26.7.04


Pregação

Levanta, vai, acorda, desliga o despertador, esfrega os olhos e olha para a vida. Deixa de lado o seu orgulho preguiçoso, aquele que faz você ter a realeza que não foi herdada, que o faz rolar na cama em busca de uma entrega duradoura.

Caminha, vai cambaleando sobre suas pernas inconstantes, vai tentando aumentar a circulação nas suas veias e na sua mente para diminuir a insatisfação das horas. Há de chegar o dia em que o horário não terá que ser respeitado. Há de haver o dia em que os horários serão tomados por limites estabelecidos pela própria vontade.

Vai, movimenta suas pernas e segue o seu caminho. Vai atrás da bebida quente que rola queimando membranas e desesperando para o novo dia. Vai, anda, caminha para o encontro com os seus pares dissimulados. Reserva mais da sua paciência para as horas que se aproximam. Acalma sua mente e controla o humor de bilis que te invade.

Regula todo o seu metabolismo para se encaixar nas notas musicais de uma orquestra que volta e meia desafina. Conecta os seus eletrodos nos fluidos que emanam de fontes prazeirosas, para que possam esquentar a máquina e deixar na função automática.

Caminha, segue em busca de sua fonte de comida. Faz valer o desejo de produtividade que impele os seus dias. Que lhe obriga a seguir o ritmo nos ponteiros do relógio e a sua necessidade ridícula de aprovação social. Realiza o seu desejo improvável de fazer os dias parecerem úteis.

Realiza o seu desejo de não depender do instinto criativo para sobreviver. E de ter a mente liberta para a transgressão de todas as horas. Ousa e desregra todas as instruções. Deixa emanar do seu centro a tênue fumaça da inquietação. Revela ao mundo o seu interior de liberdade e bem-estar, que é conseguido com o seu desligamento da atmosfera terrestre. Sai em busca de outras paragens.

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