19.5.04

O Santo

Parece até história de teatro ou cinema, mas é verdade.



Junho se aproximava e começavam as homenagens aos santos do mês. Informada e convencida de que a posse de uma imagem roubada de Santo Antônio é fundamental para conquistar ou garantir o amor, ela, sempre muito responsável, ousou. Afanou uma das imagens do santo, que estavam em uma exposição pública.

Discreta e destemida, depois de dois segundo de hesitação, escolheu a menor e passou a mão rápida, escondendo a estátua na bolsa larga de design moderno. Olhar rápido para os lados, não havia alma encarnada por perto, ninguém viu a movimentação.

De início, ela, mulher formada, administradora, trabalhadora independente, relutou em acreditar e aceitar a tradição popular. Foi persuadida com o argumento de que deveria, sim, roubar a imagem e ficar com ela durante um ano. E depois devolvê-la, para que outra - mais carente e necessitada - também pudesse realizar o pequeno furto, no ano seguinte. Para conquistar a felicidade - que vai passando de mão em mão.

O tempo passou, ela, ainda reticente com a tradição, mas de vida amorosa fluente, esqueceu a imagem no fundo do armário de roupas. Três anos depois, em uma conversa informal com três amigas, em um restaurante da moda, na cidade grande, ela lembrou do santo e contou a história. Foi quase trucidada.

"Como você faz isso? Que absurdo!", foi o coro. Mas a inquisição não foi pelo roubo. Foi pela não devolução da imagem. "Egoísta! Você está deixando outra pobre-coitada desamparada. Trate de devolver a imagem", exigiu a mais exaltada das amigas.

Meio envergonhada, ela se viu na impossibilidade de devolver o santo. O local, em que a imagem estava, foi modificado, não existe mais. A detentora do santo agora prepara três embalagens, três caixinhas enfeitadas. Em cada uma delas vai colocar um pequeno Santo Antônio. Para presentear as amigas e sossegar os ânimos exacerbados.