez que fui ao Brasil, ao reencontrar algumas pessoas.

Também há muitos ativismos e movimentações políticas, que são divulgados facilmente. Ecologia, causas étnicas, sexualidade e temas sociais entram nos assuntos do dia, dentro de casa, sem a necessidade de um apresentador de telejornal. As podridões e corrupções estao expostas como nunca, facilitando a vigilância e a cobrança de medidas. Algo que traz um sentimento de que poderá haver mais controle e que a direção correta e justa do país será mantida. Ou estou sendo ingênuo?

25.11.11

Canadá francês-inglês

Chegando do French-English Language Exchange e sempre contente com o que viu ou com o que reencontrou. Brasileiros habitués dos encontros Toronto Babel, que não falam nada de francês e vão só pela farra. Canadenses anglófonos de várias feições (brancos, olhos puxados, negros) que não falam quase nada do francês que aprenderam na escola, mas persistem. Uma polonesa que conheço do French Meetup, que está há menos de três meses em Toronto e que fala um francês lindo, morou na França. Um francês que morou em Vancouver e acha Toronto mais multicultural, onde ele pode conversar na sua língua materna. Uma peruana muito bonita, de feições orientais, avós chineses, que chegou no Canadá aos dez anos de idade, tem uma irmã que nasceu no Brasil, e se comunica em inglês, espanhol, francês e arranha no português. Uma canadense de Alberta fala espanhol sem sotaque, aprendido em escola bilíngue, mas que capenga no francês. Que mais? Franceses negros, brancos e de origem árabe. A organizadora do evento, sempre simpática, estudante de doutorado em linguística, mas que parece mais contente em organizar eses eventos de intercâmbio linguístico. A galeria de personagens é grande. Da seção "coisas que adoro no Canadá".

22.11.11

Mudança de hábito

A chegada do outono, além das baixas temperaturas, da monotonia do cinza no céu e da menor quantidade de luz durante o dia, ainda diminui a chance de andar de bicicleta ao ar livre. Uma merda. Ou eu achava que era assim. Eu via aquelas pessoas meio estranhas, parecendo corajosas, circulando pela cidade, agasalhadas ao extremo em cima de uma bicicleta, parecendo lunáticos, usando luvas, casacos, cachecol, toucas ou protetores de pescoço. E o capacete, que nunca pode faltar. Eu achava algo diferente, coisa de canadense.

Eu achava que era impossível para mim, que, apesar de adorar circular de bike, não tolero frio demais. Até que, conversando com um amigo brasileiro, que também é ciclista e que mora há mais tempo nesta geladeira, fui convencido do contrário. Ele me disse que roda de bicicleta o ano todo, até no inverno. Basta estar bem protegido.

Então eu tomei coragem e resolvi encarar o frio sobre duas rodas e com vento na cara. Foi muito menos difícil do que eu pensava. Me senti muito confortável, sem sentir calor, andando de bicicleta pela cidade, em temperaturas que se aproximam do zero e com sensaçao térmica chegando aos graus negativos, por causa do vento.

Para pedalar com conforto, é muito importante usar luvas. As mãos vão na frente, no guidom, e recebem todo o frio. Precisam estar protegidas. As orelhas também. Uma touca de lã por baixo do capacete, não precisa nem ser muito grossa, resolve bem. Depois de alguns minutos pedalando, chega-se a suar por baixo de tanta proteção.

Se a gente pensar que o ski, que nunca fiz, é praticado em temperaturas bem mais baixas, em cima do gelo e com um vento bem mais intenso, andar de bicicleta no outono ou mesmo no inverno da cidade é fácil, fácil. Acredite.

Agora, com muita neve fica difícil. Em Montréal era cena comum bicicletas estacionadas nas ruas durante todo o inverno, sob uma grossa canada de gelo. Como aqui tem Toronto tem menos neve e a coleta parece ser mais efetiva, acho que vai dar para rodar, pelo menos nos dias menos frios. Vamos ver.

20.11.11

29 Ways to Stay Creative

‎1. Faça listas 2. Carregue um caderno para todos os lugares 3. Tente escrever livremente 4. Saia do computador 5.Pare de se reprimir 6. Dê pausas a você 7.Cante no chuveiro 8. Tome café 9. Ouça novas músicas 10. Seja/esteja aberto 11. Fique rodeado de pessoas criativas 12. Obtenha feedback 13. Colabore 14. Nao desista 15. Pratique 16. Permita-se errar 17. Vá a algum lugar novo 18. Conte os seus pontos fortes (bençãos) 19. Descanse bastante 20. Arrisque 21. Quebre regras 22. Não forçe 23. Leia uma página de dicionário 24. Crie um espaço de trabalho (estrutura, moldura) 25. Pare de tentar ser alguém perfeito 26. Teve uma idéia? Escreva 27. Limpe o seu espaço de trabalho 28. Divirta-se 29. Termine algo.

19.11.11

A terra entre as raízes

Termino dois dos melhores livros que já li: The Story of the Night, do irlandês Colm Toíbín, e Mi País Inventado, da chilena Isabel Allende. Nos dois casos, aconteceu algo que raramente faço. Volto a reler algumas partes, pelas quais passei muito rápido, na ânsia pelo desfecho.

Ambos são uma lição de que, para fazer um bom livro, não é preciso vocabulário complicado. O irlandês é reconhecido internacionalmente, recebeu vários prêmios. Escreve em um inglês leve, emotivo e cativante. E não me obriga a ir toda hora ao dicionário. Já Allende é a autora do famoso Casa dos Espíritos e de vários outros títulos que venderam milhões.

Mr. Toíbín me deixou com vontade de conhecer a Irlanda desde quando li outro livro dele, The Empty Family. Mesmo que o retrato traçado por ele do país não seja tão bonito assim.  

Mi País Inventado, por sua vez, é um livro que gostaria de ter lido no final da adolescência ou início da fase adulta. Talvez tivesse tomado decisões mais rápidas sobre alguns caminhos a tomar. Ou, melhor, não. Talvez o melhor momento tenha sido agora, quando vivo na condição de imigrante. De qualquer modo, ler o livro naquela época seria impossível, pois ele foi publicado em 2003.

Por coincidência, os dois têm um largo foco nas ditaduras latino-americanas. The Story of the Night, na Argentina, enquanto Mi País Inventado, no Chile.

Isabel Allende faz uma espécie de autobiografia poética, colocando o Chile como pano de fundo. Ela descreve com leveza e humor as relações familiares, o gosto pela escrita, as caracteristicas do povo chileno, as reviravoltas da vida política no Chile, a condição de exilada na Venezuela, por causa da ditadura, e depois como imigrante nos Estados Unidos, após o casamento com um americano.

Impossível para mim não ter identificação com obra e vida de Allende. O gosto pela escrita, a nostalgia do país de origem, o olhar para a terra natal a partir de um local distante, como se fosse um estrangeiro. Talvez tenha sido melhor mesmo ter lido Allende já morando em outro país. Se não estaria sonhando em ser um exilado político para sair do Brasil.

Ela, filha de diplomatas, teve essa oportunidade desde cedo. Já eu lutei por isso. Quando eu era adolescente, via com olhos de desejo aqueles privilegiados que conseguiam sair do país, via turismo ou estudos. Meus primeiros salários foram economizados para uma viagem ao exterior para estudar inglês. A língua inglesa sempre me atraiu, mas o estudo foi mais desculpa para uma longa viagem. Na volta, fiquei bastante entristecido, pois as minhas condições profissionais (e financeiras) haviam mudado e ficou difícil empreender uma outra aventura como aquela.


Os anos se passaram, outras pessoas chegaram e saíram da minha vida. Um amigo foi morar no Canadá e a minha vontade de viajar aumentou e persistiu. Mas, por que mudar, se existia o conforto de morar bem, carro, amigos, emprego estável? Vontade de jogar tudo para cima e recomeçar a vida. Aventura. Aprender outras línguas. Conhecer novas pessoas. Histórias para contar.

Considero um privilégio poder mudar de vida quase aos quarenta anos. Recomeçar tudo: nova língua, estudos, trabalho. Grandes desafios. Mas, como Isabel Allende anota no livro, o século XX foi marcado por migrações e exílios nunca vistos. E, pelo jeito, as coisas continuam fortes até hoje. Faço parte de um fluxo, não estou só.

Até um passado recente, o Brasil sempre esteve isolado, como se fosse uma ilha-continente na América do Sul. Havia poucos intercâmbios com os países vizinhos. Raras pessoas viajavam à Colômbia e Venezuela, por exemplo. Quando eu era adolescente, eu tinha impressão de que tudo que falava e lembrava o espanhol da América do Sul parecia extremamente cafona. Antiquado, perdido no tempo. Um pouco dessa atmosfera ainda não se perdeu, eu pude notar em Montevidéo, no Uruguai, quando estive lá há uns seis anos. A minha impressão na adolescência não era totalmente errada.

Mais tarde, durante a minha época de universidade, Peru e Bolívia me pareciam destinos de aventureiros, alternativos e hippies tardios. Hoje, Chile e Argentina fazem parte de pacotes turísticos da classe média brasileira. O intercâmbio cultural é bem maior. Aprende-se espanhol nas escolas do Brasil e é um idioma que cresce em importância no mundo.

Então ler as imagens poéticas de Allende me traz conforto. Como se me fizesse lembrar da emotividade latina. Ajuda a saber que estar distante das origens não é perder as suas caracteristicas. É como transportar uma árvore de um local para outro. Aquela terrinha que permanece entre as raizes é o que se leva e o que permite à árvore se readaptar. Essa terra está contida nas lembranças e na imaginação.

17.11.11

O sorriso de boca fechada.

Brasil e Canadá têm inúmeras diferenças, todo mudo sabe: clima, línguas, colonização, etc, etc, etc. Ainda assim, são concorrentes em vários domínios econômicos: indústria de aviões, produção de petróleo, minerais, carne, produtos agrícolas. Mas, quando se trata de comunicação interpessoal, brasileiros e canadenses são quase opostos.

O brasileiro é muito falador, não dá para negar. Adora conversar, trocar idéias, opinar sobre o que sabe e o que não sabe. Ama fazer piadinhas, brincadeirinhas, quase sempre em uma tentativa de ser simpático. Ou como se não suportasse intervalos de silêncio nos diálogos. Algumas vezes exagera e cai na ironia e no "veneninho". O que era para ser uma gentileza, acaba sendo uma forma de humor mordaz e depreciativo.

A comunicação não fica só na conversa ao vivo. Em um exemplo bem atual, os brasileiros eram os mais presentes no Orkut. No Twitter, o Brasil consegue emplacar com frequência temas nacionais - às vezes bastante idiotas, como "Volte para cá, Justin Bieber" ou "Cala boca Galvao" - nos trending topics, os temas mais comentados mundialmente.

Já vi comentários de franceses no Twitter, com clara inveja, falando que "novamente, os brasileiros conseguem colocar os seus assuntos nos trending topics". E não existe a ajuda de portugueses, angolanos e moçambicanos, para ficar entre as nações mais populosas que falam português. Praticamente são só brasileiros soltando piados (twitters) na internet sobre temas nacionais. Para temas em inglês existem americanos, canadenses, australianos, ingleses e o escambau fazendo comentários sobre as celebridades, quase sempre americanas.

Quando eu morava no Brasil, achava que às vezes as pessoas falavam demais, até mesmo durante o trabalho. E que tinham dificuldade para parar e escutar. Muitas vezes, as frases não são ditas até o final, pois são cortadas pelo comentário da outra pessoa, que acha a sua posiçao mais interessante ou mais correta. O problema é quando todos pensam assim. Às vezes falam dois ao mesmo tempo em um pequeno grupo. Claro, os seus exemplos pessoais são a prova concreta da suas opiniões e generalizações. "Todo francês é metido. Minha prima é casada com um que é muito chato!"

Além disso, muitos brasileiros não tem a menor dificuldade para falar dos seus problemas pessoais na frente de estranhos. Claro, quer tema mais interessante do que este? Tipo assim, a caixa do supermercado em Salvador, conversando com alguém conhecido na fila, contando que só sairia às 10 da noite do trabalho e ainda teria que cozinhar e lavar roupa ao chegar em casa. Isso eu já vi.

Já o canadense tem um comportamento diferente. Os diálogos são bastante econômicos. Em algumas situações como ao entrar em um elevador, um "bom dia" ou "good morning" seria bem-vindo, mas nem isso acontece. O canadense tenta compensar com gentilezas ao abrir e segurar a porta do elevador, para que você possa entrar, principalmente se você estiver de mãos carregadas. E, em vez fazer algum comentário gentil, dará um sorriso de boca fechada. Como assim? Com os lábios arqueando para cima, como se escondesse os dentes.


O canadense parece que já nasceu politicamente correto, sem a fleuma dos ingleses e sem a impaciência, disfarçada de pragmatismo, dos americanos. Então nada de fazer piadinhas ou gozações, tão queridas aos brasileiros engraçadinhos. Se as pessoas não têm proximidade, não existe o tom de brincadeira ou ironia nas falas, tudo é levado ao pé da letra. Não poderia ser de outra forma, para acolher tantos imigrantes, de tantas culturas tão distintas. As coisas têm que ser ditas de modo direto, senão correm o risco de não serem entendidas.

No ambiente de trabalho, as diferenças na comunicação ficam bem claras. No Canadá há um silêncio nos escritórios que seria impossível no Brasil, com todo o blá-blá-blá durante o cafezinho. O silência reina e pode ser entediante. Já vi brasileiro reclamando do tédio no trabalho.

Mas tudo tem uma contrapartida e, se a rádio corredor parecia excessiva entre os brasileiros, ela faz falta por aqui. Às vezes, percebo que há pouca comunicaçao nas empresas. Temas simples, bobagens, muitas vezes são tratados a portas fechadas, como se fossem secretos e de extrema importância. Os canadenses tentam compensar a falta de informação com boa sinalização e instruções escritas de forma clara. Para tudo tem ordem impressa, nos quadros de aviso ou nas portas.

Lá na piscina do clube existe instrução até de como fazer ultrapassagem na raia, caso a pessoa na sua frente estiver nadando em uma velocidade menor do que a sua. E olhe que cada raia tem sua própria velocidade (alta, média ou baixa). Algo assim: "Toque o pé da pessoa à sua frente e espere ela reduzir o ritmo, só entao ultrapassse".

14.11.11

Do tempo da sala de aula

Eu tenho sonhado com pessoas que fizeram parte do meu passado. Pessoas que fizeram parte da minha história, mas que não foram muito próximas de mim. Colegas de escola e colegas de Faculdade. Pessoas com quem conversava de vez em quando, mas que não posso dizer que fossem meus amigos. Gente que até já morreu. O que será que isso significa? Nostalgia do passado, provavelmente. Mas por que sonhar com pessoas com as quais não tinha muito vínculo? Não haveria gente mais interessante e atualizada para pensar?  É como se o subconsciente me disesse: "Veja só, essa pessoa existiu, você conheceu, o que será que ela anda fazendo no mundo, como estará?"

Existem pessoas com as quais simpatizei, que me davam a impressao que poderiam ser mais próximas, mas que a amizade nunca ocorreu. Sei listar várias pessoas assim. Talvez um estilo de vida diferente, ou mesmo, no fundo, nem tanta afinidade assim, tenha sido o motivo da falta de aproximação. Vá entender.

Keith Haring
Um fato curioso na minha história de estudos é que nunca as minhas turmas escolares e universitárias foram muito unidas. Vejo conhecidos organizando eventos de reencontro de seus grupos: churrascos, passeios, até viagens. Na minha turma de escola em Ilhéus as pessoas eram distantes e eu percebia muita concorrência. Primeiro, por causa do vestibular e pelas vagas em universidades. Depois profissionalmente. Muita comparação entre sucessos e aquisições. De chegar a ponto de piada, com impressão de que alguns comparam entre si a lista de bens da declaração de imposto de renda. Eu achava que só eu notava isso, até que uma antiga colega também comentou comigo, em tom de chacota, que percebia a mesma coisa. O resultado é que um grande reencontro teria pouca possibilidade de sucesso. Dá para imaginar o papo.

Já na minha primeira Faculdade, o clima bélico era bem mais visível. Existiam duas turmas simplesmente inimigas, de chegar às vias de fatos, às agressões físicas. Havia uma diferença de classe social, talvez. Ou mesmo de cor, na  velha afro-Salvador. Os provenientes de classe média alta, apelidados de "branquinhos" pelo grupo oponente. Esses eram mais boas-vidas, mais vivedores, mais despreocupados com o futuro. Do outro lado, uma turma mais esforçada, mais preocupada, mais "moreninha", digamos assim, e sem tanto apoio familiar. Eu me sentia alheio a tudo, nem de um lado, nem de outro.

Na minha segunda Faculdade, a minha interação com os colegas foi menor. Eu trabalhava e quase não tinha tempo livre para interagir. E não era sem inveja que eu via os colegas, em tempo de aula vaga ou de greve, indo para algum boteco enquanto eu ia para o trabalho.  Mesmo com o tempo restrito, guardei bons amigos, com os quais ainda mantenho contato.


Tenho um primo, hoje médico, proveniente também da minha cidade, que terminou a escola há mais de três décadas. E que se reúne com a sua turma quase todos os anos. Hoje na faixa dos 50 anos, os colegas ainda organizam jantares de reencontro e acho que ainda vão continuar organizando. Mas penso que é uma exceção.

Talvez as características da minha geração, a tal da X, a tornem mesmo uma incógnita. Cheia de yuppies com seus desejos e lutas sem fim por sucesso e riqueza, o que termina por afastar as pessoas. O que é uma pena.



11.11.11

De graça, para você

Imagine um estabelecimento com os produtos dispostos em estantes. Eles têm diversas cores e estampas bem convidativas.  Você vai passeando, procurando o que quer, manuseando, experimentando algumas partes. Os formatos são semelhantes. Os produtos vêm de diversas regiões do mundo, conheceram os mais diferentes cenários, se poderia dizer que falam diferentes línguas. Os produtos estão ali, à sua disposiçao, ao alcance da sua mão, para que você possa levar para casa e aproveitá-los durante algum tempo. Gratuitamente. Depois disso, se você pedir com interesse e vontade, os produtos podem ficam mais alguns dias com você. Depois eles voltam para o local de onde vieram, para que, em tempos de  consciência ecológica, possam ser reaproveitados por outras pessoas, indefinidamente. Falo dos livros e do sistema de bibliotecas públicas do Canadá.

É realmente um sistema que funciona. Pelo site, é possível fazer a consulta do que interessa. E saber se estão na estante ou emprestados, quando serão retornados. Pesquisa-se por autor, por título, por tema, por local, por língua, por tipo de publicação.

Há uma grande biblioteca central, que fica no coração de Toronto. Há várias outras nos bairros, que procuram se adequar ao local onde estão instaladas. Em região onde a comunidade chinesa é muito presente, provavelmente haverá uma grande seção de livros em mandarim ou cantonês. Na biblioteca do bairro português há a presença de muitos autores brasileiros, portugueses e outros lusófonos. Em alguns casos, os livros em francês, uma das línguas oficiais do Canadá, estão em menor quantidade do que livros estrangeiros. 

Na biblioteca St-James, a mais próxima de minha casa, depois das publicações em inglês, a maior quantidade é de livros em mandarim e tâmil (a língua do Sri Lanka). A seguir em russo, tagalog (a língua das Filipinas) e espanhol. Já vi que há alguns da chilena Isabel Allende, trouxe Mi País Inventado para casa . A quantidade é menor em francês, coreano e urdu (do Paquistao e partes da India).

Há terminais de pesquisa na internet, sala de estudos, jornais e revistas. Há também muitos CDs, DVDs, AudioBooks e E-books, que você pode baixar direto no seu computador, sem precisar nem mesmo ir na biblioteca. E, o melhor, você tem acesso a tudo isso, sem gastar nada.

6.11.11

Gramática

Olhe Repare Pense Peça Faça Diga Ouça Pegue Espere Aguarde Reflita Aja Produza Reaja Conduza Reflita Sorria Tenha Avance Trabalhe Descanse Reze Leia Releia Escreva Descreva Relaxe Endureça Recuse Afirme Confirme Assista Desista Persista.

Na terceira pessoa do singular do imperativo afirmativo. Concordando com... VOCÊ!

Pensando

"Não existe outro modo. Sem enganar, sem humilhar, sem atrasar o lado do outro.
Pra que mesmo sacanear com o Outro que pode fazer você crescer e crescer com você?"

Do Facebook de AF.

4.11.11

De novela

"Odorico - Povo sucupirano! Agoramente já investido no cargo de prefeito, aqui estou para receber a confirmação, ratificação, a autenticação e por que não dizer a sagração do povo que me elegeu."

Dias Gomes, O bem-amado, Ed. Ediouro
O trechinho do livro de Dias Gomes me fez voltar no tempo. Uma vez, em uma cidade do interior da Bahia, durante uma simples cerimônia de inauguração, presenciei uma figura pública discursar em uma linguagem bem parecida com a do prefeito criado por Dias Gomes. Como se não bastasse, empolgado pelos aplausos, ele começou a declamar uma poesia (de sua própria autoria, claro) que tinha um vocabulário tão rebuscado e pomposo, ainda ampliado pelo gestual dramático. Virou uma caricatura fora de hora e de local, levando aos risos abafados de boa parte da platéia. Virou comédia. Algumas pessoas públicas parecem sofrer da síndrome de Odorico Paraguaçu.

27.10.11

Amor sob repressão

Continuando a série "De volta ao cinema", fui ver o filme "Circumstance". Com legendas em inglês, no cinema Carlton.

O cinema Carlton passou recentemente por uma reforma, é um dos mais antigos de Toronto e, por mais de uma vez, esteve ameaçado de sumir, por causa da especulação imobiliária na cidade. O Carlton fica em região central e muito valorizada. As nove salas são pequenas mas as poltronas sao confortáveis. É um dos poucos endereços em que é possível ver filmes europeus em Toronto. O Carlton também exibe pequenas mostras de filmes estrangeiros.

Ao chegar no Canadá, fiquei surpreso com o pouco acesso aos filmes fora do circuito norte-americano. Em Salvador eu via com frequência filmes europeus, iranianos, chineses, coreanos, taiwaneses, japoneses. Em Montréal os filmes europeus estão mais presentes, principalmente os franceses, embora não nas grandes redes "plex". Em Toronto é preciso vasculhar ainda com mais calma para achá-los. E, entre os poucos locais que os exibem, estão as salas do cinema Carton.



O filme Circumstance é dirigido por uma americana-iraniana, rodado no Líbano, com recursos do Sundance Festival. Dinheiro americano, portanto. Duas adolescentes vivem uma paixão quente enquanto seguem a vida de baladas e conflitos familiares em Teerã. O filme tem cenas lindas, as duas garotas são de uma beleza inacreditável.

O Irã, como sempre, nos traz mais incógnitas do que respostas. Como uma população tao culta, tão avançada, independente, se deixou dominar, até hoje, por uma ditadura tão autoritária? Talvez o caráter teimoso do Irã esteja refletido no enfrentamento ao poder ocidental.

Os iranianos são libertários, são progressistas. As mulheres iranianas não usam o véu quando saem do país. Os seus maridos não exigem isso. As mulheres muçulmanas que só deixam os olhos à mostra, mesmo morando em países ocidentais, vêm de alguns países do Oriente Médio ou da África.

Durante todo o tempo que via o filme, eu ficava me lembrando dos meus amigos iranianos de Montréal. Sempre muito simpáticos, gentis, atenciosos, educados. Praticamente todos engenheiros, recrutados pelo governo do Québec, assim como eu. Para fazer a entrevista de imigração eles precisam sair do país. E o governo iraniano dificulta a aquisição dos documentos. Eu ficava comparando os traços físicos dos atores com os meus amigos. Muitos realmente se pareciam.

A influência americana é percebida no culto à música, shows e filmes vistos, normalmente às escondidas, sob forma de arquivos digitais e DVDs pirateados. Fiquei pensando na verba americana usada provavelmente para divulgar seus produtos culturais e conquistar a juventude de um país sob repressão.

Circumstance gerou controvésias, como seria esperado. Algumas críticas acusam o filme de ser pouco convincente, inclusive pelo sotaque das atrizes, que são de origem iraniana, mas criadas nos Estados Unidos. De outro modo a produção seria impossível, uma vez que o sexo é um dos maiores tabus do Irã e as relações homossexuais são punidas com morte. Mas, além da beleza plástica e do tema controverso, o filme é muito interessante por mostrar o estilo de vida underground de Teerã, nada muito diferente do mundo ocidental: festas, música eletrônica, sexo e drogas.

15.10.11

Um dia eu gostei de cinema

Descobri o cinema de autor na época de estudante universitário em Salvador. Eu tinha um amigo que era uns dois anos mais jovem, ainda estava na escola, mas já tinha o paladar cinematográfico apurado. Ele conhecia nomes que eu nunca tinha tinha ouvido falar: Fellini, Bergman, Antonioni, Kurosawa, Godard. Aos poucos os nomes começaram a ficar familiares e eu também fui aprendendo a gostar das obras cinematográficas de cada um deles. Era uma nova linguagem que se abria à minha frente. Em geral filmes de ritmo lento, diferentes das grandes produçoes americanas, e que me causaram inicialmente um certo estranhamento, mas que aprendi a apreciar.

La Dolce Vita de Fellini
Nessa época havia um cine-teatro no bairro do Rio Vermelho, em Salvador, no Largo da Mariquita (adoro esse nome). Era o Maria Betânia, que depois fechou e virou bingo. Hoje, se nao me engano, tem um restaurante no lugar. O Maria Betânia exibia clássicos do cinema. Além dos diretores que já faziam parte da minha lista de "já vi" ou de "ouvi falar", conheci outros novos, principalmente franceses.


O cine-teatro Maria Betânia tinha um bar-café ao lado, onde os amigos se reuniam, depois do filme, para conversar sobre o que tinham visto, discutir temas profundos ou falar bobagens. Em geral, a gente ia aos domingos à noite. E ficava lá, proseando, bebendo, tentando esquecer o início de uma nova semana de trabalhos e estudos. Em um esforço inútil de empurrar a segunda-feira para longe.

Havia também ( acho que ainda há), uma pequena sala na Biblioteca Central de Salvador, a Sala Walter da Silveira, que eventualmente exibia algum clássico ou festival de cinema. Foi lá que vi Os amantes de Pont Neuf, Império dos Sentidos, A  Mulher do Atirador de Facas, o Festival Mix Brasil, entre tantos outros.


Saí de Salvador por quase 5 anos e a minha frequência ao cinema ficou limitada ao período de férias, em Sao Paulo, lá mesmo em Salvador ou outra capital. 

Para poder assistir a um filme, eu preciso da concentraçao em uma sala escura. Preciso do tempo de me organizar, de sair de casa, de desligar a internet, o telefone e me dedicar totalmente à projeçao. O filme tem que ser o evento de sair de casa. Ou do trabalho. Ou da escola. Pode ser o início da noite. Pode ser a continuaçao do café. Por isso o DVD caseiro nao funciona para mim. Eu simplesmente nao consigo ficar parado dentro de casa e me concentrar para ver um filme. 

Nisso eu sou muito diferente do que o meu pai era. Grande apreciador da sétima arte, acostumado a ir com frequência ao cinema na juventude, ele teve uma grande alegria ao adquirir um aparelho de video-cassete, dos primeiros modelos produzidos no Brasil, e poder ver um monte de filmes em casa. E ele via mesmo. Virava noites lhes assistindo. Chegava a alugar uns 10 filmes para ver durante o final de semana. Era uma época em que os cinemas nas pequenas cidades foram fechados e nao restava outra opçao que ver os filmes em casa.


Pois bem, quando voltei para Salvador, uns cinco anos depois, tive a boa surpresa de ver algums amigos envolvidos na administraçao de um cinema. Que nao era só um cinema. Também era café e galeria de arte. Quanta coisa vi ali. Almodovar, Woody Allen, diretores chineses, franceses, iranianos, argentinos, do mundo todo. Uma época de cinema globalizado estava se abrindo em frente aos meus olhos. O filme era o início da noitada. Começava com um café, depois a exibiçao, a seguir o bate-papo com os amigos em algum barzinho e talvez até alguma festa mais tarde.
 
Gabbeh, do iraniano Mohsen Makhmalbaf
Voltei a estudar e entrei na Faculdade de Comunicaçao. A minha curiosidade, senso analítico e o meu repertório de cinema aumentaram. Também aprendi a admirar pessoas que, além de apreciar em profundidade, possuem um conhecimento bem extenso sobre a arte cinematográfica. Era fascinante ver aquela de aula sala cheia de jovens (eu um pouco mais velho), normalmente inquietos, recém-saídos da adolescência, completamente calados, totalmente absorvidos pelas sequências lentas de um filme iraniano, saídas de uma televisao e de um velho video-cassete.

Após terminar a Faculdade, passei a frequentar as sessoes de pré-estréia para os jornalistas, que aconteciam normalmente às segundas-feiras à noite. Oba! O prazer do final de semana se extendia por mais um dia.

Hoje eu ando um pouco distante do cinema. Como disse antes, nao tenho muita calma para ver os filmes em casa. Entao, quando vou ao cinema, me deparo com uma nova realidade. Os filmes sem legenda.

Em Montréal, filmes franceses ou americanos dublados em francês. Em Toronto, os filmes originais em inglês. Que dificuldade, para quem, além de ter deficiência auditiva, ainda passou toda a vida lendo legendas. E, ainda por cima, ingressos caros. Que saudade dos convites "custo-zero" para jornalistas.

Talvez eu tenha ficado muito exigente comigo. E, por ainda nao compreender tudo que é falado, sobra uma ponta de angústica por perder alguma informaçao importante, por nao conseguir sentir totalmente, fruir, opinar, discutir. Acho que preciso voltar a apreciar sem nenhuma exigência, apenas sentindo. Ou, por enquanto, assistir a filmes estrangeiros, falados em outra língua. Com legenda em inglês.



28.9.11

Os santos gêmeos

As lembranças sao intimamente ligadas aos sentidos: aromas, sabores, imagens, sons, sensaçoes táteis. Talvez as recordaçoes que restem mais intensas sao ligadas a comida. Cozinhar, ou mesmo ofertar alimentos para outras pessoas, é um ato de bondade e generosidade. A mae passa amor e proteçao aos filhos quando oferece o que comer. E essa impressao parece ficar registrada no cérebro indefinidamente. Quem oferece um banquete, além de ampliaçao de relaçoes diplomáticas e celebraçao do prazer de festejar, está abrindo as portas da casa e também da alma.

A cozinha da Bahia e os seus pratos dourados pelo dendê vao além do simples prazer. A maior parte das receitas tem origem nas oferendas aos deuses do candomblé. Cada orixá tem as suas preferências e cabe aos devotos agradar da melhor maneira possível. O sincretismo religioso expandiu a cultura do paladar. As promessas feitas aos santos católicos sao pagas com comidas aos seus respectivos orixás, os deuses das religioes que vieram da Àfrica.

Sao Cosme e Sao Damiao
O caruru completo dedicado a Sao Cosme e Sao Damiao vira um banquete: vatapá, caruru, xinxim de galinha, arroz branco, farofa de dendê, feijao fradinho, cocadas, acarajé, abará. A lista é grande e pode aumentar, de acordo com o gosto e a disposiçao de quem o oferta. A culinária do dendê, apesar de restrita à Bahia, tem ares de prato típico nacional. Popular entre todas as camadas sociais da naçao baiana, é uma cozinha refinada e específica. Como um simples exemplo, um dos temperos utilizados é o camarao seco e defumado, transformado em pó.  

Apesar de  parecer ser uma cultura dominante, os pratos feitos com dendê nao sao unanimidade em toda a Bahia. Ao viajar para o interior do Estado, além do clima mais seco do sertao, a culinária também vai mudando e os hábitos alimentares ficam mais parecidos com o nordeste brasileiro: carnes, queijos e manteiga entram no cardápio.   

Na época de Sao Cosme e Sao Damiao online, fica mais difícil esquecer da data e da comida especial. Um vídeo de Maria Betânia cantando e declamando a bela oraçao dos santos gêmeos virou sucesso na internet e suas redes sociais. Baianos exilados prolongam as lamúrias da saudade de casa.

Mas tem gente que nao se rende e continua cozinhando para relembrar e celebrar suas origens, as pessoas queridas e os sabores inesquecíveis. Para felicidade geral da naçao baiana em Toronto, um amigo meu tem preparado - já é o segundo ano da tradiçao - um caruru completo para Sao Cosme e Sao Damiao. Com azeite de dendê e camaroes secos trazidos da Bahia, o que é mais incrível. Aos baianos juntam-se outros brasileiros que nunca haviam provados pratos de dendê. Até canadenses se rendem àqueles pratos amarelos.

Que alegria poder desfrutar,a tantos quilômetros de distância da terra natal, os sabores deliciosos, que trazem tantas lembranças, que acariciam o coraçao e que fortalecem as relaçoes sociais e de amizade.






17.9.11

Personagens de Toronto

Personagens da vida de Toronto. A garota nos seus 15 ou 16 anos chega na sala de musculaçao com a bola de basquete debaixo do braço. Coloca a bola em um canto da sala e começa a se exercitar, sem se importar com a maioria da populaçao masculina ao redor. Ela tem a pele morena-escura, veste bermudao, camiseta de malha, tênis. Um grande lenço cobre cabelos, orelhas e pescoço. Muçulmana.

Comentário:
Há algumas coisas que me chamam a atençao na "cena" da garota muçulmana na musculaçao. A integraçao aos hábitos da sociedade ocidental (os esportes e as roupas esportivas, neste caso) de uma provável segunda segunda geraçao de imigrantes. A manutençao do vínculo com a cultura original - o veu. Será que ela usa só porque o pai obriga? Será que só por ela, ela continuaria usando? Será que ela acha que praticar esportes sem o véu nao seria mais confortável? E, a maior contradiçao que acho, o véu e as roupas longas serveriam para "proteger" a mulher dos olhares e da atraçao masculina, essa é a grande finalidade entre os muçulmanos. Na cena da garota, o véu é mantido, mas as roupas sao encurtadas, algo necessário para a prática dos esportes.

14.9.11

Por aí

Vou caminhando, olhando para os vivos e conversando com os mortos. As pedras cinzentas surgem à frente, presas entre grades, como se as impedissem de voar. Tenho a impressao que vi tudo, que o filme se repete, que o novo acabou, que a roda gira e tem que girar. Que novas mordidas serao possiveis na maça universal. A paz, tao esperada, aos poucos se instala, entre desafios, angústias e alegria. Dentro do verde que ajuda a respirar, do verde que tranquiliza, do verde ao lado do cinza louco e das cores berrantes. Tudo será revivido, para o prazer ou para a insatisfaçao. É tempo de sentir as pontas perfurantes da angústia. É tempo de buscar a energia onde ela insiste em se mascarar. É tempo de simplicidade e dos poucos caprichos. É tempo de canalizar a alegria. É tempo de ousar e de recuar. É tempo de refletir, de rezar, de sonhar, de pedir, de olhar para dentro, de fazer planos. É tempo de resgatar e de querer. É tempo de descer as maos na terra e esperar para ver. É tempo de Júpiter em fim de ciclo astral.

10.9.11

The Couchsurfing Experience: da gafieira aos sinos

Couchsurfing, que literalmente significa "surfar no sofá", quer dizer conseguir hospedagem gratuita, para passar uma noite ou alguns dias, em qualquer canto da casa de alguma alma bondosa que abra as portas do seu lar doce lar. Seja para dormir em cama, sofá, colchão ou qualquer outro local com mínimo de conforto.

Essa idéia inicial, gerada a partir de um site internet (www.couchsurfing.org), ganhou o mundo e se tornou um sucesso. O site tem mais de 3 milhões de participantes.

Em um universo de pessoas cada vez mais egocêntricas e fechadas, que vivem focadas em seus computadores, seus interesses e suas redes sociais, é esperançoso ver que existe tanta gente generosa e de cabeça aberta, que abre as trancas e cadeados de suas casas aos viajantes desconhecidos, com o simples intuito de fazer o bem, conhecer pessoas, conversar e intensificar o intercâmbio cultural, seja nacional ou internacionalmente.

Se não quiser hospedar ou conseguir hospedagem, o participante do Couchsurfing pode se disponibilizar apenas para sair para tomar um café ou um drink com o visitante. E, a partir daí, trocar informações sobre a cultura local, ir mostrar a cidade, ou apenas conversar. Ainda que não haja impedimento para isso acontecer, a princípio o Couchsurfing não é um site de paquera.

Existem tambem os grupos das cidades e de temas específicos. Participar em um desses grupos é uma ótima fonte de informações do que está acontecendo. Eventos, descontos, convites, etc. As pessoas combinam as mais diversas programações. Intercambios linguisticos, pique-niques, festas, cafés. Visitantes convidam os nativos para tomar uma cerveja ou um café. Pedem indicações de bons restaurantes, atrações turísticas, bares e casas noturnas. Os moradores da cidade combinam entre si jantares e passeios e aproveitam para ciceronear os visitantes.

A minha aventura Couchsurfing comecou ainda no Brasil, em 2007. Eu me cadastrei no intuito de praticar francês e inglês, durante a minha estadia em Ilhéus, enquanto aguardava o visto canadense. Cheguei a fazer alguns contatos, mas não aconteceu de sair para café, drinque e mostrar a cidade para ninguém.

Chegando no Canadá, a participação tomou corpo. O norte-americano é tido como frio e distante, muito focado em suas ações, mas adora se reunir em grupos, em torno de um objetivo em comum, seja atividade filantrópica ou diversão. Então algum tipo de objetivo é necessário para que os encontros sociais se realizem e as pessoas se aproximem.

Existe um outro site, chamado Meet-up (www.meetup.com), que também é bastante utilizado para organizar reuniões. E, olhe, tem gente se reunindo para tudo, desde caminhar no parque até aprender japonês.

Em Montréal, a partir de um convite para um evento linguístico francês-português do CS, eu, outros brasileiros e mais um grupo de québécois interessados em português e na cultura brasileira, começamos a frequentar um bar e casa de shows chamada Les Bobards, onde aos domingos sempre rola música do Brasil para dançar. A gente ficava tomando cerveja, enrolando a língua, ensinando um pouco da sua linguagem nativa e aprimorando a estrangeira.

Conheci pessoas muito interessantes, com as quais mantenho contato até hoje. Depois da sessão de trocas linguísticas era a hora de música e dança. Havia um outro grupo que aprendia e praticava gafieira, ao som de música mecânica ou do grupo que se apresentava. E que nos dava dicas de como dançar o samba em dupla. Depois de praticar português e francês, era hora de mexer o esqueleto.

Em Montréal, tambem tomei muitos cafes servindo de pretexto para praticar frances e ensinar portugues.

Em Toronto, com menos tempo disponível, a minha participação no Couchsurfing ficou reservada ao Toronto Babel Language, um evento que ocorre semanalmente em um bar e onde as pessoas sao convidadas ao intercâmbio linguístico. Neste evento, um retrato do que é Toronto, é possível conhecer gente do mundo todo e praticar línguas inimagináveis. Até inglês.

No último final de semana participei de um jantar organizado por um participante do Couchsurfing. Ele preparou o jantar, cobrou uma taxa mínima e cada um levou sua bebida. O risotto de parmesão estava uma delícia. Conheci gente bem interessante. Da China, da França, da Tunísia. Até do Canadá! Depois fomos para a despedida de um rapaz italiano que, depois de alguns meses em Toronto e muitos eventos Couchsurfing, estava voltando para o seu país.

Um dos canadenses que estava no jantar faz um trabalho genial. É professor de música e toca carrilhao (o conjunto de sinos) em uma grande igreja de Toronto. Ele promove, gratuitamente, um passeio pela igreja onde trabalha e uma apresentação musical naquele que é um dos 11 carrilhoes do Canadá. Para ser considerado um carrilhao, sao necessários pelo menos 50 sinos.

Por dentro da Metropolitan United Church

Entao na mesma semana, fui ver o pequeno show e conhecer a igreja, que fica em um ponto bem central da cidade. Para conferir a apresentaçao musical as pessoas sobem um monte de degraus em uma escada estreita e em caracol. Em outra etapa, o grupo sobe mais escadas e chega até o teto da Igreja, de onde se tem uma bela vista de Toronto. Depois o grupo saiu para jantar em um restaurante bem canadense. Como sempre, nessas ocasioes, peço a especialidade da casa. Hambúrguer de carne Angus com batatas fritas e salada. Simples e bom.

Vista da outra capela, a partir do teto

Os sinos

O aparelho que faz os sinos soarem

Crédito da foto da dança: Dioni Pereira.

3.9.11

Mercúrio e Urano em sintonia

No dia em que eu me deparei com a internet, ou em que me dei conta do seu poder, eu dei graças a Deus por ter nascido nesta época, para poder presenciá-la e por ter acesso a ela. Para quem está na faixa dos trinta, vinte anos, ou menos, a internet faz parte da rotina desde a infância. É algo dado por certo. Para quem veio ao mundo antes disso, nao era bem assim.

Os discos americanos e europeus demoravam a chegar no Brasil e eram caros. As letras das músicas só existiam nos encartes que vinham com eles. Nos dias atuais, os sons, as imagens e textos estao à distância de um curto clique. Pelo You Tube acontece a mágica de poder ver os videos de músicas que fizeram parte da minha história, infância e adolescência, e que só agora consigo vê-los. Na época, os videoclips eram exibidos muito esporadicamente na tv. A chegada da MTV ajudou bastante, mas o que veio antes dela ficou praticamente esquecido. O You Tube resgatou tudo. O You Tube resgatou a memória auditiva e visual da humanidade.

Um fato marcante para mim do poder da internet, ainda com poucos recursos, foi quando viajei pela primeira vez para fora do Brasil, em 1997. Antes de viajar, acessei o site da charmosa cidade de Brighton (www.brighton.co.uk), no Reino Unido, onde iria estudar inglês. Assim tomei conhecimento das várias opçoes de lazer da cidade e do que me esperava por lá. Saí do Brasil com lista cheia de endereços e dicas.

Eu já tinha e-mail! Enquanto vários colegas europeus da escola nao sabiam do que isso se tratava.

Ao voltar, depois de aproveitar quarenta dias de viagem entre França e Inglaterra, uma grande alegria foi ouvir "You got to show me love", que estava bombando em Londres, tocando no aeroporto de Salvador. E olhe que ainda nao havia ainda MP3, mas o intervalo de tempo para chegada das novidades era bem mais curto do que na década anterior.

Com o auxílio da internet e da comunicacao que ela proporciona, a nova geraçao é bem mais preparada. E, acredito também, mais inteligente, pela exposiçao ao grande volume de informaçoes. A garotada aprende inglês jogando videogames e vendo vídeos no Youtube. Falar mais de uma língua, que em um passado distante era privilégio de intelectuais e acadêmicos, hoje é comum. As pessoas (ao menos os nao-anglófonos) que gostam de aprender, ou que mudam de país, falam duas, três ou quatro línguas diferentes. Quanto aos anglófonos, coitados, permanecem no seu berço esplêndido limitado e nao fazem muito esforço para aprender outras línguas. Para que? A música, o cinema, a internet, as redes sociais, a comunicaçao internacional, tudo isso nao é em inglês? Entao por quê gastar energia e tempo aprendendo outra língua? Coitados.

A internet nao cansa de surpreender. Quando se acha que nao há nada mais para acontecer, surgem compartilhamento de arquivos, programas de bate-papo, os blogs, os livros eletrônicos, culminando com as redes sociais. E muita coisa ainda vem, pode crer. O Facebook, mais que o Orkut, me reaproximou de bons amigos com os quais tinha pouco contato. E me permite, a milhares de léguas de distância, em outra roça, ter notícia do que acontece, participar e me comunicar com pessoas queridas.

Os astros me proporcionaram um aspecto harmônico de Mercúrio(a comunicaçao) em Gêmeos com Urano (a inovacao tecnológica) em Libra. Acho que por isso gosto tanto desse assunto.

29.8.11

Bichos urbanos

Para os turistas, especialmente os vindos de países de clima diferente, eles sao quase seres mágicos, saídos de algum desenho animado. A pelagem é bela, eles parecem dóceis. Principalmente quando querem um pedaco do seu lanche. Chegam a fazer cara de menor abandonado e carente, de maos unidas, como se implorassem a sua ajuda. Estao em praticamente todos os parques e arvores do Canadá, nas pequenas e grandes cidades. Estou falando dos esquilos.

Os esquilos de Montréal sao diferentes dos de Toronto. Os esquilos que falam francês sao mais peludos e de cor marrom em varias tonalidades. Os esquilos que falam inglês, pelo menos os do centro de Toronto, sao totalmente pretos. E bem mais ariscos. Assim como o homem-aranha, eles escalam prédios. A técnica é a seguinte: eles abrem as patas para aumentar a fixaçao no concreto e, com as garras afiadas, lá vao eles subindo as paredes parecendo aranhas, em uma velocidade impressionante.

Eu moro no decimo primeiro andar e de vez em quando ha um visitante dentuço e peludo na varanda. No princípio achei interessante, cheguei a espalhar uns amendoins para atrair os simpáticos invasores. Ate que vaso da mini-arvore, que fica junto da porta de vidro da varanda, começou a ter a terra toda revolvida.

Os esquilos passaram a achar que a minha mini-árvore é o seu habitat natural. Um dia um deles ainda me deixou um presente! Uma noz inteira em cima do sofá da sala. Primeiro achei que tinha sido o meu roomate (co-locatário) que havia esquecido a noz ali, mas ele negou de pés juntos. Ninguém nunca comprou uma noz inteira, com casca, desde que moro aqui nesta casa. Acho que o esquilo quis fazer uma gracinha como se fosse por aluguel do uso da mini-árvore. Engraçadinho.

O meu roomate, um dia vendo a tv, presenciou a explicaçao da terra revolvida. O esquilo sobe, apoia a noz na borda do vaso para tentar quebrá-la e em seguida devorar a amêndoa. Entao, desde que a finalidade da invasao foi descoberta, ou a porta de vidro ou a tela de proteçao sempre ficam fechadas, para impedir a entrada dos escaladores dentuços.

Hoje acordei e vi uma das minhas preciosas maças, salvaçao dos intervalos famintos de trabalho, que normalmente repousa no prato sobre a mesa da sala, toda roída no batente da varanda. A porta da varanda tinha ficado aberta durante a noite! Putz. O esquilo ainda deixou metade da casca de um amendoim e a terra do meu caqueiro revolvida e espalhada pelo chao ao redor. A mini-árvore, da qual orgulhosamente reconheci exemplares completos e adultos em ruas de Salvador, pelo menos continua intacta.

Uma professora de francês em Montréal, Mme. Laframboise, contou uma vez na sala que um esquilo a deixou em uma situacao, digamos, engraçada. Para nao dizer vexatória. A sua vizinha plantava cuidadosamente vários bulbos de papoula no jardim, esperando com ansiedade a primavera seguinte e o espetáculo das cores. Um esquilo vinha, cavava, retirava o bulbo e enterrava em outro local. Onde? No jardim da minha professora, que viu o seu jardim florescer sem nenhum trabalho. Difícil foi explicar para a vizinha que havia sido o esquilo-jardineiro o autor do projeto de paisagismo.

22.8.11

A bicicleta e a carroça

O movimento de incentivo ao uso de bicicleta nas grandes cidades me traz um gosto de passado. Passado porque é um retorno à época em que o automóvel não existia ou era algo a que a população ainda não tinha acesso. Quem poderia imaginar que após décadas sonhando em ter um veículo motorizado, as pessoas voltariam a desejar poder passear ou se locomover de bicicleta pelas ruas da cidade?

Os benefícios todo mundo já sabe, e os governos, pelo menos os mais esclarecidos, têm incentivado e criado condições, leia-se ciclovias, "bike lanes" ou "pistes ciclables" para o uso das magrelas. Em Toronto e Montréal há inclusive biclicletas públicas, alugáveis por qualquer pessoa. Os resultados são: melhoria das condiçoes de saúde da população, com a consequente economia de recursos da saúde pública, diminuição da poluição e dos engarrafamentos, socialização, economia doméstica do valor pago ao transporte ou ao combustível.

O passe mensal de metrô e ônibus em Toronto custa 121 dólares. Com esse valor compra-se uma bike usada ou nova em promoção na loja. Se a distância entre casa e trabalho permite o deslocamento via duas rodas, em um mês a bike já se pagou. Além de tudo isso, ainda há a diminuição do stress do trânsito para quem dirige.

Circular de bicicleta faz parte da minha história. Desde a pré-adolescência, quando o "camelo" ficava hospedado na casa dos meus avós, porque a minha casa era localizada em um morro com uma ladeira enorme, impossível de ser vencida com a força do pedal. Depois, com a ida para Salvador, outra terra de imensas ladeiras, onde o uso da bike só é possível na parte atlântica, as duas rodas viraram parte do passado.

Quando morei em Barreiras, no Oeste da Bahia, onde trabalhei por quatro anos e meio, retornei ao prazer de pedalar e passei muito tempo me deslocando de bicicleta. Nada se comparava ao sabor do vento, à sensação de liberdade e de relaxamento que o ciclismo trazia. A cidade é plana e eu vivia rodando para cima e para baixo. Pegava estradas vicinais e ia fazer trilhas em busca dos inúmeros rios de água cristalina que se espalham pela região.

Mas nem sempre as pessoas entendem os gostos pessoais, preferindo os gostos médios ditados pela sociedade de consumo. Em Barreiras, eu tinha um amigo de El Salvador (ou seria Nicarágua, nao lembro mais), um agrônomo e professor universitário, que se locomovia, inclusive para ir às aulas, em uma bike bem velhinha. Dessas que hoje faria o maior sucesso entre os hipsters. Veja aqui o que é isso.

A tal bicicleta não era bem vista pelos alunos. Era quase detestada.

Eles, principalmente as garotas, achavam que o mestre deveria ter um carro, algo mais compatível com o seu status de professor universitário. E de solteiro, diga-se de passagem. Mas ele nem ligava, gostava mesmo era de pedalar. Ou de economizar dinheiro e, de quebra, ter mais saúde e boa forma física.

Naquela cidade, eu usava a bicicleta para ir a todos os locais, mas nem precisava para ir ao trabalho. Eu morava perto, então ia andando. Tambem não saía à noite de bike para festas, como já vi várias pessoas fazendo em Montréal e Toronto, quando o clima e a temperatura permitem.

Sempre que eu saía para algum bar ou festa, voltava de carona, ou mesmo a pé. Cidade pequena, tudo perto. Eu até gostava, pois acabava fazendo novas amizades com quem me dava carona. Só uma vez, eu me lembro, o transporte foi bem diferente.

A festa tinha acabado, o dia já estava claro. Em Barreiras, a rodovia federal corta a cidade pelo meio. Eu e mais duas amigas estávamos na beira dessa estrada, sem transporte público ou carona disponível. Então nós pedimos ajuda a um carroceiro que ia passando.

Ele foi gentil e nos permitiu o acesso ao seu veículo movido a suor animal, de potência 1 HP. Lá fomos nós, voltando para o centro da cidade em cima da carroça, rebocada por um cavalo. Cavalo não, certamente um burro ou jegue. E a gente se divertindo um bocado, dando risada da cena, com o teor alcoólico talvez ainda alto, achando tudo engraçado. Rindo até das mercadorias, das frutas e verduras que dividiam o espaço conosco, e que nos olhavam desconfiadas. O carroceiro provavelmente estava indo para a feira.

15.8.11

Gourmet ou gourmand?

Comentario na publicacao do Facebook de AF sobre a manicoba de Cachoeira.

Soh para esclarecer (ou aumentar rss) a discussao sobre os termos gourmet/gourmand, eterna duvida que tambem me acompanha desde a Faculdade de comunicacao. Segundo a Wikipedia (em ingles, curiosamente nao ha verbete em frances), o termo gourmet estaria relacionado aa pessoa com gosto refinado ou que tem bastante conhecimento sobre alimentos e sua preparacao. Ja gourmand significa aquele que gosta de comida em grande quantidade, ou seja, o glutao. Gourmand vem de gourmandise, isto eh, glutonaria, gula. Quando se trata da deliciosa manicoba, acho que nao tem gourmet ou gourmand que resista. Para mim, os dois termos se aplicam.

12.8.11

Ligante

Nao tenho do que me queixar da minha fase pós-adolescente. Antes de completar dezoito anos, já estava na universidade, morando na capital. Tive todo o apoio da família para estudar e tinha uma vida confortável, mas sem luxos. Além disso, ainda tinha uma ótima turma de amigos da minha cidade natal, Ilhéus. Depois que a escola terminou, alguns continuaram morando lá, estudando na universidade da própria cidade. Outros, como eu, foram estudar em Salvador. Outros foram para Sao Paulo. Outros nao quiseram saber de estudar e foram trabalhar.

Os amigos tinham muito em comum, apesar de nao pertencerem à mesma sala de aula. Havia diferenças de idade, mas também havia laços familiares. Talvez o que mais nos ligassse fosse a irreverencia à cultura e ao status quo da nossa cidade, engessada por muito conservadorismo, tradicionalismo e exibiçao da riqueza gerada pela monocultura agrícola do cacau, naquela época com um altíssimo preço no mercado internacional e com pouca produçao mundial. Isso sem contar que era final dos anos 80, ainda havia resquícios da ditadura e forte papel da Igreja Católica, mantenedora do colégio em que estudávamos.

Se por um lado, essa curiosa estrutura social e financeira gerou obras fundamentais da literatura brasileira, principalmente pela criatividade de Jorge Amado, ela causava outros tantos de desconforto pela exibiçao de riqueza e distanciamento entre pessoas. Muitos se consideravam pertencentes a classes distintas e elevadas. O distanciamento atingia todas as faixas etárias, inclusive no colégio em que estudávamos.

Mas a nossa turma nao se reverenciava àquela estrutura, mesmo porque ninguém pertencia à alta classe. Havia gente que nao queria nada com o estudo. Tinha gente que era pobre e se esforçava para ter sucesso no colégio e na vida. Havia gente com a veia artística acentuada. Tinha gente que só queria uma vida alternativa. Havia gente que tentava encontrar o seu papel e o seu caminho. Enfim, adolescentes.

Cada um escolheu a sua área de estudos e trabalho, mas, nas férias, a gente sempre voltava para Ilhéus e fazíamos farras e festas deliciosas. Eu tinha a impressao que aproveitava mais da minha cidade natal quando já nao morava mais lá.

Passada a época da universidade, os caminhos se distanciaram ainda mais. Os trabalhos, estudos aprofundados e os amores mudaram as pessoas de cidade, de estado, de país, de continente. No entanto, as relacoes nao foram perdidas. Eventualmente os astros ajudam e os amigos se encontram. O carinho e a alegria do reencontro continuam intactos.

Felizmente, a tecnologia evolui e surgiram as maravilhas da redes sociais na internet. A turma volta a se reunir, cada um teclando do seu canto, por intermédio do Facebook.

Toda essa introduçao foi para contextualizar um bate-papo regado a lembranças que tivemos nos últimos dias, iniciado pela publicaçao de uma foto da nossa antiga escola.

Em Ilhéus havia um pequeno comércio de batidas (coquetéis, se quisermos chamar assim), chamado Ligante do Almirante. Lembro que o meu pai falava que conhecia desde a juventude. Uma delicia, cremoso, feito de várias frutas. E subia a cabeca de tal jeito que a gente achava que o Almirante, o proprietário e fabricante, adicionava alguma substância extra e misteriosa, nao informada, talvez nao permitida pela saúde publica. O Almirante resolveu expandir o seu negócio, levando o seu Ligante para as festas, shows e eventos. A nossa turma descobriu a bebida e curtimos muito, tomando porres e mais porres.

Com o sucesso nas festas ilheenses, o Almirante montaria barracas nas festas de largo de Salvador e o sucesso foi imediato. A criatividade do soteropolitano logo se destacou para dar nome às novas batidas de frutas. Surgiram o Colante, o Excitante, o Pegante, entre outros. Claro que nenhum do Almirante. O tempo passou e so agora, via internet, fico sabendo que o Almirante faleceu. Imediatamente fiquei com pena de que ele nao tenha deixado nenhum herdeiro para continuar a tradicao dos deliciosos coqueteis, uma vez que nao ouvi mais falar no tal Ligante.

Foi entao que uma das amigas, que continua morando em Ilhéus, me disse que eu estava enganado. O Ligante continua a ser fabricado por um filho do Almirante. Mas sem o mesmo sucesso. Talvez sem aquele extra na receita, que tanto embalou os festeiros no passado, que fazia a diferença e que ninguém conseguiu descobrir o que é. Alguns se arriscam a dizer que é um famoso xarope que causa esquecimento no dia seguinte. Ou um comprimido que reduzia o apetite e fazia perder o sono. Mas isso parece ser lenda urbana.

11.8.11

Pas diplomatique ce monsieur

Voici Leonie Rouleau ce que Le Devoir dit au sujet de M. Harper au Bresil.

Incident diplomatique à Brasilia? | Le Devoir

Leonie Rouleau - et un philosophe a répondu : «Mal élevé».
Les Brésiliens ont découvert le Stephen Harper que les Québécois connaissent: inflexible, intraitable, mesquin et revenchard. Comme un petit gars en culottes courtes, un enfant gâté qui fait des crises chaque fois qu'il n'obtient pas ce qu'il désire. Bientôt on ne souhaitera plus du tout recevoir la «visite canadienne» un peu partout. «Mal élevé» est le terme employé par la presse brésilienne.

Danilo Menezes - Em bom português: malcriado.