27.5.04

Solidão em todo lugar
No mínimo inquietante. Dois homens encontram-se em um ambiente escuro, que tanto pode ser um campo sem iluminação, na zona rural, quanto a noite da cidade. Há uma negociação em curso. Os desejos são escondidos. Há um embate de forças entre o que se quer e o que se oferece: drogas, sexo ou qualquer outro produto ou emoção. É a peça Na Solidão dos Campos de Algodão, texto do francês Bernard-Marie Koltès, direção de Adelice Souza.

Em um cenário pouco iluminado, metálico e árido, Gideon Rosa e Narcival Rubens discutem sem entendimento. Um homem conservador (Rosa), em trajes sociais, e um ser urbanóide (Rubens) em trajes futuristas, usando um sobretudo sintético à la Matrix. O ser social e o anti-social. Opostos que se repulsam e se atraem.

O misterioso personagem de Narcival Rubens oferece alguma coisa. Gideon Rosa representa um burguês fragilizado. Aos poucos, a relação de dominação vai se invertendo e ficando mais clara. O homem de aspecto marginal vai revelando a sua fragilidade, enquanto o conservador mostra-se cada vez mais refratário a qualquer tipo de aproximação ou oferta.

É como se fosse a venda de drogas ou de sexo barato nas esquinas. O rapaz quer se entregar ou entregar algo, receber por isso e, ao mesmo tempo, manter o poder que a sua oferta o faz crer. O burguês vai sofrendo, talvez pela afluência do desejo que percebe pelo outro, mas demonstra-se incapaz de estender a mão à aproximação, ou mesmo a um pedido de socorro da outra parte. Solidão e incomunicabilidade ficam claras.

O espetáculo acontece no Teatro Moliere, da Aliança Francesa. O palco é isolado por placas de metal. A platéia e suas poltronas são descartadas, atores e público - que dispõe de pouco espaço - dividem o proscênio. Há certo desconforto, por conta do ambiente diminuto, do assentos sem encosto e dos sons inquietantes, compensados pela quase inserção dentro do espetáculo. É emocionante. Quando o espectador entra no teatro, depara-se com um recinto escuro com música eletrônica de fundo. Uma boate, uma estrada sem luz ou um ambiente futurista? Uma aventura, seja em um campo de algodão ou em uma esquina escura da cidade grande.

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