20.3.04

Carangas noturnos
Comer caranguejo é uma arte. Quebrar peça por peça da carapaça, catar e sugar a carne e sorver o líquido. Ao abrir a cabeça do bicho, mais um desafio: o que pode e o que não pode (ou não deve) ser comido das vísceras, aquelas partes moles, algumas mais escuras, outras mais claras. Algum desavisado - e não é pouca gente - ao se deparar com aquele bicho inteiro não tem a mínima idéia do que fazer para começar a comer.

Na Bahia, na parte litorânea, aprende-se a apreciar caranguejo desde cedo. Quando os pais gostam do petisco, vão logo ensinando aos filhos o manejo dos martelinhos de madeira. Quebra aqui, quebra ali, até a destruição total. Muita gente não tem paciência e acha que o tempo gasto não vale a pena pela quantidade de carne obtida. Para quem pensa assim, é melhor pedir um casquinho de caranguejo - já catado, acompanhado de farofa - ou comprá-lo catado, em pacotes, e fazer uma boa moqueca ou ensopado. Mas, para os caranguejeiros de longa data, o trabalho de quebrar e obter pequenos tesouros de carne adocicada é um grande prazer.

O caranguejo é encontrado na lama dos mangues, mas é limpinho: vegetariano, só come folhas e frutos. Em Salvador o crustáceo é figura cativa nos cardápios das barracas de praia. Há bares maiores, em que o caranguejo faz o papel principal no cardápio. Cozido com cebola e temperos verdes, principalmente coentro, acompanhado ou não de pirão, atrai clientes e mais clientes.

O povo de Salvador gosta tanto de caranguejo que sai à noite em busca do crustáceo nos bares especializados.O problema é que o petisco suja bastante as mãos e o cheiro não sai facilmente. Sair à noite para comer caranguejo, com todo respeito a quem gosta, é um programa prá lá de cafona. Como sair do bar e ir para outro lugar com aquele cheiro impregnado nas mãos? O paladar da noite merece respeito. Pelo menos um prato que não suje tanto.

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