Mas não é só o mineiro. É o homem, o ser humano. Eu, o senhor ou qualquer um... (Nelson Rodrigues)
O XIX Curso Livre de Teatro da UFBA traz a montagem de Otto Lara Resende ou Bonitinha mas Ordinária, de Nelson Rodrigues (foto), para o Teatro Martim Gonçalves. A peça mostra os conflitos de Edgar, que ama a vizinha Ritinha, mas escolhe se casar com Maria Cecília, a filha caçula de um milionário. Descortina-se daí uma teia de prostituição, suborno, estupro e interesses, com muitas revelações.
O Martim Gonçalves é um teatro em construção: sem poltronas, sem ar-condicionado, sem isolamento acústico, iluminação precária. Não tem nem porta. Aparece até um morcego ou outro voando. O local faz lembrar aquela música: "Era uma casa muito engraçada, não tinha teto não tinha nada".
O público fica sentado nas arquibancadas de cimento, com dureza suavizada por pequenos colchões de tatame. A Escola de Teatro não tem verba para terminar a obra e aguarda ajuda do poder público. Mas é justamente aí que, com todas as dificuldades, pode-se ver a força e o amor com que atores e diretores se dedicam ao teatro.
A direção é de Paulo Cunha. Do cenário áspero - só há uma cama em um ambiente cinzento, de cimento cru -, mas cheio de possibilidades de entradas e saídas, os personagens de Nelson Rodrigues tomam forma, com as suas taras, perversões e neuroses.
Na época do lançamento da primeira montagem, Otto Lara Resende, jornalista e escritor mineiro, que fazia parte das relações de Nelson Rodrigues, ficou indignado com o título. Mais irritado ainda por imaginar que o público poderia achar que a "bonitinha mas ordinária" poderia ser ele. Recusou-se então a assistir à peça. Nelson era mesmo um mestre no teatro e na pirraça. No texto, a expressão "O mineiro só é solidário no câncer" guia os personagens e é repetida à exaustão.
Bem verdade que a frase quer dizer que quando a pessoa perde tudo, não tem mais nada, pode revelar o seu lado positivo ou altruísta. Mas, para quem assiste a peça, a repetição soa como uma grande provocação. E, em se tratando de Nelson Rodrigues, não é possível fazer observação definitiva sobre a finalidade.
As oito atrizes do Curso Livre - não há nenhum homem na turma - contracenam com outros atores com mais experiência, alguns que também já passaram por edições anteriores do treinamento, como os do Nata (Núcleo de Aperfeiçoamento do Trabalho do Ator), Bruno Neves e Klleper Reis. Mais quatro atores convidados: João Paranhos, Marcos Soares, Neyde Moura e Sérgio Telles. O diretor Paulo Cunha também atua. Bruno Neves apresenta evolução em sua atuação, com melhor desempenho do que em Beijo no Asfalto, também sob direção de Paulo Cunha.
O espetáculo tem duas horas de duração. Difícil de encarar com a falta de poltronas. Só se vê gente se remexendo, tentando diminuir o desconforto. A recompensa é o texto pungente de Nelson Rodrigues, junto com a dedicação dos atores e a direção mais que bacana de Paulo Cunha, que oferece momentos memoráveis como o encontro de todos os atores usando máscaras, evocando atividades circenses e evoluindo para um bacanal, no qual as máscaras, desta vez as sociais, são reveladas.
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