31.1.04

Dia longo

Fui na Delegacia Regional do Trabalho (DRT), na Rua Carlos Gomes, pegar o meu número de registro como jornalista. A documentação já tinha chegado e a anotação foi feita na minha carteira de trabalho.

=x=x=

Almoço no Restaurante-escola do Senac, no Pelourinho. Eu nunca havia provado a comida, apesar de já ter ido lá fazer umas fotos e ter lido muito coisa sobre o local - a tese de doutorado do antropólogo Ericivaldo Veiga. Para quem não conhece, é um restaurante-escola em que são formados cozinheiros e garçons. Fica no Largo do Pelourinho e é especializado em culinária baiana.

O vatapá e o caruru estavam deliciosos, ainda que com um pouco de gordura em excesso. As moquecas de peixe, sururu e ostra também estavam muito boas. A de camarão é que deixou a desejar. Os crustáceos eram pequenos e estavam borrachudos e sem gosto. Com certeza não eram frescos. Os mini acarajés e abarás estavam divinos. No bufê, a metade dos pratos leva dendê, a outra metade não.

Por R$ 17,90, sem taxa de serviço, come-se quanto quiser, com direito a várias sobremesas. Estas, sim, encerraram o banquete de modo glorioso. Nunca comi um quindim tão bom. A ambrosia (doce de leite em grumos) estava fenomenal. O manjar branco de coco podia ser acompanhado de baba de moça e calda de ameixa. Também havia doce de abóbora, cocadas e doce de banana, mas não os experimentei. Não havia mais espaço no estômago. Quase não consigo levantar da mesa depois de comer tanto. A saída foi caminhar, para ajudar a digestão.

=x=x=

Uma circulada pela Praça da Sé e passagem nos sebos, que andam caríssimos. Ao pensar em comprar um livro usado, verifique antes o preço do novo. Os livreiros dos sebos andam querendo enfiar a mão no bolso sos clientes, sem aviso. Os saldos das livrarias estão mais em conta - quando há algo que valha a pena. Comprei Berinjela se Escreve com J, de Josimar Melo, crítico de gastronomia da Folha de São Paulo. O livro contém a grafia de mais de 10.000 termos gastronômicos, em várias línguas.

=x=x=

O X Salão do Museu de Arte Moderna da Bahia privilegiou a fotografia e a pintura. As instalações estão em menor número. Ou menos bizarras. Consegui enxergar algo de belo em todas elas. Esta versão do Salão não traz nada de asqueroso, a exemplo dos cérebros de boi e dentes pendurados vistos antes.

Em telas pretas, um artista de Belo Horizonte pintou corpos humanos nus. O trabalho é um tríptico. A pintura é difusa, parece ter sido feita com spray, mas na placa de identificação constava apenas tinta acrílica. Provavelmente foi usado o pincel. O efeito é genial, as figuras humanas parecem andróides futuristas.

Um dos trabalhos vencedores é composto de três telas enormes, escoradas no chão e na parede, pintadas como três folhas em branco de cadernos. De cara, não entendi porque um trabalho relativamente simples como aquele havia sido um dos vencedores. Até que uma criança bem pequena, que estava ao meu lado, acompanhada da mãe, exclamou: "É papel!". A ficha caiu imediatamente.

Os quadros são pintados de forma tão perfeita, que parecem ter sido impressos. A tela branca é lisíssima, as linhas são micrometricamente perfeitas. Um trabalho de precisão. Nada como o auxílio de uma criança para tentar entender a arte...

=x=x=

Ainda no Museu, fui (re)visitar a Sala Rubem Valentim (1922-1991), que é, para mim, um dos melhores pintores baianos de todos os tempos. A ele cabe uma análise mais detalhada em outra ocasião. É um artista cujas linhas são perfeitas, irretocáveis. Sem contar com a força simbólica dos elementos da cultura africana e indígena que ele utilizou.
Porto da Barra

O projeto Música no Porto trouxe Noeme Bastos e Lanlan. Quem abriu a noite foi Noeme, que gostou tanto de cantar que não queria mais sair. O show demorou mais de uma hora. Lanlan chegou trazendo uma linha mais rocker. Arrepiei quando ela cantou "Amor Destrambelhado", da época do Rabo de Saia. Lembrei do Zouk Santana, no Rio Vermelho - alguém lembra disso?

Lanlan esteve na minha casa, em Ilhéus, com Jussara Silveira e meu primo Paulo, que na época era produtor de Jussara. Depois do Rabo de Saia, Lanlan fez parte da banda de Cássia Eller, de quem era muito próxima.

Segundo a apresentadora do evento, Lanlan ganhou prêmio de revelação como cantora, pelos críticos de arte de São Paulo. O show foi empolgante e conta com Nara Gil no backing vocal.

O Porto da Barra estava cheio. Um público meio indie, nada de mauricinhos e patricinhas axezeiros. A praia, como sempre, com a presença maciça do pessoal de teatro da Bahia, que a chama de "escritório", pois é lá que eles se reúnem após os ensaios. Até o global Wagner Moura apareceu, em um retorno às origens. Também muitos jornalistas no pedaço.

O projeto Música no Porto segue até fevereiro, inclusive depois do Carnaval. Eta cidade que não pára. O evento tem boa estrutura de palco e de som, que chega a ecoar alto no lado oposto da praia. Será por causa do paredão de pedras no fundo do palco?

29.1.04

Contrário ao que se comenta pela rua, tive a informação segura de que o jornalista Ricardo Noblat continua a ditar as regras no jornal A Tarde. Noblat envia instruções por telefone, para os seus "homens de confiança", ou seja, os editores. Ele não mora mais em Salvador.

O caderno de cultura de A Tarde anda muito fraco. Virou um roteiro das atrações da cidade. É um mundaréu de endereços de restaurantes, bares, cinemas e teatros. A matéria (não deveria ser uma crítica?) sobre cultura fica espremida na parte superior, bem pequena. Outra coisa: quem define e quais são os critérios para que aqueles determinados bares e restaurantes sejam listados? Mistério...
Visitei o blog Chicleteiro. Fiquei impressionado como a cultura baiana alcança pessoas de outros Estados. Não resisti e mandei um longo comentário.

"Olá. Bacana o seu blog. Sou baiano, moro em Salvador e nunca tinha lido em blogs nada tão apaixonado pelo Chiclete com Banana e pelo Carnaval da Bahia. O seu relato é de alguém que realmente gosta da festa.

Lembro que também já curti muito o Carnaval, assim como você. Uma sensação de liberdade intensa, de relaxamento, transcendência, quase um êxtase. Uma impressão de que a alegria nunca termina.

Eu sou do tempo dos primórdios do Chiclete com Banana, hoje em dia não curto tanto. Mesmo assim, não esqueço da banda cantando "moranguinho no copinho, esperando por você", na micareta de Feira de Santana, a 100 km de Salvador, segunda maior cidade da Bahia. Eu, junto com uma galera, todos completamente bêbados, curtindo tudo.

Hoje em dia, a passagem do trio do Chiclete nas ruas de Salvador é meio complicada. Há um aumento da violência, com ocorrência de brigas e furtos. Mas nada que impeça o brilho da festa.

Viajei com a empolgação do seu texto. Às vezes, a gente mora por aqui e nem se dá conta dessa riqueza. Um abraço e aproveite bastante o Carnaval."

28.1.04


A Rede Globo incluiu o VI Festival de Verão de Salvador na programação diária, em transmissão para todo o país, com cobertura direta e ao vivo. Não é pouca coisa. Ponto para o turismo da Bahia.

Irei no sábado ao Festival de Verão. Ganhei ingresso para ver Maga, Cidade Negra, Camisa de Vênus (ainda existe?), Harmonia do Samba e Psirico. O dia vai ser basicamente de axé e pagode - e da ressurreição do rock da Camisinha, que um dia se chamou Camisa de Vênus, quando isso significava algo transgressor. Brincadeira, eles são precussores do rock baiano e também do nacional.

Bom, vou ter que me contentar com os pagodeiros do Harmonia e do Psirico, esta última uma banda cujos integrantes, na falta de algo melhor para utilizar, vestem batas indianas longas, que parecem camisolões. Será que é para dar sono no público? Bom, não tenho opção de trocar o ingresso. Como assegura o velho ditado, "Cavalo dado não se olha os dentes".

O Festival parecia dar provas de começar a fraquejar, sem nenhuma atração internacional, e com grande parte das atrações composta de cantores e bandas locais. Mesmo assim, continua se mantendo como um dos maiores - e mais duradouros, é a sexta versão! - entre os eventos de música no país. A cobertura da mídia é uma prova disso.
O que traz tanta musicalidade a esta terra? São os tambores africanos? Uma terra que lega um ministro que tem que viajar sempre acompanhado de seu violão, pois é sempre requisitado a tocar em eventos políticos - até na ONU. É o local de origem de um cantor e compositor que construiu o hino mais famoso da maior cidade brasileira e instituiu Rita Lee como a sua perfeita tradução. Uma terra onde garotos batem em latas e produzem sons que contagiam.

O jornalista Diogo Mainardi, na última Veja, mal-humoradamente diz que Caetano não conta, pois ele "homenageia qualquer lugar. É como Lamartine Babo, que escreveu os hinos de todos os times do Rio de Janeiro". Para Mainardi, é uma "sorte" que São Paulo seja tão pouco musical. "A música popular constitui o maior fator de atraso no Brasil", afirma. Concluindo, o colunista volta atrás e reformula sua opinião: "São Paulo é a pior cidade do Brasil. Mas nós paulistanos até que temos a nossa graça: não levamos jeito para a música, o que nos torna, tudo somado, um pouco menos brasileiros". Acredite se quiser.
Apesar de muitos shows acontecendo na cidade, não percebo movimentação turística maior que nos verões anteriores. As praias estão cheias, mas é possível chegar até lá sem grandes engarrafamentos. Em outros anos, em janeiro era quase impossível chegar a Stella Maris em domingo de sol.

O menor fluxo de pessoas pode ser por causa da chuva em outros Estados. Pode ser por conta da chuva que ocorreu nos primeiros dias de janeiro em Salvador, que parece ter desestimulado a invasão da turistada. Ou é mesmo falta de dinheiro.

26.1.04

Ontem assisti Encantadora de Baleias, filme neozelandês, e O Outro Lado da Cama, espanhol, no Cinema do Museu. Hoje foi a vez de Meninas não Choram, filme alemão. É a maratona do II Festival Saladearte, em Salvador.
Encantadora de Baleias ganhou vários prêmios em festivais. É um belo filme, que mosta a cultura dos aborígenes da Nova Zelândia. Uma garota tenta a todo custo provar ao avô cabeça-dura que ela tem capacidade para liderar. É um retrato da luta feminina para romper com a tradição de passar o poder somente para o filho homem.
O Outro Lado da Cama é uma comédia musical, bem divertida, mas superficial. Destaque para as atuações femininas das belas Paz Vega e Natalia Verbeke. O tema é a velha troca de casais.
Meninas não choram é terno e delicado. Mas também é duro, violênto. Mostra a juventude alemã em aspectos bem conturbados. Amor, sexo, conflitos familiares, dificuldades emocionais, companheirismo e música eletrônica fazem parte do cardápio.
Não quero perder Party Monster e Tiresia. Fui assistir o primeiro no sábado, mas não houve exibição, pois o filme não chegou. O novo horário ainda será divulgado.

O grupo Saladearte fez uma parceria bacana com a Sala Walter da Silveira. Os filmes do festival também estão por lá. O ingresso é mais barato. De segunda a quarta paga-se R$2,00 a meia.

25.1.04

Hoje, domingo, fui no Skol Spirit, na praia de Catussaba. O evento, que segue até fevereiro, está bem bacaninha, com tendas armadas, muita gente circulando, bebendo e paquerando. O que menos se percebe é gente curtindo música eletrônica. Estive das 13 às 16h30. O DJ começou a tocar lá pelas 14h. Nem parecia, pois as pessoas sequer se viravam para olhar. Não vi nehuma pessoa dançando animadamente. O máximo que acontecia era alguém se balançando enquanto bebia e conversava.

Entrada gratuita, o evento é uma grande sacada, uma grande divulgação da marca. A grande vendagem de cerveja deve cobrir parte dos gastos. O cachê dos DJs não deve ser tão alto, e há alguns da terra, o que significa que há pouca despesa da produção com transporte e hospedagem.

Tentar inserir elementos culturais externos, aqui na Bahia, é um trabalho árduo e de longo prazo. Se o som fosse axé ou pagode, ou mesmo babinhas dos anos 70, haveria muito mais gente dançando, mostrando a propalada "alegria" baiana. Alegria somente para aquilo que o baiano está acostumado a ouvir e dançar, ou seja, muito conservadorismo.
Olha que texto genial de Hagamenon Brito:
"Salvador é, naturalmente, uma cidade fervida (salvo em dias de chuva, quando baiano vira tatu e se entoca). Na estação no inferno que é o verão, porém, com o acréscimo de um milhão de turistas, a cidade extrapola em temperatura e recebe estrelas gringas, o elenco de Malhação, a gaylândia da Globo, os agregados cariocas de Caetano & Paula Lavigne, a turma do ministro Gilberto & Flora & Preta Gil, os mano e as mina paulistas, Adriane Galisteu & Dado Dolabella, os brothers de Edilson & Vampeta, ornitorrincos etc."

Leia mais aqui no Laboratório Pop


24.1.04

450 anos
São Paulo faz aniversário. Por algum tempo, eu quis muito morar naquela cidade. A vida cultural e as opções de diversão me atraiam muito. Hoje não tenho mais vontade. Quando penso que passei o dia em Praia do Forte, a uma hora de carro de Salvador, sem engarrafamentos, fico logo comparando. Ir a uma praia tão bacana, em tão pouco tempo, seria impossível em São Paulo.

É inegável que nos últimos 5 anos Salvador melhorou bastante em termos de opções na vida noturna. Lugares para dançar, cinemas, teatros, shows, restaurantes, bares. Hoje temos por aqui as mesmas opções de filmes em cartaz, seja no circuito comercial ou "de arte". Há tantas opções culturais em Salvador, que muitas vezes não há tempo para comparecer aos locais.

Mas São Paulo é mesmo muito bacana. O melhor do país está por lá. A riqueza, o luxo, a inovação. A "modernidade" passa por Sampa antes de chegar ao resto do país. E não tem carioca nem mineiro para provar o contrário.

23.1.04

Afoxé jeje-nagô

A leitura do livro A família de santo nos candomblés jeje-nagos da Bahia, do professor Vivaldo da Costa Lima é um mergulho profundo na cultura afro-baiana. No livro, o autor detalha a estrutura hierárquica e as relações dentro dos candomblés, de origem africana, que são os "grupos religiosos caracterizados por um sistema de crenças em divindades chamadas de santos ou orixás".

É impressionante a riqueza da cultura afro-baiana, mantida principalmente por conta das crenças religiosas. E pensar que tudo isso está tão próximo, aqui mesmo em Salvador, e às vezes nem nos damos conta. Culturas orais, crenças que vieram da África e aqui permaneceram, com algumas alterações e se perpetuam, por meio de intruções orais e pela música das cerimônias.

Os compositores música popular feita na Bahia sempre beberam na fonte da cultura negra. Os primeiros sucessos da axé-music utilizaram em suas letras informações e termos da língua iorubá. Língua que já fez incorporar ao português vários termos, como orixá, ialorixá, babalorixá, ijexá, ogã, axé. Além dos nomes dos orixás: Oxalá, Xangô, Yemanjá, Iansã, Oxum, entre outros. Caetano e Gilberto Gil fizeram letras excepcionais sobre o assunto. Por exemplo, nos versos de Milagres do povo, de Caetano:

Oju Obá ia lá e via
Oju Oba ia
Xangô manda chamar
Obatalá guia
Mamãe Oxum chora
Pétala de Yemanjá
Iansã Oyá ria
Ojú Obá ia lá e via
Ojú Obá ia
Obá

Com tanta riqueza cultural no Estado, o que faz a atual música baiana ser tão pobre de conteúdo - e espírito - nas letras? Nas canções dos pagodeiros imperam os versos que descambam para o duplo sentido e a baixaria. Está faltando leitura e imersão na própria cultura baiana, por parte dos compositores. E inteligência para perceber isso.

Dress code soteropolitano

Ontem fui a uma festa de formatura, da amiga de um amigo. Turma de Marketing. A solenidade foi no Teatro Diplomata. A festa, no clube da AABB. O teatro ficou lotado. E olha que eram somente 16 formandos. Muita gente ficou em pé e muitos desistiram de acompanhar a solenidade - como eu - e ficaram na ante-sala do teatro, onde há uma espécie de lounge, com sofás espalhados. Os sofás não têm encosto e são baixos. Parecem camas.

As pessoas circulavam, entrando e saindo do salão, ou simplesmente chegando atrasadas ao teatro. Muitos exemplares da beautiful people. O povo de Salvador parece estar melhorando o modo de se vestir nas formaturas. Os vestidos estão mais simples, sem exageros cafonas.

Há alguns anos, ir a uma festa de formatura era um espetáculo de bizarrice. As mulheres retiravam do baú aquelas roupetas tidas como "elegantes" e davam shows com vestidos longos, espalhafatosos e cheios de brilhos - quase dava para sentir o cheiro de naftalina. Nas formaturas em que comparecem os parentes do interior (olha que eu também sou do interior!), a diversidade dos modelitos era ainda maior.

Os homens, principalmente os mais velhos, vão sempre de paletó. Os mais jovens preferem calça social e camisa de manga comprida, em padronagens lisas. Muitos não têm nem paciência para isso. Usam camisa xadrez ou de manga curta, sem respeitar o dress code. É curioso, nessas ocasiões, notar a combinação paradoxal e interessante de brincos, piercings e tatuagens com roupas formais, tanto nos homens quanto nas mulheres.

Os formandos estavam usando faixa azul na beca. Aqui em Salvador, parece que os organizadores de eventos de formatura só tem faixas nessa cor. Lembro que na minha turma de jornalismo, houve a maior discussão - online, pois o povo de comunicação é muderno - quanto à cor da faixa. Alguns defendiam a cor amarela, enquanto outros, a vermelha, como cor-padrão da profissão. A minha surpresa foi chegar na solenidade e ver todos com a faixa azul. Marinho, mesma cor usada na solenidade de ontem.

21.1.04

O sol voltou a São Salvador. O Rio vermelho estava lindo no final da tarde, sob o sol brilhante, que ofuscava motoristas. O cheiro do dendê fritando acarajé e invadindo almas e narinas. Mesmo entre duas ruas de tráfego intenso, é possível ter ambientes tranquilos no bairro. A Rua do Meio, o Largo da Mariquita, onde a baiana Cira vende as suas iguarias douradas. A Fonte do Boi, a Praia do Buracão. Clareiras na selva da cidade.

Essa é do arquivo pessoal: Morro de São Paulo

Loucos

A peça Só os loucos dizem a verdade está no Teatro do Sesi, no Rio Vermelho, sempre às quartas, até 11 de fevereiro. O texto e a direção geral são de Elísio Melo, que também participa atuando. A montagem é da companhia Água Viva de Teatro, com as atrizes Lenira Santos, Eliana Oliveira e o próprio Melo.

O autor utiliza o velho expediente dos loucos para fazer uma comédia rasgada, em que o público gargalha sem parar. O problema é o repertório das piadas. Muitas já conhecidas, que circulam há tempos na internet. Será que as pessoas não lêem os seus e-mails?

Faltou ao texto o vislumbre de mais verdades da realidade humana, talvez possível somente para os loucos. E a comicidade pode ser tranquilamente um veículo para essas verdades, em uma forma leve, mas que não deixa de ser reflexiva.

O texto é superficial. Faltou a loucura de aprofundar o texto. Elísio Melo e a atriz Lenira Santos são os loucos de plantão, que se ocupam de atazanar a enfermeira do hospital psiquiátrico. O destaque de atuação fica com o trabalho de Lenira Santos.

Homus Tahine Fiz a famosa pasta árabe de grão-de-bico. Eu adoro comê-la com pão. Com queijo e salada fica um sanduíche delicioso e saudável.

A receita rende bastante. Pode-se fazer somente a metade.

½ kg de grão-de-bico
4 dentes grandes de alho
sal
1 xícara (chá) de suco de limão
1 xícara (chá) de azeite de oliva
3 colheres (sopa) de tahine (óleo de gergelim)
Deixe o grão de bico de molho em água de um dia para o outro. Ponha-o para cozinhar com um pouco de água. Quando estiver amolecido, leve ao liquidificador ou processador, com um pouco da água do cozimento. Deixe bem pastoso.
Adicione o sal, sal, limão, tahine e azeite de oliva. Mexa até uniformizar.

A receita original é trabalhosa, pois ensina a retirar a casca de cada grão. Lá em Ilhéus, aprendi que não é necessário fazer isso. O próprio liquidificador dá conta de desmanchá-las. O resultado fica tão bom quanto.
Ouvindo

Aretha Franklin. The very best of - The 60?s. Pérolas como Respect, (You make me feel like) A natural woman, I say a little prayer.

20.1.04

Carbono Aluguei vários CDs na Escalpo, na Graça. Na lista, Grace Jones, Max de Castro, Aretha Franklin, Diana King e Bjork. O meu gravador de CDs já está trabalhando avidamente.
Monet


Terminei de ler Perdas e Ganhos, de Lya Luft. Não é um romance, não é um ensaio, também não são crônicas. Nem a própria autora consegue definir bem. Ela própria se questiona: "Que livro é este, então?". Para completar, logo a seguir: "Cada um dê a esta narrativa o nome que quiser. Para mim é aquela mesma fala no ouvido do leitor, que tanto me agrada e faço em romances ou poemas - um chamado para que ele venha pensar comigo".

Perdas e Ganhos é formado de vários pequenos textos reflexivos. Por algumas vezes, tem-se a impressão que se trata de um livro de auto-ajuda. Mas não é bem isso. São belos recados, positivos, coerentes e sensatos, dados por uma senhora na faixa dos 60 anos (a própria autora), em que avalia alegrias e dificuldades - passadas, presentes e futuras.

Lya Luft instiga o leitor a buscar em si e compartir com ela "tantas inquietações quanto ao que estamos fazendo com o tempo que nos é dado". O resultado é que o tom positivo e ponderado do livro traz um bem-estar danado. O leitor imaginário foi conquistado.

19.1.04

Oba Festival de cinema se aproximando. De 23 de janeiro a 05 de fevereiro de 2004 acontece o II Festival SaladeArte. Confira a programação aqui.
O bastardo
Um filme tailandês que faz uma abordagem afiada sobre relações familiares. Algo forte mesmo para a produção cinematográfica ocidental. Um garoto perde a mãe ao nascer e é recusado pelo pai, que tem comportamento libertino. Com o passar do tempo, o filho renegado adquire o mesmo comportamento do pai. A história é densa, raivosa, conturbada e erótica.

Os tailandeses fisicamente estão entre os indianos e os chineses. Pele morena, olhos apertados, traços não muito finos. Em alguns momentos se parecem com brasileiros ou indianos, por causa da pele morena. Já os mais claros se parecem com japoneses ou chineses.



Um bonde chamado desejo
Em cartaz no Teatro Moliere, na Aliança Francesa, é um clássico do teatro mundial. A montagem é da Companhia de Teatro da Bahia, com direção de Fernando Guerreiro. Evelin Buchegger está fenomenal interpretando Blanche Dubois. A atriz consegue dar tons cômicos e leves à personagem. A atuação é bem acompanhada por Andréa Elia, que faz Stella, irmã de Blanche.

O brutamontes Stanley, marido de Stella, está bem caracterizado pelo ator Osvaldo Baraúna. Há bastante empenho em sua atuação, ainda que por vezes ultrapasse o limite do verossímil, beirando a caricatura.

O teatro da Aliança Francesa é pequeno, aconchegante, ótima acústica. O cenário da peça é genial, composto de dois ambientes, uma sala e um quarto, que se movem, oferecendo diferentes perspectivas ao espectador e fazendo o aproveitamento máximo do palco do teatro.

O figurino, em torno dos anos 50, está impecável. O texto de Tennessee Williams é bastante contemporâneo, mostra como a decadência financeira pode afetar emocionalmente as pessoas que não sabem se reposicionar. Mais atual impossível.

17.1.04

A devoção ao Senhor do Bonfim começou em Setúbal, Portugal, em 1669. A fé chegou a Salvador em 1745, com vinda de uma imagem de Jesus Cristo, trazida por um oficial da armada, Teodósio Rodrigues de Farias.

A imagem ficou na igreja da Penha até seguir em procissão para a atual Basílica do Bonfim, em julho de 1754. Já são 250 anos de culto.

Em 1804 os escravos negros lavaram as escadarias para preparar a igreja para a festa dos brancos, realizada no segundo domingo após o Dia de Reis. Daí nasceu a tradição da lavagem das escadarias do Bonfim.

Atualmente, a festa acontece na segunda quinta-feira do ano. O cortejo sai da Igreja da Conceição da Praia e vai até a Basílica do Bonfim. São 8,5 km de caminhada. As baianas vão levando jarros com flores e água-de-cheiro para lavar as escadarias. Tudo para renovar a fé em Oxalá, orixá sincretizado com o Senhor do Bonfim.

Após a lavagem, ocorre a festa profana, da Avenida Contorno até a Colina do Bonfim. Bares, barracas cheias, música, dança.

Tem o Bonfim Light, festa do público mauricinho-axé, que fica na Contorno, antes do percurso. Tem o Bonfim Hard, da galera rock?n?roll. Tem muita bebida embalando a profanação. Tem o portão da igreja que não abre, pois "não cabe todo mundo". Tem vendedor de bebida por todo o caminho. Tem catador amassando e juntando lata. Tem periguete e putão por tudo que é lado.

Entre ficar no light e ir andando 8,5 km até o hard, preferi descansar e assistir Samsara na Sala de Arte do Baiano.

16.1.04

Mais chuva O Projeto Música no Porto, na praia do Porto da Barra, hoje, foi literalmente por água a baixo. Com meio hora de show do músico Álvaro Assmar, começou a chover torrencialmente. O percussionista Peu Meurrahy nem chegou a se apresentar.

As pessoas correram procurando abrigo. Foi uma pena, pois havia uma boa estrutura de palco e som na praia. Que falta faz o por-do-sol no céu brilhante do Porto da Barra!

A sorte foi que encontrei o meu caro amigo C. Logo depois chegou B. que não via há um tempo. Ficamos esperando chuva passar. Em uma rápida estiagem, fomos ao Bistrô Porto Sol tomar umas cervejas.

15.1.04




Estas minhas férias poderiam se chamar Peregrinação Cinematográfica. De segunda até hoje já assisti Sexo, Amor e Traição, 21 Gramas, Edifício Master e Samsara.

Sexo, Amor e Traição traz vários atores globais em uma comédia romântica leve. Destaque para a atuação de Fábio Assunção, como um namorador incorrigível, quase amoral. A trilha sonora é muito bacana, com Paula Lima, Luciana Melo, Bebel Gilberto e Ed Mota. Só gente legal.

Lançado em primeiro de janeiro deste ano, o filme está tendo uma excelente bilheteria. Parece que depois de tantos sucessos no cinema nacional recente, a ficha caiu para os produtores: há um público ávido por filmes brasileiros de boa qualidade, que podem ser leves e divertidos, sem a obrigação de ser obras-primas.

O mexicano 21 Gramas é forte e pungente. A narrativa não obedece a uma sequência linear. O diretor Iñárritu faz uma construção brilhante, em que se alternam momentos no passado, presente e futuro. O mérito é fazer o espectador ir construindo a história a partir de fragmentos, até chegar ao final e tê-la por completo.

21 Gramas aborda basicamente a dor da perda. O impacto da morte para quem perde pessoas queridas. A música e a imagem granulada ajudam a dar o clima realista. A história em si não é tão inovadora. Um professor recebe um coração por transplante e sai em busca dos familiares do seu doador.

A emoção profunda parece ser uma característica do povo mexicano. Não deve ser à toa que as novelas mexicanas ficaram consagradas como dramalhões. Comparando os dois filmes, parece que os brasileiros têm mais habilidade em relativizar os seus dramas, com inclinação para a comédia. Sexo, Amor e Traição é a refilmagem de um texto mexicano.

14.1.04

Chove
Chuva na normalmente ensolarada cidade de Salvador. Turistas desistem das praias. Bom para os shoppings.
A chuva só faz aumentar o clima intimista da cidade - e das minhas férias. Pouca grana para gastar. Boa companhia: Lya Luft, Perdas e Ganhos.
Em tempos de sol, a rede na varanda do apartamento serve para relaxar e espantar o calor. No frio, aumenta a preguiça de sair de casa. Em lugar do céu azul claro, um tom cinza e o barulho suave da chuva fina. Um chá para confortar o coração.

11.1.04

Férias Sexta foi o meu último dia de trabalho, antes das férias. Até o dia 10 de fevereiro estou de folga. Ainda não defini calendário de eventos. Por enquanto, horas de sono, leituras, posts e o preparo do meu primeiro vatapá, que ficou bem razoável.

10.1.04

Perfurante
Coloquei um piercing no lóbulo da orelha esquerda. Na realidade, um pequeno brinco de aço cirúrgico. Desde a adolescência, sempre tive vontade de colocar um, mas nunca tive coragem. Naquela época, eu morava no interior do Estado. Colocar um brinco era algo para poucos. Hoje em dia, piercing é uma coisa muito comum - raro é quando a pessoa tem somente uma peça espetada.

A idéia inicial era colocar na parte superior da orelha. Depois avaliei que seria um local muito sensível. Não é à toa que os acupunturistas utilizam a orelha para fazer uma série de tratamentos de saúde, espetando em pontos específicos para regular as energias corpóreas. Portanto, preferi a perfuração no lóbulo, local que não possui cartilagem.

Meio que contagiado por um pensamento de "conservação da integridade" do organismo, lembrei dos índios que furam as orelhas, um costume ancestral. Lembrei dos bebês do sexo feminino, que têm as orelhas furadas logo que nascem. Fiquei mais confortado.

9.1.04

Efó da Bahia Hoje fui na casa da minha amiga V. conhecer um prato tradicional da cozinha baiana que eu nunca havia experimentado: efó. Ela gentilmente convenceu a mãe, dona A., a preparar o prato. E estava uma delícia.

O efó é feito com folhas de língua-de-vaca, bem picadas e refogadas com temperos e azeite-de-dendê. Além do prato, havia frigideira de caranguejo, farofa de dendê, arroz branco e feijão de leite.

O efó não é muito comum na Bahia. O único lugar que conheço que o prepara é o restaurante do Senac, no Pelourinho. É encontrado somente em Salvador e na região do Recôncavo. Apesar de pertencer a uma família baiana que adora moquecas, vatapá e caruru, eu nunca o havia experimentado.

Dona A. me explicou que o efó era um prato muito frequente em Salvador, no tempo em que havia muitas hortas espalhadas pela cidade, especialmente em Itapagipe, na Cidade Baixa, onde ela morava. O prato costumava ser feito das folhas de taioba, uma planta bem comum.

Com a dificuldade de encontrar o vegetal, os cozinheiros começaram a prepará-lo com espinafre e língua-de-vaca. Este último é atualmente o modo mais frequente.

No almoço, até o feijão-de-leite, com o qual não sou muito afeito, eu provei. E estava muito bom. Cheguei à conclusão que eu tinha certa resistência ao prato, pois, entre todas as vezes que havia experimentado, sempre estava muito adocicado. O de hoje, não. Estava muito bem temperado e saboroso.

8.1.04

Censura Ando impossibilitado de postar no trabalho. Todos os funcionários da empresa tiveram que assinar um termo eletrônico, comprometendo-se a só utilizar a internet para fins de serviço. Eu só me arrisco a entrar em sites de notícias, e olhe lá. O resultado é que só posso enviar os textos para o blog a partir do meu próprio computador, em casa - via linha discada! Oh, vida...

4.1.04

A quem interessar possa: estou de regime. As viagens gastronômicas, por agora, serão meramente devaneios intelectualóides. Quero perder uns 3 ou 4 quilos, que teimam em se acumular na barriga.
Estou lendo o livro Viagem ao fabululoso mundo das especiarias, da jornalista Rosa Nepomuceno, colunista da revista Cláudia Cozinha. O livro é bem interessante, um catálogo das principais especiarias que existem no mundo, com aspectos históricos e curiosidades.

Na parte sobre o azeite-de-dendê, não concordei com a autora em algumas afirmações. Por exemplo, na Bahia ninguém o conhece como azeite-de-cheiro, que é uma denominação mais antiga, utilizada, se não me falha a memória, por Camara Cascudo, em História da alimentação no Brasil.

No meu trabalho de conclusão de curso, eu evitei chamar o azeite-de-dendê de azeite-de-cheiro, pois não achei nenhuma cozinheira, em Salvador ou em Ilhéus (de onde sou nativo) que utilizasse essa denominação.

Continuando na mesma página, a autora diz que "Os apreciadores mais exigentes preferem consumir a flor-do-dendê, aquele mais puro e refinado, cada vez mais raro e caro". Bom, na Bahia, para preparar a moqueca, das famílias mais humildes até os gourmets mais exigentes (talvez influenciados pela cultura popular), preferem o azeite-de-dendê comprado nas feiras livres, extraído quase que artesanalmente.

Este possui duas fases: o óleo propriamente dito, sobrenadante, chamado de flor-do-dendê, ou flor, e uma parte que contém sólidos em suspensão, chamada de bambá, que decanta. Para colocar o dendê na panela, a garrafinha do dendê é chacoalhada para que as fases se misturem.

O dendê industrializado, que contém praticamente só a flor, é encontrado nos supermercados da Bahia, a preço acessível, produzido por indústrias locais. Este tipo é também utilizado no preparo de pratos e pelas baianas de acarajés, que o compram em grandes quantidades, para fritar os bolinhos. Portanto, não concordo que atualmente seja "cada vez mais raro e caro".

A autora é genial ao afirmar que "A palmeira bem que merecia estar representada em nosso brasão, como símbolo da miscigenação da nação brasileira (...)". Concordo plenamente.

2.1.04

Não sei o que e como postar. Vou tentar.

O reveillon foi ótimo, divertidíssimo, em um lugar muito legal: Praia do Forte. Uma casa bacana, recém-construída, em um condomínio fechado, com piscina. E muitos amigos ao redor. De lá vimos o show de fogos de artifício que acontecia na praia.

Antes da virada do ano, foi servida uma ceia maravilhosa, com peru, porco assado, salpicão, uma farofa deliciosa, arroz com lentilhas e maionese de batatas. A cozinheira foi uma verdadeira fada. A farofa tinha um pouco de alho, estava genial.

No Natal e no Reveillon comi carne de porco. Em ambas as ocasiões, deliciosamente preparadas. Alguém me falou que é um bom argúrio de prosperidade, pois o porco "fuça" para a frente. Vamos ver.

Segundo as previsões do pessoal do candomblé, 2004 é regido por Oxóssi, orixá da caça, das matas e da prosperidade. A cor de Oxóssi é o verde. Um amigo meu, filho de Oxóssi, escolheu uma camisa verde para passar a virada de ano. Outra amiga escolheu uma saia verde, com blusa branca. Foi o suficiente para outro amigo bancar o pai de santo e dizer para ela: "Você também é filha de Oxóssi!".

No dia seguinte, na piscina, os "filhos de Oxóssi" começaram a brincar, dizendo que iram casar e ter vários filhos. A imaginação voou longe, para os nomes que dariam aos pimpolhos: "Oxoxotinha", "Oxotinha", "Oxossitinho".

Este ano, o reveillon de PF parece que perdeu uma parte do seu público. Parece que Guarajuba atraiu mais gente, com shows da banda Babado Novo e da cantora Simone Sampaio. No ano passado, havia bares com som bem bacana rolando na vila. Também havia mais turistas estrangeiros circulando no local. Este ano só tinha som legal no pátio da igrejinha, na beira da praia.

Não sei nem como contar isso, é complicado e doloroso...

A parte dura nessa história foi a notícia que recebemos no dia primeiro, à tarde, após o almoço. Um dos nossos amigos, que ficou de ir para lá e não apareceu, havia falecido. Uma pessoa super-bacana, jovem, esperto, atencioso, saudável. Uma pessoa do bem. Voltamos imediatamente.

Hoje foi o enterro dele. O grupo esteve junto, demonstrando que os amigos são também para os momentos difíceis. Onde quer que ele esteja, é de coração que desejamos toda paz e amor. Fique com Deus.