5.9.04



Vai, vai, vai começar a brincadeira
Um leão desdentado, um palhaço esgarçado e o toldo furado faziam a festa na cidade. O circo chegara trazendo alegria. Os garotos curiosos vinham correndo, a pé ou de bicicleta, procurando saber mais da novidade, acompanhavam o movimento das estacas e da lona, procurando pelos animais. O olho mais ávido era na trapezista boazuda, que iria rodopiar pendurada na corda.

A lona tinha tantos furos que parecia roída por traças gigantes. Era o resultado de anos e anos de trabalho pelas estradas do país afora. Ela se lembrava orgulhosa de, nos bons tempos, já ter ido até outro país, de língua rápida e estranha, que ela não conseguia entender o que era falado, mesmo que algumas palavras lhe parecessem familiares. A lona se contentava com os gritos e os sorrisos estampados nas crianças.

Havia um palhaço envelhecido e triste, que buscava o riso em suas memórias enevoadas. O palhaço era o mais mau-humorado da trupe, mas mudava de rumo ao entrar no picadeiro, ao vestir a fantasia do patético. O palhaço contava piadas sujas, sem um pingo de ingenuidade, de fazer corar os adultos e fazer rir as crianças espertas. Piadas de situações grotescas. O repertório do palhaço era um show de horrores.

O domador fazia o leão cansado se esforçar a subir por banquetas desgastadas. O felino merecia a aposentadoria que o circo não lhe concedia. Urrava balançando as carnes flácidas e a juba cada dia mais rala. Dava a impressão de não conseguir se levantar nem atender aos estalidos do chicote.

Nos espetáculos da tarde e da noite, o público aplaudia cada movimento dos artistas. Na pequena cidade, de praça e uma rua só, a novidade se incorporava aos dias sonolentos. Ele então aplaudia o maior espetáculo daquela terra esquecida. Para o garoto pobre, o circo era promessa de um mundo de diversões e ilusões. Uma passagem de ida para a alegria sem fim.



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